quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A Oração de Dona Alivina


Alivina Luiza da Silva (1976) - Norival Cabrera, Alivina (candidata a vereadora), João Venâncio (João Gordo) e José Rodrigues Belletti. Flagrante de comício durante a campanha eleitoral que levou Norival Cabrera pela primeira vez ao comando da administração do município. Não identificamos o garoto à frente do Zé Belleti, nem o cidadão de chapéu, se você reconhecê-los, mande um e-mail ou deixe um comentário. (foto: Álbum de Alivina)

Contando quase 80 anos de idade, Dona Alivina Luiza da Silva vive desde 1938 em General Salgado. É uma das moradoras mais antigas da cidade e ainda mantém uma disposição ímpar: trabalha, festeja, dança, viaja, pula carnaval, participa dos bailes e desfiles do Grupo da Terceira Idade e, parecendo ser de ferro, ainda toma suas cervejinhas.

Apesar de conhecê-la há muitos anos, pois ela mantém com vovó Arandira Marques uma amizade de mais de meio século, passei a conhecê-la bem de perto apenas quando quis o destino me atribuir a felicidade de encontrar Samanta, neta dela e minha mulher.

Posso garantir que se trata de uma criatura abençoada, benfazeja e muito feliz. Enquanto a grande maioria dos idosos se preocupa com remédios, mezinhas e aposentadoria, Dona Alivina exala humores com graça, espírito e muita disposição.

O primeiro salão de beleza da cidade surgiu quando ela se casou com seu Ramiro da Silva (1923-1993) indo morar numa pequena casa de madeira construída no final da Rua Vicente Rodrigues de Mendonça. Hoje o bairro se chama Vila Maron, ao lado do Estádio Municipal Paulo Possetti.

Era uma meia-água e no reduzido quintal dona Alivina criava galinhas. Dividia as ocupações entre os galináceos, a casa, as crianças (a primogênita Adenir ainda nos cueiros) e as melenas femininas do vilarejo. De repente estranho mal acometeu as penosas e elas foram sendo inexplicavelmente dizimadas.

Sem o socorro de veterinários, pois eram tempos em que mesmo pessoas se tratavam com garrafadas, mezinhas e outros paliativos caseiros, buscou auxílio na vizinhança tentando pôr fim ao precoce desaparecimento das aves.

Uma amiga orientou-a dizendo que o melhor remédio seria uma potente oração, a Estrela da Manhã, que para funcionar necessitava de pequeno ritual: tinha que ser feita antes do nascer do sol, em todos os cantos do quintal onde as galinhas viviam.

Anotou o peditório num pedaço de papel e advertiu ainda de que o ritual deveria ser repetido por vários dias. Por volta das quatro horas da manhã dona Alivina se pôs de pé, armou-se de véu e terço, embrulhou-se num lençol para amenizar o frio e saiu para o quintal empunhando o papelucho onde estava anotada a oração, iluminado por uma pequena vela. Até que os primeiros sinais luminosos do dia ameaçassem no horizonte, circulou pelos quatro cantos do terreno proferindo em sussurros a súplica religiosa. Repetiu o ritual nos dias seguintes.

Numa das manhãs, quando já cuidava das crianças e dos afazeres de casa foi chamada por uma vizinha de parede, Dona Maria, que aparentava ares de susto e aflição. Foi dizendo a vizinha:

- Dona Livina, a senhora não sabe o que me aconteceu hoje. Eu nunca levanto de madrugada, mas eu não tenho relógio e hoje quando acordei ainda estava muito escuro. Ai que arrependimento! Cruiz-credo, cruiz-credo.

E a amiga, já inquieta:

- Pelo amor de Deus, Dona Maria! Se for coisa ruim nem me conte!

- A senhora não vai acreditar: eu vi uma assombração! Cruiz-credo, cruiz-credo!

- Pelo amor de Deus, Dona Maria, eu morro de medo de assombração! Nem me conte porque senão eu não vou dormir de noite!

- Ah! Dona Livina, que coisa mais assustadora, eu não acreditava em assombração, mas hoje eu vi, quase morri de medo! Logo hoje eu fui acordar mais cedo. Nunca mais me levanto de madrugada!

Foi quando a vizinha rezadeira raciocinou um pouco e perguntou:

- Mas Dona Maria, como era a assombração que a senhora viu?

- Era uma mulher com um pano branco na cabeça, uma vela acesa na mão, andando pelo quintal, ia e voltava, ia e voltava...; cruiz-credo, cruiz-credo!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Meus Caros Amigos

"Ces são o colírio do meu ôiu.
São o chiclete garrado na minha carça dins.
São a maionese do meu pão.
São o cisco no meu ôiu (o ôtro oiu - eu tenho dois).
O limão da minha caipirinha.
O rechei do meu biscoito.
A masstumate do meu macarrão.
A pincumel do meu buteco.
Nossinhora!
Gosto dimais da conta docêis, uai.
Ces são tamém:
O videperfume da minha pintiadêra.
O dentifriço da minha iscovdidente.
Óiproceisvê,
Quem tem amigos assim, tem um tisôru!
Eu guárdêsse tisouro, com todo carinho, do Lado Esquerdupeito!!!
Dentro do Meu Coração!!!

Feliz Natal!!!"

(recebi do amigo José Augusto Cervantes, outro salgadense perdido por esse mundão afora, e não resisti).

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Memória 24 (Antonio Mendonça)

Antonio Rodrigues de Mendonça - Chegou a General Salgado em 1951, vindo de Novo Horizonte (SP). Com a primeira mulher, Maria Francisca Leme, teve dez filhos: José (casou-se com a prima Aparecida Rodrigues de Mendonça), Joaquim (Maria Emília), Idalina (Manoel de Paula Carvalho), Brazilina (casou-se com o primo José R. Mendonça Sobrinho), Laudelino (Rosalina Rodrigues), Vicente (Dolores Viudes), Nathal (Luzia Martins), Lourdes (Astoril Thomaz), Leonora (Azilio do Prado) e Antonio Filho (Alexandrina Rodrigues). Viúvo, casou-se em segundas núpcias com Maria Silva, com quem teve o filho Manoel (casado com Olga Maria).

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Dentista e o Barbeiro

Um dos primeiros dentistas da cidade foi apelidado pelos moradores de Dr. Labareda. Não se sabe de onde veio nem se tinha cursado alguma faculdade. Naquele tempo por estas bandas só apareciam práticos, técnicos e curiosos.

O Dr. Labareda foi um dos primeiros a instalar clínica e a dizer que era estudado: “Estudei oito meses em São Paulo, Vila Cachoeirinha!”, dizia. Pronto, já era doutor! O apelido surgiu porque era comum vê-lo derretendo material dentário numa lamparina de chama alta, muito mais alta do que a dos demais. Além disso, era meio estabanado e pouco chegado à assepsia. Durante as consultas e tratamentos mantinha hábitos alimentares, como chupar laranjas e Mexericas.

Certo dia atendeu um paciente que reclamava muita dor de dente. Deixou a mexerica de lado, aboletou o rapaz na cadeira e armou-se de instrumentos. Olhou meio por alto o dente que o moço apontou e diagnosticou:

- Ih! Tem que arrancar. Dente desse tipo só sara se arrancar...

- Mas doutor - retrucou o paciente - o senhor não vai nem ver o dente como está? Será que precisa arrancar? - Meu senhor, eu estudei na capital, eu sei o que estou fazendo. Deite-se aí!

O paciente estirou-se no encosto da cadeira, o Dr. Labareda empunhou uma seringa imensa com uma agulha muito comprida, pedindo para que não se assustasse, pois a anestesia tornaria indolor o tratamento. Enfiou a ponta da imensa agulha na boca do moço, injetou parte do anestésico e inquiriu:

- Formigou um pouco?

- Hã-hã – gemeu o rapaz, negando.

O doutor introduziu mais um pouco a agulha, injetou outra parte do líquido e repetiu a pergunta:

- Formigou?

- Hã-hã.

Sem ligar para os gemidos de dor do paciente o Dr. Labareda enfiou o restante da agulha, injetou todo o resto do anestésico, retirou a seringa e perguntou:

- Agora formigou né?

- Doutor, formigar não formigou não, mas o senhor molhou toda a gola da minha camisa!

Uns dois meses depois o Dr. Labareda sumiu da cidade e nunca mais deu notícias. Diz o Pedrinho Giamatei que ele voltou para São Paulo: deve estar trabalhando no fura-fila!

Acho que Mário Barbeiro e Carolino dos Santos (o saudoso seu Kalu) estão entre os primeiros barbeiros que se instalaram na cidade. Seu Kalu deve ter sido o que mais tempo esteve na ativa. Sami Cheida também foi dos primeiros, mas me recordo que na Avenida Diogo Garcia, perto da esquina com a Rua Dr. Bruno Martins, em frente a sapataria do seu Zinho Sapateiro (João Raymundo), havia uma outra barbearia antiga, do Sr. Avelino Leite.

Como o seu Avelino era crente, evangélico, o salão era freqüentado quase que exclusivamente pelos irmãos de igreja. Muito religioso, assíduo freqüentador dos cultos da Congregação Cristã e muito entendido nos assuntos bíblicos, tinha o hábito de falar o tempo todo sobre religião, sobre o evangelho e demais temas da irmandade.

O funcionário de uma fazenda, recém chegado na cidade, sem saber que a freguesia do seu Avelino era formada basicamente pelos irmãos de crença, sentou-se na sua cadeira certo dia e pediu para raspar a barba.

Muito solícito e educado o barbeiro regulou o encosto, acomodou o rapaz, amarrou-lhe um avental branco, preparou a espuma de barbear, lambuzou o rosto do moço com o pincel de espuma e amolou a navalha numa tira de couro que ficava dependurada debaixo da pia.

Puxou assunto com o cliente; o que fazia, de onde vinha, onde trabalhava. Percebendo que o moço era novato na cidade, levou a conversa para a religião, quis saber se freqüentava alguma igreja, convidou para os cultos da Congregação. A conversa foi se aprofundando no tema e o rapaz ia respondendo na medida do possível, no mais das vezes com monossílabos, com bastante timidez.

Quando ia começar o serviço o barbeiro encostou a navalha no pescoço do rapaz e, distraidamente disparou:

- Me diga uma coisa, o senhor está preparado para ir para o céu?

O rapaz estalou os olhos, deu um salto na cadeira e saiu em desabalada carreira rua abaixo levando o avental atado ao pescoço e a cara cheia de espuma.

Deve ter corrido uns quinze dias!

domingo, 9 de dezembro de 2007

Memória 23 (Primeira Comunhão, 1974)

Marcos Faria, Padre Victorino, Carlos José (Cal) e Kiko Righi.
(foto: Álbum do blogueiro)


Nova Castilho, 1974 - Igreja de São José - Alunos do catecismo da Professora Helena Longhini, no dia da Primeira Comunhão.
Fila de trás: Albina, Lurdes Aleixo, Maria Olívia Garcia, Marcos Faria, Helena Longhini, Valdenir, Padre Victorino Liñan Hitos, Sandra Feitosa e Cassilda Marques.
Fila da frente: Vanda de Grande, Cássia Marques, Lena Faria, Ângela Cavenage, Roseli, Carlos José (Cal), Kiko Righi, João Batista, Vanderci de Grande, Izabel Zanini e Rosemeire Sumaia.
(foto: Álbum de Vanda de Grande / Jornal A Gazeta da Região)

Padre Victorino

A primeira vez que me lembro de ter visto o Padre Victorino Liñan Hitos foi folheando o álbum de fotografias do casamento de meus pais – Domingos e Cida -, isso quando eu ainda era menino novo lá em Nova Castilho. Os registros mostravam um padre moço, jovial, cabelos negros, olhar límpido e sereno.

Nós já havíamos nos encontrado antes, mas não guardei lembrança da cena em que ele borrifara água benta sobre minha cabeça - eu nos braços de vovó Arandira, segundo me contaram - no dia em que fui batizado. Sou como podem ver, apenas mais um dentre tantos outros salgadenses que ele abençoou, sem falar naqueles outros tantos que ele casou e depois tudo repetiu com filhos e netos.

Nascido na cidadezinha espanhola de Motril, nas proximidades de Granada, região da Andaluzia, Victorino foi mandado ao Brasil ainda estudante. A Congregação dos Padres Agostinianos à qual pertencia resolveu transferir seus discípulos para as pacíficas terras brasileiras, fugindo aos conflitos da guerra civil espanhola. Concluídos os estudos eclesiásticos, foi ordenado no dia 9 de maio de 1937, em Ribeirão Preto onde permaneceu por nove anos.

No dia 6 de agosto de 1955 chegou a General Salgado, paróquia então pertencente à Diocese de São José do Rio Preto. Identificou-se tanto com os paroquianos, que mesmo depois da mudança da diocese para Jales e da sucessão de bispos, entendeu-se como impraticável a sua saída de General Salgado. A cidade tinha o seu padre e todos desejavam que ele ali permanecesse para sempre.

Freqüentei as aulas de catecismo da Professora Helena Longhini, que eram ministradas depois do horário escolar, na casa de dona Cida Toledo, em Nova Castilho. Antes da primeira comunhão tivemos algumas aulas com o Padre. Guardávamos certo receio de sua aparente severidade, e ficávamos impressionados com a capacidade que ele tinha de conhecer todas as famílias, identificar as pessoas, saber onde moravam, essas coisas. Lembro-me que numa das aulas, com certa timidez lhe perguntei como é que se conversava com Deus, e a resposta jamais foi esquecida:

- A gente conversa com Deus através do coração!

Depois que me mudei para a cidade passei a freqüentar a Cruzada, um grupo de adolescentes católicos dirigido por Dona Lucila Veschi e que se reunia semanalmente no Salão Paroquial. Reuniões nas noites de segunda-feira, missa no domingo pela manhã (tínhamos que usar sobre a camisa branca uma faixa diagonal amarela) e um piquenique por mês na Lajinha.

Em todos esses momentos havia a participação circunspeta do Padre Victorino. Havia no grupo uma pequena disputa interna para atuar como coroinha nas missas de domingo, atividade na qual os irmãos Pio e Mané Bernabé eram quase imbatíveis. Além de chacoalhar as sinetas durante a celebração, o que a gente mais gostava era de subir na torre da igreja para dar corda no relógio da matriz.

Aos domingos ele costumava almoçar com os amigos, organizava um tipo de rodízio para contentar a todos. Muitas vezes fomos companheiros de mesa durante o lauto e tradicional almoço dominical de dona Marleine Seraphim.

A cada vez que saía da cidade para visitar a terra natal levava consigo um pequeno travesseiro recheado com terra recolhida de um dos canteiros de flores da praça. A quem lhe pedia explicação dizia simplesmente que se morresse longe de General Salgado ao menos lhe restaria o consolo de repousar para sempre sobre a terra salgadense.

Viajou à Espanha pela última vez quando completou 80 anos, em 1992, e por uma armadilha do destino, lá caiu doente necessitando longo período de recolhimento. Nunca ocultou, no entanto, o desejo de tornar à terra adotiva e tanto insistiu que foi capaz de reunir forças para a viagem.

Foi recebido com júbilo, carreata e foguetório e todos os salgadenses fizeram questão de demonstrar a saudade e imensa estima para com o bom pároco. O rebanho se regozijou ao rever a figura do esmerado pastor.

Praticamente imobilizado pela fraqueza decorrente da avançada idade e das seqüelas de um derrame, avistei-o pela última vez alguns meses depois do seu retorno, durante a tradicional Quermesse no Largo da Matriz.

Preso à cadeira de rodas ele ainda atentava para aqueles que procuravam estimulá-lo. Nos seus olhos resistia um lastro de entusiasmo e de satisfação por estar entre o povo que tanto amava. Meu pai quis testar-lhe a memória corroída pela debilitada saúde: “O senhor se lembra de mim?”. Levantou com dificuldades a mão direita trêmula apontando para o horizonte e sussurrou:

- Lá do Lambari! – a voz soou tremeluzente.

Remoendo a emoção de revê-lo e de senti-lo vívido, apesar das aparências, rememorei a cena em que ele encarou um pequeno e curioso aluno do catecismo, que aos oito anos de idade queria saber como se comunicar com Deus: “a gente conversa com Deus através do coração!”. Compreendi naquele instante o quanto Deus se comunicara com os salgadenses através do Padre Victorino.

Os ares da terrinha foram capazes de prolongar-lhe a vida por mais cinco anos, até que – por uma estranha coincidência do destino – no dia 6 de agosto de 2000, exato dia em que se comemoravam 45 anos de sua chegada à cidade, os salgadenses deixaram de lado suas atividades comuns para homenagear e conduzir à última morada o homem que empenhou sua vida em favor do povo que Deus lhe confiara. Contava 87 anos de idade.

O Bispo D. Demétrio Valentini fez questão de registrar suas homenagens, anotando que ao levar o Padre Victorino para sua companhia no mesmo dia em que havia chegado a General Salgado, quarenta e cinco anos atrás, Deus colocou, misteriosamente, o selo de sua Providência no testemunho que o amado pároco nos deixou: “a história mostra que é sobre o túmulo dos mártires que foram construídas as igrejas”, disse Dom Demétrio, “a Diocese agradece a Deus a herança que o Padre Victorino nos deixou, como baluarte de fé e testemunho de autenticidade cristã. Sua memória será guardada, com respeito e veneração. O Padre Victorino viverá, para sempre, no coração do povo que ele tanto amou”.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Respeitável Público!

Largo da Praça de Nova Castilho nos anos 70 - Igreja de São José

Criança pequena lá em Nova Castilho tinha poucas opções de diversão: quermesse, festa junina e circo. Nem Parque de Diversões existia. De vez em quando surgia um Circo de Touradas ao qual a gente tinha acesso franqueado porque vovô Braz Firmino emprestava o gado para os toureiros fazerem suas peripécias. Eu gostava do show e também dos nomes dos toureiros: Capa Preta, Parafuso, Terra Roxa...

Na Praça havia um amplo e deserto Largo e ao lado da Igreja a Barraca-Bar, onde eram realizadas as quermesses. Não existia tômbola, bingo, estes jogos de azar pelos quais os participantes teimam a noite toda para ganhar um franguinho assado. Muito menos aquele sujeito gritando no ouvido da gente os números sorteados: "dois machados num pau só: setenta e sete"; "dois patinhos na lagoa: vinte e dois"; "olha o cheiroso: vinte e quatro".

Naquele tempo só havia o leilão e uma disputa entre amigos onde um arrematava a prenda e oferecia ao outro de presente. Logo depois o amigo retribuía o mimo. Em Castilho o locutor da quermesse era Armindo Thomaz, o Doca da Farmácia.

Como não existia Festa do Peão com show musical, a única oportunidade de assistir apresentações de artistas (do disco, do rádio e da televisão, como anunciavam os potentes alto-falantes) era nos circos, e todos, invariavelmente, duplas sertanejas.

Em Nova Castilho assisti pela primeira vez e maravilhado, a minha dupla caipira preferida: Tião Carreiro e Pardinho. Antes do show havia o drama, como eram chamadas as encenações teatrais nas quais os músicos se misturavam aos circenses. A molecada ficava tentando adivinhar qual dos personagens era o cantor.

Mesmo quando me mudei para a cidade os circos ainda eram as grandes atrações para a garotada. Eram montados no Campo de Futebol da Creche ou em frente à Delegacia de Polícia. Neles assisti, pela primeira vez, uma dupla que era a sensação do momento: Milionário e José Rico. No circo lotado parecia que não caberia mais uma única pessoa. Onde um tirava o pé o outro punha.

Havia também o circo do Tony e do Paçoca, o Gran Circo Argentino. A princípio eu não entendia bem por que é que a garotada lotava as matinês e queria voltar à noite com os pais. Depois fiquei sabendo que a maior atração do circo era a bailarina. A garotada babava ao vê-la dançando porque ela era salgadense e casada com o dono do circo.

Contam que Rita Veschi foi - a seu tempo - a moça mais bonita de General Salgado e que o seu casamento com o Tony, dono do Circo Argentino, causou um alvoroço na cidade, dado o desespero dos adolescentes apaixonados por ela que não se conformaram com a perda. A consolação dos chorões era vê-la dançando no circo.

No Circo Argentino certa vez assisti Chitãozinho e Xororó como atores num dramalhão daqueles bem sentimentais e trágicos, tipo novela mexicana. Naquela época ninguém diria que eles chegariam tão longe.

As lutas livres também faziam sucesso e delas participavam mulheres boas de briga. Anunciavam a "Mulher Montanha, a lutadora mais forte da face da terra", e outras gladiadoras com nomes sugestivos e a equipe circense saia pelas ruas convocando os citadinos de coragem a enfrentarem as feras.

Existia um salgadense que encarava tais lutas, o João Gato (João Domingos Ferraz Liebana). Desde moleque era metido a briguento, queria bater em todo mundo, e quando o circo oferecia a chance lá ia ele enfrentar as lutadoras.

Era um grande espetáculo, com parte do público torcendo pelo salgadense e a maioria gritando para que aquele mulherão (literalmente falando) lhe acertasse uns sopapos. No dia seguinte ele adorava sair às ruas para ouvir os comentários sobre a contenda, e quando exibia um olho roxo ou um arranhão no rosto se apressava em justificar:

- Vocês não viram o estrago que eu fiz naquele brutamonte!

A molecada gostava tanto de circo que, encerrada a semana de espetáculos, todos corriam a montar cirquinhos nos quintais, cercados por lençóis e cobertores sorrateiramente emprestados das mães. Meus vizinhos Renato Fantini, Cássio de Vergílio, Celso Cardoso, Élio de Freitas e Serginho Guimarães, eram os mais animados. O ingresso era um determinado número de palitos de fósforo. Na casa do Renato Fantini o circo era mais requintado, com tabuleiros, jogos de argolas e prêmios com balas e chicletes.

De certa feita resolvi eu montar um circo no fundo do quintal de casa. Meu amigo Ivan de Morais era o aluno mais engraçado da minha sala na Escola Ângelo Scarin, contava piadas, fazia imitações, era talentoso.

Convidei-o para fazer um show no meu circo e ele topou. A vizinhança lotou a garagem e, depois das apresentações iniciais colocamos o artista no palco. Ele disparou a contar piadas cabeludas (a assistência era toda menor de doze anos) e minha irmãzinha Cleire (que devia ter uns seis, sete anos) levantou-se de seu lugar com ares de inconformada, subiu no improvisado palco e sapecou de tapas o espevitado Ivan.

Foi um sucesso. A platéia riu muito, soaram palmas e apupos, todos adoraram a cena. No dia seguinte tentamos um repeteco sem êxito, ninguém riu como no dia anterior. Encerrei aí a minha carreira de dono de circo e acredito que o Ivan também abandonou os picadeiros depois daquele dia.

Mas o fato mais engraçado acontecido nos circos salgadenses foi com outro personagem que aprontava muito: Mauro Sérgio Castilho, filho do Vando Castilho.

Existia uma cantora que sempre repetia a mesma música. Era uma música horrível, com um refrão sofrível, que repetia o tempo todo: “Ai que vontade de comer goiaba, ai que vontade de comer goiaba”.

Não mais suportando a renitente melodia, Mauro Sérgio entrou no circo com um embornal a tiracolo e ninguém entendeu o motivo. Quando a cantora chegou ao refrão ele abriu o embornal:

- É goiaba que você quer? Então, toma! - e despejou um saco de goiabas nos pés da moça.

No show do dia seguinte ela mudou o repertório.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Memória 22 (Wilson e Claudina)

Claudina Marques e Wilson Gonçalves - Claudina é filha do casal Joana e Salustiano Luiz Marques; Wilson é filho adotivo de Maria e Firmino Luiz Marques. O casal tem nove filhos: Ademar, Jair (casado com Luzia Garbi), Lucilene (Carlos Fernandes), Leomar (Jorge Tavares), Nivaldo (Aparecida Paiva), Elza (Valdenir Cevada), Leonilce, Norival (Rosângela) e Lucélia (Edward de Oliveira). Com 9 anos de idade, Wilson conduziu um carro-de-boi no mutirão feito para ampliar as ruas da Vila Palmira, em 1932.
Fotos: Álbum da Família Marques

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Memória 21 (Braz Firmino Marques)

Braz Firmino Marques - filho do casal Maria e Firmino Luiz Marques, nasceu em Nova Castilho no dia 03/02/1917, casou-se com Arandira de Seixas, nascida em 13/03/1924, filha dos pioneiros Andrelina e Alvino Bernardino de Seixas. Tiveram dois filhos: Aparecida (casou-se com Domingos Rodrigues de Almeida) e José Voltair, conhecido como Zé do Braz (casou-se com Dalva Delafine).
Na foto: Arandira, Braz, Zé, Cida, Cal e Domingos.
(foto: Álbum do blogueiro)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Tachinha

Chamava-se Laércio e, contando mais de trinta anos, vivia perambulando pela cidade carregando por sobre os ombros uma caixa de engraxate. Ficava por ali nas imediações do Bar do Toninho Mendonça. Fumava, bebia e brincava com todo mundo ainda que fosse, ao mesmo tempo, maltratado por todos ou, alvo predileto de brincadeiras e gozações.

Acho que o Tachinha viveu por mais de quarenta anos e durante todos eles sofreu a ausência de recursos e de atendimento especializado para excepcionais, que só foi superado quando criou-se na cidade uma unidade da APAE. Por conta deste abandono e do modo como viveu, foi mais um dos personagens folclóricos da cidade.

Vivia filando cigarros e trocados de todo mundo, nos diversos locais que freqüentava diariamente, escritórios, bancos, repartições públicas. Oferecia-se para engraxar sapatos e diante da negativa do possível freguês, acabava serrando uns cruzeiros para o almoço.

Certa vez deu de furtar pequenos objetos e acabou tomando umas bordoadas de policiais militares. Por conta disso um delegado que tentava mostrar serviço lavrou várias ocorrências policiais contra o infeliz.

Recém chegado à cidade, um Juiz de Direito “linha dura” verificou aquele grande número de ocorrências policiais contra o tal Laércio, vulgo Tachinha, e andou comentando pelos corredores forenses que possivelmente se tratava de um marginal de alta periculosidade e que, por certo, mereceria dura reprimenda penal.

Certo dia o magistrado assistia do alpendre de sua casa o cair de intensa chuvarada, quando avistou um indivíduo estranho correndo sob o pesado toró, rolando pelas poças d´água e fazendo guerra de lama com outras crianças de rua. Inquiriu um vizinho, querendo conhecer a identidade do deficiente mental, ao que lhe responderam:

- Aquele é o Tachinha!

No dia seguinte, dando-se conta do equívoco cometido pela polícia militar, pelo delegado e pelo juízo premeditado que fizera das ocorrências policiais existentes no Fórum, deu imediato fim aos processos, não só pela verificação do quanto era inofensivo o “delinquente”, mas também por sua incapacidade civil e penal, que redundava em inimputabilidade.

Não sei se é verdade, mas Tachinha vivia contando para todo mundo que fora vítima de abuso sexual. Parece que, sem compreender a situação por conta de sua total incapacidade, andara fazendo troca-troca com a molecada. Quando lhe perguntavam os nomes dos “parceiros” ele não titubeava em nomeá-los com voz afônica inconfundível.

- Mike, Vande, Calão, Dabeto...

Perguntavam-lhe quais eram as pessoas que mais gostava e ele ia dizendo nome por nome, principalmente aquelas que lhe dispensavam os trocados do cigarro e do sanduíche. De repente alguém colocava na lista o Cabo Eurípedes e ele, imediatamente, fechava a cara, fazia um muxoxo e saía do local chorando, lembrando as bordoadas que tomara no interior da delegacia.

Muitos anos antes de Tachinha, existiu em Nova Castilho um outro excepcional, conhecido por Nego. Tachinha padecia da Síndrome de Down, Nego era deficiente mental, retardado. Também era vítima de troças e zombarias, porém, muito bem tratado pela família. Tinha um irmão chamado Sebastião e várias irmãs.

Leonardo era um peão que trabalhava para tio João Firmino, muito competente, mas também muito ladino. Vivia “namorando” as irmãs de Nego. De vez em quando, retornando da lida, encontrava alguma delas pelas estradas na companhia do irmão. Apeava do cavalo e pedia para o Nego segurar-lhe o animal dando desculpas de que precisava se aliviar no mato. Sem que o irmão percebesse a moça saía de fininho e entrava no matagal acompanhando o boiadeiro. Nego esperava alguns minutos e, impaciente, gritava pelo dono do cavalo:

- Nardo, eu vou sortá teu cavalo!

Do meio do mato, a poucos metros de distância e sem interromper o namoro, Leonardo respondia, pedindo para que ele ficasse firme na vigilância do animal.

- Não solta não Nego, segura que eu já tô indo!

Dali alguns minutos nova ameaça:

- Nardô! Eu vou sortá teu cavalo!

Quando seu irmão Sebastião faleceu, durante o velório o Nego procurava um por um os conhecidos para se lamentar:

- O Bastião nunca tinha morrido. Morreu hoje!

E aos que lhe consolavam e lhe rendiam pêsames, acrescentava:

- E deixou uma camisa novinha sem usar, branca da cor de povil... (polvilho).

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Memória 20 (Orozimbo Barão)

Orozimbo de Carvalho - filho do fundador Antonino José de Carvalho (Tonico Barão), nasceu no dia 18/09/1889 e foi um dos primeiros moradores da cidade. Sua primeira mulher, Ester Pereira de Carvalho (nascida em 16/06/1891) faleceu em 14/05/1954. Anos depois casou-se com dona Laura de Carvalho. Era conhecido como Orozimbo Barão e faleceu em General Salgado no dia 17 de agosto de 1974.

Advogado Sem Diploma

A turma de amigos do Jaburu (José Giamatei) da qual faziam parte Zé do Braz, Orlando Ascêncio, Zé do Leite, Preto Cornélio, Tonho Branco, Zé Prego, William Zancaner e outros, era fértil em festas e armações.

Num carnaval em meados dos anos 70 eles construíram um boneco de boi, parecido com esses que se usam nos folguedos do Bumba-meu-boi, e saíram pelas ruas da cidade. O condutor do boi era o Preto Cornélio, que saia chifrando todo mundo na rua. Enquanto isso os demais iam desfilando a aprontando brincadeiras com os transeuntes.

A turma costumava se reunir nos finais de tarde na loja de produtos veterinários que o Jaburu tinha na Avenida Diogo Garcia, ao lado da antiga Farmácia do Marino Secches. Dali combinavam festas, churrascos e troças.

Num sábado à noite estavam tomando umas cervejas na ZBM (zona do baixo meretrício). Naquele tempo, final de semana sem baile era final de semana sem vida noturna na cidade, pois os bares fechavam cedo.

Todos bebiam e se divertiam quando ouviram um barulho estranho lá fora, um carro chegou a toda velocidade, levantando poeira, e dele desceram dois desconhecidos bastante embriagados, no estilo "cercando frango".

Ocuparam uma mesa e deram a entender, pela conversa, que se tratava de pai e filho. Começaram a botar banca, se mostrando arrogantes, dando ordens aos presentes, garganteando, ofendendo as moças do local.

Notando a empáfia dos forasteiros, Orlando Ascêncio foi até o quintal e voltou em seguida, dirigindo-se ao mais velho de forma educada:

- Por favor, o senhor é o dono daquele carro verde estacionado lá fora?

Diante da resposta positiva prosseguiu:

- Por gentileza, venha aqui fora ver o que o senhor fez!

Os dois se levantaram e se dirigiram até os veículos. Orlando mostrou que ao lado do carro verde havia um outro carro com a porta amassada. Indicou o estrago aos dois:

- Olha só o que vocês fizeram! Chegaram de qualquer jeito, fazendo bagunça, cantando pneu, levantando poeira e acertaram a lataria do meu carro.

Foi uma confusão danada, os dois negavam, diziam que não tinham amassado carro nenhum. Os demais incentivavam o Orlando e ele prosseguiu:

- Eu não posso ficar no prejuízo só porque vocês dois saíram por aí fazendo bagunça! Vocês é que sabem, ou me pagam o conserto ou eu vou devolver o estrago para vocês.

Apossou-se de um pedaço de pau e fez menção de quebrar o pára-brisa do outro automóvel.

- E tem mais - avisou - depois que eu quebrar o carro eu quebro vocês dois na pancada! Seus bêbados vagabundos!

Nisso os dois pediram calma, se desculparam pelo acidente, chamaram o Orlando e os amigos para dentro, pagaram uma rodada de cerveja, o mais velho sacou do talão de cheques e pagou o prejuízo. O cheque era de mil cruzeiros, que na época correspondia ao famoso “barão”. Dava pra comprar uma porta nova e ainda sobrava um troco.

Os salgadenses saíram imediatamente do local e foram para a Lanchonete do Zé Frota, onde eu estava. Eu tinha meus quinze, dezesseis anos. Sem que eu entendesse o motivo, tio Zé do Braz tirou do bolso o cheque de mil cruzeiros e me deu, dizendo para gastar como quisesse. Um barão era o meu salário de quatro ou cinco meses. Na mesma hora troquei o cheque com o Frota e então eles resolveram contar a história de como tinham recebido a grana.

O detalhe é que o carro amassado não era do Orlando, era do Zé do Braz, e o estrago na porta tinha acontecido no mesmo dia lá em Nova Castilho, quando ele, vindo para a cidade, passara correndo sobre um mata-burro quebrado.

Terminado o relato, Zé do Braz cumprimentou o Orlando:

- Vai ser advogado bom assim lá adiante! Melhor do que eu! Pode ir lá em casa amanhã buscar o meu diploma!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Memória 19 (Maria Cândida Marques)

Maria Cândida Marques - Filha de Vicência Candida da Silva e neta do pioneiro João Cândido da Silva, que veio para o interior paulista por volta de 1896. Maria Cândida chegou à região em 1906, com apenas 17 anos, na companhia do marido Firmino Luiz Marques (embaixo à direita). O casal teve cinco filhos: Luiz Firmino, Izaura, Altina, João Firmino, Julieta e Braz Firmino, e ainda adotou um sexto: Wilson Gonçalves. Maria faleceu em 1930, com apenas 41 anos de idade.
(fotos: Álbum da Família Marques)

Políticos de Primeira Viagem

Na capital paulista existe um bar próximo à Avenida São João que é tido como o ponto de encontro dos políticos do interior. Durante a semana é muito comum encontrar as mesas ocupadas por prefeitos, vereadores, secretários e outros tipos de "aspones" (assessores de porcaria nenhuma) interioranos.

Um Prefeito da região de General Salgado, inexperiente nas coisas da cidade grande, ou seja, puro sertanejo, entrou no bar acompanhado de seu séqüito, e foi reconhecendo os colegas que se preparavam para o almoço, até que um deles o convidou, mostrando os pratos do couvert:

- Sr. Prefeito, como vai? Não quer se sentar aqui e comer conosco?

E o prefeito, vendo que os assessores já se acomodavam mais ao fundo, desculpou-se, espetando o palito num dos petiscos do prato do amigo:

- Me desculpe, vou me sentar mais ao fundo com o pessoal da minha cidade, mas pra não desfazer do convite vou comer um "conosquinho" desse aqui!

Sentou-se à mesa com os auxiliares e o garçom se aproximou para recolher os pedidos, dirigindo-se à autoridade maior:

- Senhor Prefeito, o senhor já escolheu seu prato?

- Se não tiver de ferro agate, pode ser de louça mesmo, daqueles de florzinha!

Numa comitiva de políticos salgadenses à capital, havia um marinheiro de primeira viagem, que nunca tinha pisado o solo paulistano. Durante o trajeto foram ultrapassando vários caminhões carregados de banana e ele inquiriu os demais:

- Pra onde é que vai tanta banana?

Quando lhe responderam que o destino das frutas era a capital ele não acreditou, ficou remoendo e dizendo para si mesmo que seria praticamente impossível uma única cidade consumir cargas e mais cargas de banana. Assim que o carro adentrou a marginal e ele botou os olhos pela primeira vez na capital, espantado com o tamanho da cidade, lembrou-se do cortejo e reconheceu:

- Meu Deus do céu! Haja banana!

O debutante também nunca tinha freqüentado um restaurante. Depois do expediente a comitiva resolveu almoçar num daqueles bem chiques. Envergonhado porém orgulhoso, pensou que escondendo dos demais a ignorância ficaria livre da chacota, da gozação. Imaginou que para sair incólume e não passar vexame bastaria acompanhar os pedidos dos companheiros mais experientes: "o que um pedir eu peço também", vaticinava.

O garçom se aproximou, começou a tomar nota dos pedidos e ele ficou assuntando, esperando vez. Mas o barulho do ambiente prejudicava sua audição, não entendia direito o que estavam pedindo. Quando entendia, não compreendia que tipo de comida poderia ser aquele, estava habituado a "arroz, feijão, bife, ovo", e ouvia algo como: Filé à Cubana; Filé Chateaubriand; Strogonoff; Vitela, Escabeche...

Quando o garçom se aproximou e perguntou-lhe sobre a escolha, ele não tinha conseguido captar o nome de nenhum dos pratos e resolveu não arriscar:

- Eu quero o mesmo que o meu amigo aqui do lado.

Não deu nem tempo de se sentir aliviado e o garçom complicou a vida dele de novo:

- E para acompanhar senhor?

Pensou, pensou e antes que os amigos pudessem perceber a sinuca em que se havia metido, disparou:

- Tem farinha?

Memória 18 (Julieta e Izaura)

Julieta Marques - Julieta, os filhos Araídes (casou-se com Armindo Thomaz) e Toninho (Marli Santos), e o marido Ângelo Jacomino.

Izaura Castilho e a neta Ielza Marques - Julieta e Izaura eram filhas do casal Maria e Firmino Luiz Marques. Izaura casou-se com Jonas Paula de Castilho, com quem teve os filhos: João Paula de Castilho (casou-se com Maria Freitas), Julieta (Pedro Norberto Marques), Aparecida (Jonas Pereira de Carvalho), Olegário, Hipólito, Manuela (Edélio Vieira) e Fermina (Vicente de Paula Oliveira).
(foto: Álbum da Família Marques)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Zé Guilim

Tio Zé Guilim (José Rodrigues de Almeida) saiu de Minas Gerais em meados da década de 1930 e veio morar em General Salgado, na Fazenda do irmão Álvaro, meu avô paterno. Era um sujeito sério, quase não ria. Duro na criação dos filhos, no relacionamento com os empregados. Tinha pavor de modernidades, o que talvez tenha herdado do pai, Miguel Rodrigues.

Quando surgiram os primeiros automóveis na região, os vizinhos e conhecidos motorizados paravam na estrada tentando dar carona ao bisavô Miguel. Ele não só recusava como ainda destratava o amigo, dizendo que preferia andar a pé:

- Pode tocar adiante o seu catingudo!

Catingudo porque os primeiros automóveis exalavam forte cheiro de combustível. E a recusa se dava ainda que marchar a pé da cidade até o Lajeado demandasse umas cinco horas.

Parece que as máquinas e aparelhos surgidos no início do século vinte assustavam os mais antigos. Tive outro tio-avô, o Chico Molhado, que quando avistou a primeira televisão ficou estupefato, pasmado. Depois de assuntar por algum tempo aquela caixinha estranha e luminosa, mostrando a imagem escura e quase apagada de um homem conversando sozinho, perguntou aos sobrinhos:

- Esse homem aí tá me vendo?

Diante da resposta negativa continuou na dúvida:

- Então porque é que ele tá apontando o dedo pra mim e falando "ei você aí"!?

Já o vovô Braz Firmino procurou instruir-se melhor e compreendeu muito bem como funcionava o estranho aparelhinho, por isso, quando via as mulheres da família acompanhando com sofrimento e dor os capítulos chorosos das novelas, estranhava muito:

- Não sei pra quê esse desespero, isso aí é tudo mentira! É tudo combinação, não tá acontecendo de verdade não! Onde já se viu vocês chorando por causa dessa mentirada!

Tia Ordália, solteirona, casou-se com o viúvo Chico Molhado aos 45 anos de idade. Anos depois perguntaram a ela sobre o casamento, se não se arrependera de não ter se casado antes. Ela confessou:

- Eu me casei muito nova, desperdicei minha mocidade!

Com essa declaração eu acho que ela assustou toda a família. Talvez venha daí o hábito familiar de casamentos tardios...

Tio Zé Guilim tinha pavor de máquina fotográfica. Nunca ninguém tinha conseguido retratá-lo. Ao ver alguém empunhando ou apontando a maquininha para o seu lado ele virava o rosto e avisava sério:

- Não me aponte essa tal de codaca seu indivíduo, tografia não meu caro!

Certa vez em Itapagipe (MG), durante a festa de casamento do primo Arlindo, filho dele, consegui tirar-lhe o retrato depois de muito malabarismo, colocando alguém para distraí-lo e me escondendo por detrás de outras pessoas.

Durante algum tempo morou em Santa Fé do Sul onde emprestou dinheiro a terceiros. Depois que voltou a morar em Salgado, de vez em quando montava num ônibus e ia até Santa Fé receber os dividendos. A cada vez que retornava trazia debaixo do braço um novo par de botinas.

Antigamente os calçados não vinham em caixas. O sujeito comprava um par de botinas, amarrava uma de encontro à outra e pronto. Pois um dos sobrinhos estranhou que todo mês o tio Zé Guilim aparecia com botinas novas e o inquiriu:

- Ô Tio, porque é que todo mês o senhor compra botinas novas?

Foi aí que ele explicou:

- É pra enganar ladrão, meu caro! Eu recebo um pacote de dinheiro e não sou louco de vim com aquela dinheirama no bolso. Enfio tudo dentro das botinas. Você acha que alguém vai desconfiar que dentro de um par de botinas tenha um monte de dinheiro?

Na fazenda ele guardava o dinheiro dentro de uma lata de banha escondida debaixo da cama.

Naquele tempo os meios de transporte eram poucos e o acesso aos locais muito mais difícil. Era comum que as visitas permanecessem por vários dias na casa do anfitrião. Certo dia recebeu a visita de uma conhecida meio aparentada, que veio apresentar o marido.

A mulher tratava o esposo por "Bem". Para todo canto que andou, ciceroneada pelo Zé Guilim, a mulher só se dirigia ao esposo dessa forma. Era Bem pra lá, Bem pra cá.

No final da tarde ele resolveu convidar o moço para ir até a sede da fazenda, tomar um café e prosear com os demais. Chamou-o pelo que acreditava ser o seu prenome:

- Ô seu Bem, vamos até a casa do Álvaro um pouco...

Memória 17 (João Firmino e Pedro Norberto)

João Firmino Marques - Filho de Maria Cândida e Firmino Luiz Marques, nasceu em 1911. Casou-se com Araydes Seixas (Lica), com quem teve três filhos: Marivani (casou-se com José Rubens Secamilo), Marilene (José Carlos Souza Godoy) e Alcir (Maria Ester Fava). A foto é do início da década de 1970.
Pedro Norberto Marques - Filho do casal Narciza e Norberto Luiz Marques, casou-se com a prima Julieta Castilho Marques, filha de Izaura Marques e Jonas Paula de Castilho. O casal teve cinco filhos: Omerina (casou-se com Clarides Nunes), Homero (Anizete Jamariqueli), Vera Lúcia (José Lopes de Oliveira), Reginaldo (Devaldete Mariano) e Ielza (Jair Boriola). A foto é da década de 1960.
(Fotos: Álbum da Família Marques)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A História de Um Amor

A construção do Fórum de General Salgado se achava concluída há algum tempo, com todos os cartórios instalados e no início do ano de 1977, para aproveitar a presença de uma autoridade governamental na cidade, promoveram a cerimônia de inauguração oficial da obra.

Era um feriado e a fanfarra do Colégio "Tonico Barão" homenageava as autoridades e os cidadãos que assistiam à cerimônia defronte ao prédio. Naquele tempo a fanfarra salgadense era uma das mais requisitadas da região.

O sol causticante do meio-dia molestava a todos, manchas de suor podiam ser vistas rompendo o azul dos uniformes dos músicos. Por força da ocasião as autoridades sofriam com a quentura e com a sufocação provocada por fatiotas e gravatas.

Seguia a cerimônia até que uma das instrumentistas, assolada pelo calor, sentiu-se mal, perdeu os sentidos. Foi imediatamente socorrida e verificada a gravidade de seu estado, encaminhada para Rio Preto. Horas depois chegou à cidade a notícia infeliz de que ela não sobrevivera. Seu nome: Rosemary Gabriel. Acometeu-lhe um mal fulminante, um aneurisma cerebral ou algo parecido.

Rose Gabriel era uma jovem estudante do Colégio "Tonico Barão", tinha uns quinze, dezesseis anos; filha do Sr. Remualdo Gabriel, namorava Walcir Mendonça, filho do Sr. Lau Mendonça e de Dona Rosalina (a mais famosa confeiteira que a cidade conheceu).

Walcir também era um dos instrumentistas da fanfarra salgadense e, ainda bastante jovem, tinha uns vinte anos de idade. Trabalhava no Banco Real junto com o irmão Vande. Era mais novo que Mick, Vande, Banana e Wanda, mais velho que Vânia e Valéria.

Acostumei-me a vê-lo jogando no gol da equipe de futebol de salão do Banco Real, que participava dos campeonatos de férias do Salgadense Esporte Clube. Também jogava nos aspirantes do time de futebol de campo do Grêmio Desportivo Salgadense.

Tínhamos relativa amizade, apesar de eu ser um pouco mais novo e companheiro de classe de sua irmã Vânia. Às vezes freqüentávamos o mesmo grupo de amigos que se reunia para tocar violão e cantar. Ele tocava e cantava, eu só assistia. Sua personalidade gentil e pacata o diferenciava dos demais irmãos, num contraste que se situava entre as molecagens de Vande e Mick e a seriedade aparente de Banana.

A morte repentina da namorada foi um choque pesado para o jovem Walcir, a tristeza tisnou-lhe o jeito de ser. Os amigos mais próximos acreditaram que com o tempo ele se acostumaria com a perda, partiria para outra, tocaria a vida adiante. Mas, apesar de demonstrar certa serenidade, se deixou entristecer. Quando se animava em participar das rodas de violão com os amigos, fazia questão de cantar uma música que lhe trazia à mente a amada que se fora:

"Sei que na vida perdi a minha felicidade / ficou somente a amargura, paixão, tristeza e saudade. / lá num cantinho do céu, sei que está me esperando / aquele alguém que foi meu, por quem eu vivo chorando / a noite quando eu rezo, eu imploro ao Senhor / que lá num cantinho do céu, olhai pelo meu amor / Hoje eu sigo meu caminho, de amargura e espinho / andando e vagando ao léu, quando o Senhor me chamar / contente eu vou encontrar um amor lá num cantinho do céu”


Na época a música era um estrondoso sucesso da dupla sertaneja Caçula e Marinheiro e foi assimilada pelo tristonho Walcir. Era comum ouvi-lo diariamente cantarolando a melodia. Dizem que por vezes se encerrava no quarto e tomava do violão para repetir inúmeras vezes a canção.

Menos de um ano depois que Rose partiu Walcir foi ao seu encontro, inexplicavelmente acometido de doença grave, invencível. Por incrível que pareça a vida imitou a arte, aquele que ficou anunciando a tristeza e a vontade de rever o amor perdido logo seguiu para reencontrá-lo.

A cultura humana é materialista e dramatiza a morte ao extremo. Fixa-se na decomposição física, na transformação da matéria, sem atentar para o fato de que a matéria não é nada sem o espírito. Muitos entendem, no entanto, que a morte é um momento de transformação, faz parte da vida e a vida é manifestação divina de perfeição e bondade. Acreditam que se Deus sempre faz o melhor, a morte só pode ser um bem que em nossos acanhados limites de percepção ainda não conseguimos avaliar.

Acredito que esta compreensão se faz crível se analisarmos histórias como a destes dois adolescentes, que se conheceram desde muito cedo, se amaram precocemente e se foram daqui praticamente juntos. Os fatos acontecidos entre as duas partidas denunciam, no meu modesto modo de ver, que ambos cumpriram pequena missão terrena como um necessário precedente a alicerçar missões mais importantes do outro lado. E tanto aqui como lá, unidos.

Pouco antes de ser acometido pela doença Walcir treinava com dedicação para ser titular do gol do Grêmio Desportivo Salgadense, que se preparava para estrear um uniforme novo, muito bonito, azul e branco. Todos os atletas ansiavam e concorriam à oportunidade de vestir pela primeira vez as novas camisas. Para homenageá-lo os amigos decidiram que ele deveria ser sepultado vestindo a camisa nº 1 que ele sonhava estrear, o que realmente aconteceu.

A história de amor dos dois jovens também foi reconhecida e sensivelmente homenageada pela municipalidade: a Biblioteca Municipal de General Salgado chama-se "Walcir e Rosemary".

Esta é, a meu ver, uma bela história de amor que não pode ser esquecida.

Memória 16 (Hipólito Marques)

Hipólito Ludgero Marques - Filho do casal João Luiz Marques e Maria Madalena Diniz, nasceu em Carmo do Rio Claro-MG em 1900 e chegou à região em 1922, na companhia do tio Luiz José Marques. Casou-se com Izaltina Cândida de Jesus, descendente do pioneiro João Cândido da Silva. O casal teve 16 filhos: José Marques, João Marques (casou-se com Maria Zoccal), Ambrósio Marques (Lázara Francisca), Sebastião (Odila Fonseca), Maria (Juvenal Castilho), Brás, Izaltina (Raimundo Lima), Hipólito (Aparecida Navarro), Apparecida (Messias Moreira), André (Maria Regina Ferreira), Manoel, Manoelina, Adolares, Efigênia (Osvaldo Araújo), Simão (Suely Rodrigues) e Wagmar Marques.
(foto: Álbum da Família Marques)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Memória 15 (Luiz Firmino e Rita Marques)

Luiz Firmino Marques e Rita Marques de Jesus - Ambos nasceram em Carmo do Rio Claro (MG). Luiz (filho mais velho de Firmino e Maria, nascido em 16/07/1904) chegou à região em 1906. Rita veio com os pais Luiz José e Laurinda em 1922. O casal não teve filhos e, por testamento, deixou seu patrimônio para ser dividido entre alguns sobrinhos e empregados.
(foto: Álbum da Família Marques)

Coronel Salgado

Coronel Julio Marcondes Salgado Filho

Curioso a respeito do militar que deu nome à cidade, decidi pesquisar um pouco sobre o personagem. Descobri que quando faleceu sua patente era de Coronel e não de General. Interessante não? Se não fosse a merecida promoção póstuma, a cidade se chamaria Coronel Salgado!

Sua história está intimamente ligada ao povo paulista. A Revolução de 1930 guindou Getúlio Vargas à chefia do Governo Federal Provisório e setores da elite oligárquica de São Paulo, derrotados na revolução, passaram a cobrar as promessas assumidas após a tomada do poder pelos revolucionários. A principal delas: a instalação de uma Assembléia Constituinte. Outras alas da sociedade urbana estadual, defendendo a tradição liberal democrática também se juntaram aos reclamantes.

Ao passo em que protelava o cumprimento das promessas, Getúlio Vargas se deixou cercar e influenciar pelos militares. Por influência desse grupo, que passou a ser conhecido como “Tenentes”, o país assistiu a instalação de tribunais de exceção, prisões arbitrárias e clandestinas, perseguições políticas, além de outros abusos praticados contra aqueles que “contrariavam” os interesses revolucionários. Os tenentes, dizia-se à época, estavam arrastando Getúlio e seu governo para posições nacionalistas e esquerdistas. Davam a entender que pretendiam deixar a redemocratização do país para as calendas gregas, ou seja, para o Dia de São Nunca.

Chegou-se a um ponto em que até mesmo alguns setores revolucionários, antigos aliados de Vargas, começaram a pressionar o ditador para que convocasse a Constituinte. No início de 1932 partidos políticos paulistas formaram a Frente Única Paulista e lançaram nas ruas uma forte campanha pela constitucionalização do país e o fim da intervenção federal nos estados. A repercussão popular foi grande, os atos públicos se multiplicaram e as manifestações tornaram-se fortes e organizadas.

O jornalista Assis Chateaubriand, dono da rede de jornais Diários Associados, farejando o alto teor explosivo do movimento que se formava em reação ao excessivo poder dos tenentes, manifestou sua preocupação ao ditador Vargas, argumentando que a única maneira de evitar um confronto com os paulistas era atender pelo menos uma reivindicação: a de que o interventor federal em São Paulo fosse “civil e paulista”. Ao ouvir tal comentário o ditador reagiu com tranqüilidade:

- Calma Chateaubriand. Vou esperar a cobra paulista botar a cabeça para fora, para poder esmagá-la...

Segundo o escritor e jornalista Fernando Morais, biógrafo de Chateaubriand (“Chatô, o Rei do Brasil”, Editora Companhia das Letras), naquele momento o jornalista acreditava que Vargas se perdia ao incorrer em dois erros graves e que por certo lhe custariam o poder: 1. ignorar os políticos mais experientes (gaúchos e mineiros, principalmente), mantendo sua base de apoio no esquerdismo tenentista; 2. humilhar os paulistas.

No dia 23 de maio de 1932 a polícia de Vargas reprimiu violentamente um comício na Praça da República (SP), matando quatro estudantes: Cláudio Bueno Miragaia (cuja família é de Birigui), Mario Martins de Almeida, Dráusio Marcondes de Souza e Américo Camargo de Andrade. As iniciais de seus nomes – MMDC, de Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo – transformaram-se na sigla que denominaria a partir de então a sociedade secreta paulista que preparava a guerra contra Getúlio Vargas.

O Coronel Julio Marcondes Salgado Filho era o comandante da Força Pública, antiga denominação da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Quando da criação do Comitê Revolucionário, o General Isidoro Dias Lopes foi designado para o Comando Geral; Bertoldo Klinger ficou com a chefia das Forças Revolucionárias. O comando da divisão paulista coube ao Coronel Euclides Figueiredo (que viria a ser pai do Presidente João Figueiredo), a quem o Coronel Salgado, que era tido como um dos mais fervorosos defensores da causa paulista, colocou à disposição todo o seu efetivo.

Dando início ao movimento armado, no dia 9 de julho o Coronel Figueiredo tomou o Quartel General do Exército e, pelo telégrafo, mobilizou todo o Estado, inclusive a população, que não negou seu apoio. Trabalhadores comuns abandonaram suas ocupações habituais para se alistarem como soldados constitucionalistas. Havia um bom contingente, mas faltavam armas.

No dia 10 de julho o comando revolucionário proclamou Pedro de Toledo como Governador do Estado de São Paulo. Ao comparecer à janela do Palácio para receber a saudação dos paulistas, ladeavam o governador os principais líderes do movimento: Isidoro Lopes, Francisco Morato, Pádua Sales e o Coronel Marcondes Salgado.

No decorrer dos combates, grupos políticos mineiros tentaram estabelecer uma participação ativa nos acontecimentos em socorro aos paulistas, mas não lograram êxito. Fugindo da polícia de Vargas, o jornalista Chateaubriand partiu em direção à Zona da Mata mineira a fim de encontrar-se com o ex-presidente Artur Bernardes, que colocara seu grupo político em defesa dos ideais revolucionários. No meio do caminho auxiliares de Bernardes conseguiram encher de armas e munição um dos compartimentos do trem. Mas na estação de São Geraldo, em solo mineiro, o jornalista foi reconhecido e preso pelas forças federais, o que minou a tentativa mineira de aderir ao movimento.

O governo mineiro, por sua vez, adotou uma posição de indefinição política. Uma das colunas revolucionárias, no entanto, avançou sobre Minas e de São Paulo o comandante Marcondes Salgado enviava mensagens à Força Pública Mineira, exortando-a a combater a ditadura, o que ele considerava como condição de vida ou morte para a existência das milícias estaduais, ameaçadas pelo regime discricionário.

A esperada vinda de armas do exterior não aconteceu e a compra de armamento não poderia ser feita legalmente. Nas hostes paulistas a proporção era de uma arma para cada 50 combatentes. Esse conjunto de fatores desfavoráveis levou os paulistas a promover um enorme esforço de guerra, centrado na utilização de indústrias para improvisar armamentos.

O parque manufatureiro paulistano transformou-se, repentinamente, em produtor de armamentos, apesar da ausência de afinidades. Técnicos e Engenheiros da Escola Politécnica começaram a dirigir as metalúrgicas, oficinas mecânicas e fundições, que passaram a produzir cerca de 200 mil tiros por dia, granadas de mão, bombardes, capacetes e lança-chamas.

Porém, a produção de guerra não chegou a atender as necessidades reais das tropas, persistindo até o fim da luta a gritante desigualdade de armas. Num dos testes realizados com o armamento fabricado, o lançamento de bombas, uma delas explodiu dentro do canhão, matando, quase que instantaneamente o comandante Marcondes Salgado. Era o dia 23 de julho de 1932.

O comando da Força Pública passou ao Coronel Herculano Silva, que no dia 27 de setembro resolveu, sem consultar o governo civil, abandonar a luta. As humilhantes condições impostas para a rendição foram aceitas por Herculano, que como “prêmio” recebeu do governo ditatorial a nomeação para o governo militar do estado. Esta atitude de Herculano fixou-se no ideário do Comando Revolucionário como traição.

Apesar da derrota a revolução fez com que o governo ditatorial atendesse aos ideais constitucionalistas. Em agosto de 1933 Vargas nomeou interventor em São Paulo, Armando Sales de Oliveira, “civil e paulista”, como queriam os democráticos. E teve que dar o braço a torcer quando enviou ao novo governante a seguinte mensagem: “Quero que compreenda em toda a sua amplitude o significado de meu ato: com este decreto, entrego o governo de São Paulo aos revolucionários de 1932”.

Os principais historiadores ao analisarem a vexatória retirada de Herculano Silva, a proposta de suspensão do conflito com o estabelecimento de paz em separado, sem consulta ao governo revolucionário, e ainda, a sua nomeação para o governo militar do estado, quase que como uma barganha, consideram que isto não teria acontecido se à frente da Força Pública Paulista ainda estivesse o bravo Coronel Salgado: “que falta fazia o grande paulista Julio Marcondes Salgado Filho à frente da Força Pública de São Paulo”, dizem os estudiosos daquele período histórico.

Podemos dizer, então, que nossa cidade recebeu o nome de um homem honrado e valente, que morreu em defesa de sua gente e de seu ideário.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Isto É Um Assalto...

Certa vez assisti de perto o cometimento de um assalto. O fato se deu em General Salgado, por volta das quatro horas da manhã de um sábado, mês de julho, o ano deve ser 1989 ou 1990.

Num dos bancos da Praça da Matriz, atrás do Ponto de Táxi, estavam sentados dois indivíduos, que se dirigiram para a Rodoviária assim que encostou um ônibus vindo da capital. Um deles era coxo, puxava de uma perna, deu para perceber que usava um aparelho corretor. O outro era bem alto, espadaúdo e meio troncho. O ônibus rompeu e na calçada ficou uma jovem que aparentava uns vinte anos, segurando duas mochilas.

De repente os dois se aproximaram da moça; o grandão levantou a camisa mostrando o cabo de uma pistola e anunciou com voz grave, cavernosa:

- Não fale nada. Isto é um assalto.

Agarraram as mochilas e saíram correndo pelo meio da praça. Apesar de tétrica a cena era muito engraçada: o homem alto não sabia se corria ou se ajudava o coxo que arrastava, além da perna, uma das mochilas. Quase defronte a Prefeitura entraram num carro e sumiram.

A moça ficou num desespero de causar dó. Nunca tinha vindo à cidade antes, não conhecia ninguém, não atinava como buscar socorro.

Assim que os assaltantes sumiram, um carro parou em frente ao Ponto de Táxi e dele desceu Eduardo Inocêncio, que era amigo da vítima, tinha feito o convite para que ela viesse passar as férias na cidade. Informado do ocorrido mostrou-se muito espantado, pois nunca antes houvera notícia de um crime dessa natureza por estas bandas.

Levou a vítima até a casa dele, onde um grupo de amigos promovia um churrasco esperando a visita para lhe dar boas-vindas. Todos receberam a notícia com surpresa:

- Não é possível, isso nunca aconteceu por aqui.

A menina chorava muito e dizia:

- Ainda bem que eu guardei uma parte do dinheiro no bolso e eles não levaram, buáááá...

Alguém perguntou como eram os bandidos:

- Um deles era grandão, muito feio e cabeçudo, o outro parece que era aleijado, mancava de uma perna, buáááá...

Depois de meia hora de água com açúcar e consolo, promessas de que a polícia tomaria providências, aquele papo de que os bandidos não deviam estar longe, etc, a coitada foi se acalmando. Enquanto isso a turma seguia no churrasco.

De repente a moça olhou por debaixo de uma mesa na varanda e reconheceu uma mochila. Resolveu prestar mais atenção nas pessoas que estavam no local e deparou-se com a dupla Celso Trovão e Chico Manco sentados tranqüilamente no sofá da sala, como se nada tivesse acontecido. Deu um pulo no sofá e destampou novo berreiro:

- Foram esses aí que me assaltaram... Buáááá...

E imediatamente, compreendendo que havia caído num engodo, cobriu o Eduardo de tapas e palavrões.

Não sei por que, mas o seu desespero aumentou; foi preciso, em meio à gargalhada geral da moçada, nova remessa de agrado e água doce. Sei que dias depois, quando voltou à capital ela disse ter adorado a cidade e o pessoal, mas prometeu que nunca mais cairia noutra, principalmente se o convite partisse do Eduardo, um trocista de talento.

Na verdade tudo foi armado desde o princípio pelo anfitrião Eduardo, a fim de pregar uma peça na amiga paulistana que pela primeira vez viajava ao interior. Para que tudo funcionasse a contento houve até ensaio antes da chegada do ônibus. Os assaltantes foram escolhidos a dedo para que ela pudesse reconhecê-los depois, a arma era de brinquedo.

Enquanto os bandidos agiam, o "amigo da onça" assistia tudo da esquina da Rua Diogo Garcia e esperou o momento certo para chegar à Rodoviária, dando a entender que havia se atrasado.

Ocultados pela fonte da Praça da Matriz, eu e Marcelo Cruzeiro assistimos tudo com muita pena da garota e ao mesmo rindo muito da cena em que o Celso Trovão arrastava as malas e o comparsa Chico Manco até o carro; demos fuga aos “meliantes”.

Enquanto ela choramingava no quintal da casa, as mochilas estavam à vista, debaixo da mesa e os assaltantes assistiam TV na sala, esperando serem reconhecidos.

Dias depois o Eduardo convidou outro amigo paulistano para conhecer a cidade e estava organizando seu seqüestro, tinha inclusive tudo combinado com o Mão Branca (Serginho Guimarães), que seria o chefe da quadrilha, arrumou local para o cativeiro e tudo o mais.

Talvez desconfiado ou avisado pela outra vítima o amigo telefonou um dia antes dizendo que imprevistos de última hora o impediam de vir.

Mal sabe a aventura que perdeu.

domingo, 14 de outubro de 2007

Memória 14 (Altina Marques)

Altina Marques - Dos filhos do casal Maria e Firmino Luiz Marques, Altina foi a primeira a nascer no interior paulista, no dia 02 de julho de 1908. Em 1928 casou-se com o primo Izidoro Luiz Marques, filho de Laurinda e Luiz José Marques (no alto, à esquerda), e que faleceu no ano seguinte. Pouco mais de um ano depois, ela se casou com o irmão dele, João Luiz Sobrinho (embaixo, à direita). Altina e João Luiz tiveram os seguintes filhos:
Luiz Marques Neto (casou-se com Leonilda Guerra), Genézio (Iraci Alves), Alzira (Waldemar Marques), Fermino Neto (Hilda Cândido), Ilda (Orestes Fantini) e Osmar (Xantipa Segard).
(foto: Álbum da Família Marques)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A Mulinha do Gregório

Das façanhas alardeadas por Gregório Giamatei e repetidas por anos e anos entre os salgadenses, a melhor, em minha opinião, é a da mulinha estimada, um animal de montaria de muito apreço e serventia.

Dizia ele que morava num sítio próximo ao Córrego do Gabriel e tinha uma mula petiça alazã muito boa e marchadeira, dócil de boca e de toada; o mulão era um colosso, feita pra desfilar na cidade e arrancar suspiros das moças casadoiras. Não dava, não emprestava e não vendia por dinheiro nenhum.

Certa vez havia assumido um compromisso em Magda e lá deveria chegar ao amanhecer. Prevenido e para evitar atrasos quando fosse encontrar e arrear a mulinha de madrugada, no entardecer do dia anterior fechou-a no barracão das vacas leiteiras. Em seguida, conferiu as tralhas de montaria, os aperos, as correias engraxadas de sebo bovino, pelego novo, estribos, tudo no jeito.

Levantou-se antes do despertar do galo, noite escura, mal dava para enxergar mesmo acendendo as lamparinas de querosene. Ao sair para o quintal certificou-se de que a ausência de luar havia transformado a madrugada em puro breu. Foi com muita dificuldade, mediante apalpadelas que localizou o cabresto, o freio e a arreata.

Não fosse o conhecimento que possuía, o hábito formado por longos anos abrindo porteiras, atravessando cercas e colchetes, não teria encontrado sequer a curralama e o barracão das leiteiras, onde o aguardava a montaria de predileção. Seguindo o senso de direção armazenado na memória e praticamente tateando na busca de tramelas e engates, entrou no barracão chamando pela mula e, visualizando o seu vulto sonolento num canto do curral jogou-lhe o cabresto por sobre o pescoço.

Mesmo no escuro conseguiu colocar a cabeçada do freio, jogou os trastes no lombo do animal e apertou as barrigueiras. Mas quando levou o pé esquerdo no estribo estranhou a reação da mula. Antes mansa e pacífica, agora a montaria dava de tirar o corpo, negando o lado e o dorso.

Imaginou o peão que a danada estava de manha, contrariada por ter sido obrigada ao recolhimento do pouso. A mulinha adorava pousar no piquete dos bezerros onde pastorejava à vontade e havia abundante aguada. Sem o capinzinho verde e macio e também sem o de beber, a mula devia ter remoído um azedume a noite inteira e agora se achava no direito de descontar no patrão.

- Vou te mostrar que sou peão de respeito, mula teimosa!

Foi o que disse Gregório antes de ganhar o lombo. Talvez provocada pelo rompante do patrão a tinhosa deu de regatear. Cosquenta, deu de tentar tirar o peão de cima, negaceando para os lados; boca dura, endurecia o pescoço e não aceitava o comando das rédeas. A muito custo, valendo-se dos seus extensos conhecimentos de doma, e do uso conjugado de tala e espora, o peão conseguiu fazer a mulinha tomar tento, acatar as rédeas e se alinhar no rumo da trilha.

Por mais estranha que fosse a reação da montaria Gregório acreditava que poderia ser efeito do recolhimento, do pouso forçado dentro do barracão, coisa que nenhum animal aprecia. Até que compreendia a reação exagerada da mula. No caminho para Magda ia repassando mentalmente os exageros da danada e principalmente, os corretivos aplicados até que ela aceitasse os aperos ainda que a custo de espora nos vazios, do rabo de tatu nas ancas, dos trancos de rédea e bridão.

Ao longe cintilavam reflexos das últimas luzes acesas pelo casario de Magda, no rumo do horizonte foi surgindo vistoso o arrebol, os primeiros raios solares davam o ar da graça por detrás da mataria. Os pássaros noturnos, corujas e curiangos retornavam para seus alojamentos, a tímida luminosidade ia aos poucos destampando a manhã, fazendo subir o grosso véu da escuridão noturna.

Quando a manhã, com bocejos e espreguiçamentos se espraiou por inteira e a sua claridade tomou conta do dia, somente nesse instante foi que Gregório entendeu o desassossego da montaria, o comportamento marroaz e arreliento que custara corretivo de taca e de espora: estava montado numa onça!

A onça invadiu o curral, matou e comeu a mulinha indefesa, e por algum motivo tinha ficado presa no barracão.

Ah! Se não fosse bom peão e domador!

Memória 13 (Jeremias Marques)

Fazenda Marques - Reunião de família na Fazenda de Jeremias Luiz Marques (filho de Luiz José Marques), no início dos anos 40. Da esquerda para a direita: Conceição Marques (esposa de Antonio Aureliano), Adélia Josina (casou-se com Carolino dos Santos), Rita (esposa de Jeremias), Regyna Marques (casou-se com Mário Marques), Claudina (no fundo, casou-se com Wilson Gonçalves), Jeremias Luiz Marques, Antonio Aureliano, Pedro Chico e Jonas Pereira de Carvalho (esposo de Aparecida Castilho de Carvalho).
(foto: Álbum da Família Marques)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Prefeitos e Vereadores

A história política da região de General Salgado é fértil em personagens e situações cômicas. Um destes personagens foi João Batista Botelho, o famoso João Cuiabano, por duas vezes Prefeito de Araçatuba, fazendeiro em Vicentinópolis, e que tinha muitos amigos em General Salgado. Arcídio Castilho e João Cuiabano foram lançados candidatos às Prefeituras de General Salgado e Araçatuba na mesma época, incentivados principalmente pelos amigos salgadenses.

Os compadres Alvino Seixas (fazendeiro em Major Prado) e Álvaro de Almeida (vizinho daquele, mas já em solo salgadense) estavam entre os principais incentivadores da dupla. Diziam aos candidatos para que fossem fazer campanha em outros lugares, sem necessidade de virem visitá-los durante a corrida, pois eles cuidariam de arrebanhar os votos necessários:

- Venham apenas para o churrasco de comemoração das vitórias! O que realmente aconteceu.

Eleitos, um auxiliava o outro na administração, pois até então General Salgado não dispunha de máquinas para obras de abertura e conservação de estradas e o Prefeito Arcídio Castilho as conseguiu com o compadre Cuiabano. Em troca, a Prefeitura salgadense atendia no que fosse possível, as necessidades dos araçatubenses que tinham propriedades do lado de cá do Rio Tietê.

Bons tempos aqueles em que os políticos preocupavam-se apenas com os benefícios à cidade e à população sem tomar nada em troca. Arcídio Castilho deve ser considerado um exemplo positivo de administrador. Quando deixou a Prefeitura depois do segundo mandato seu patrimônio era inferior ao que possuía quando assumiu o cargo pela primeira vez. Preocupou-se em cuidar mais da coisa pública do que dos bens pessoais.

Em compensação, para infelicidade dos salgadenses, existem outros que ocuparam o mesmo cargo em tempos mais recentes, cujas irregularidades administrativas apuradas pelo Ministério Público formaram processos de vários volumes. Dava para encher uma carriola com os abusos da corriola, se me permitem o trocadilho.

Tive a honra de conviver um pouco e conversar bastante com Arcídio Castilho. Ouvi com prazer suas histórias, seus relatos. Muitos salgadenses reclamam que ele deveria ser homenageado pela municipalidade, foi um homem simples e honrado que marcou seu nome na história da cidade com muito trabalho e dedicação. Qualquer homenagem seria mais do que justa, como, por exemplo, dar seu nome ao prédio da Prefeitura. Estou certo de que estampado naquele pórtico, mais do que incentivo, seu nome serviria de advertência aos atuais e futuros administradores para que defendam intensiva e exclusivamente os interesses do povo salgadense.

Não conheci João Cuiabano, mas conheci sua mulher, dona Sebastiana, e também os filhos e netos do casal. Conta-se que durante as campanhas eleitorais ele protagonizava situações muito engraçadas, até hoje narradas de pai pra filho.

Antigamente existia um bairro rural chamado Cupim, próximo a Vicentinópolis e lá aconteceu um dos primeiros comícios da disputa, iniciado pelo candidato da seguinte maneira:

- Povo do "Cupim tudo", é a primeira vez que eu falo trepado! Peço o voto de vocês porque somos tudo amigo! Desde os tempos que nóis trabaiava na roça; que nóis dormia em cima da sacaria e acordava com a boca cheia de pêlo de saco!

Mais adiante, tentou demonstrar familiaridade com o bairro desde antes da existência do arruado, quando ainda era campo de caçadas:

- Aqui onde hoje é essa praça eu já comi muito veado!

Anos depois lançou D. Sebastiana candidata à Prefeitura de Nova Luzitânia. Num dos comícios resolveu repudiar os adversários que vinham fazendo uma campanha difamatória contra a candidata:

- Ocês vivem metendo o pau na Bastiana por detrás, eu quero ver ocês meter o pau na frente dela!

Numa reunião da Câmara de Vereadores de um município da região de General Salgado, há muitos anos, um dos edis apresentou um projeto polêmico, que provocou apartes e discussões. Diz-se que aconteceu o seguinte diálogo:

- Nobre vereador, eu sei que o município tem muitos pobrema, a nossa situação tá pecuária, mas eu acho que nóis deve de fazer outra reunião pra discutir o projeto da caixa d'água!

- Tudo bem Insolência, o senhor quer renuir nóis renói!

- Veja bem Excelência, eu acho que nóis deve de consultar alguém mais aperparado para saber o melhor lugar da cidade pra instalação da bicha!

- Mas Insolência, o que tem a ver o lugar de construção da caixa d'água?

- É que a gente temos que considerar a Lei da Gravidade.

- Deixa de ser burro homem, se for preciso nóis revoga essa lei!

- O senhor não pode falar anssim comigo desse jeito, sua Excelência tá ofendendo minha Excelência! Se não pedir desculpas eu abro um processo e o senhor pode ser preso!

- Processa se for homem! Fique sabendo que se o senhor me processar eu contrato um adevogado e entro com um Habeas-cobras!

- Não é habeas-cobras, seu gonorante, é Corpus-Christi!

O presidente da mesa teve que intervir para por fim à contenda:

- Peço aos nobres vereadores que parem imediatamente com essa discutição, essa demonstração de intolerância. Excelências, essa casa de leis também deve ser uma casa de tolerância!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Memória 12 (Álvaro Almeida e Alvino Seixas)

Maria José e Álvaro Rodrigues de Almeida - Chegaram à região no final da década de 1920. Ele oriundo de Itaúna-MG, ela de Pará de Minas-MG. Todos os filhos do casal são salgadenses: Zeca (casou-se com Antonia Navarro), Losa (Otávio Vítrio), Tereza (Arnaldo Dias), Odilon (Conceição Desidério), Azenclever (Dulce Silva), Agostinho (Ângela Zanovelli), Domingos (Aparecida Seixas Marques), Ademázio (Adélia Dias), Álvaro Filho (Tereza) e Áurea (Lázaro Francisco).

Família Seixas - Os filhos mais velhos do casal Seixas: Arandira (casou-se com Braz Firmino Marques), Alzira (João Rodrigues), Lica (João Firmino Marques), Alcides (Valda Novaes, depois Dê), Nina (João Teodoro Castilho) e Nair (José Malagoli). Depois nasceram Adilson (Célia Terra), Alceu (Marinês Fatori, depois Lúcia Alioti) e Béba (Joaquim Garcia Sobrinho).

Alvino Bernardino de Seixas - Aparentado de João Bernardino de Seixas, fundador de São José do Rio Preto, Alvino e a mulher Andrelina viviam em Irapuã-SP e chegaram à região em 1939. Na foto: Braz Firmino, Arandira, Andrelina e Alvino.
(fotos: Álbuns das Família Marques e Almeida)

Laços de Família

Meu avô paterno Álvaro Rodrigues de Almeida foi um dos pioneiros de General Salgado. Veio de Minas Gerais no final da década de 1920 para trabalhar como peão de boiadeiro na Fazenda Almeida Prado, no atual município de Santo Antonio do Aracanguá.

Depois de juntar uns cobres comprou um pedaço de terra na região do Córrego do Lajeado, também conhecida como Lambari, onde se dividem os municípios de General Salgado e Auriflama. Ali onde ele viveu por quase setenta anos ainda vivem os meus pais: Domingos e Cida.

Os meios de transportes existentes à época eram montarias e carros-de-bois e o asfalto ainda estava muito longe, só existia estrada de terra e muito mato. As primeiras fazendas começavam a ser abertas, os primeiros povoados surgiam. As construções eram abastecidas por olarias e cerâmicas. Conduzindo carro-de-bois, vovô Álvaro buscava tijolos e telhas nas olarias de Vicentinópolis (conhecida como Olaria da Paula) e Buritama, destinadas à construção das primeiras casas de Auriflama e Salgado.

Por conta do pioneirismo, do caráter forte, da personalidade e principalmente, da amizade que se foi fortalecendo com os demais pioneiros, passou a ser tido como homem sério, correto e respeitado.

Naquele tempo se exercitava e se valorizava a palavra de um homem. Por vezes, autoridades cediam a argumentos de um cidadão de respeito na comunidade. Os serviços públicos eram prestados por pessoas nomeadas, sem preparo técnico suficiente.

Meu avô foi, naquele tempo, advogado de muita gente sem nunca ter freqüentado escola. Quando algum parente ou empregado de vizinhos de fazenda era preso por qualquer motivo, todos o procuravam pedindo ajuda. Ele arreava um cavalo, ia até a cidade e trazia o detido de volta. Quando faltavam argumentos convencia a autoridade no grito.

De certa feita foi chamado à Delegacia de Polícia de Monte Aprazível, então sede da comarca. Todo respeitoso o Delegado o chamou em sua sala e disse:

- Sr. Álvaro, nós o conhecemos como boa pessoa, mas recebemos uma denúncia de que o senhor possui um arsenal em sua casa. Estão dizendo que o senhor só anda armado!

Ele respondeu à autoridade:

- É verdade doutor, tenho muitas armas em casa. Se o senhor quiser pode ir conferir. Mas vá desarmado e enfrente no braço as onças que aparecerem no caminho!

O Delegado pediu desculpas, disse que ele podia manter as armas que quisesse e que, se fosse possível, da próxima vez que viesse à cidade lhe trouxesse de presente um couro de onça para fazer tapete!

Nos anos 50, para que para que os filhos mais novos freqüentassem a escola, comprou casa e tornou-se morador de General Salgado. Depois retornou à Fazenda e, nos anos 70 fixou residência em Auriflama, onde viveu até 1979, ano de seu falecimento.

Vindo da paulista Irapuã em 1939, Alvino Bernardino Seixas, descendente de João Bernardino de Seixas (fundador de São José do Rio Preto em 1852), arrendou terras em General Salgado, nas proximidades de Nova Castilho. Anos depois comprou uma grande fazenda na região de Major Prado para onde se mudou com a família. Já tinha estabelecido fortes laços de amizade com o vizinho Álvaro.

Duas das filhas, Arandira e Ataíde (Nina) comandavam os trabalhos na fazenda: tiravam leite, campeavam o gado, conduziam boiadas. Quando os patrões mandavam buscar ou levar gado para o Sr. Alvino, os peões das fazendas vizinhas relutavam em aceitar as ordens, pois costumavam passar vergonha diante das filhas do fazendeiro, cujas façanhas sobre as montarias e na lida com o gado corriam a região.

Álvaro de Almeida e Alvino Seixas viraram compadres, os filhos - dez Almeida, nove Seixas - estreitaram amizades. Fizeram votos de que houvesse um casamento entre eles. Zeca namorou Alzira e flertou com Araydes Seixas (Lica); Odilon namorou Anadir, mas nenhum destes namoros chegou ao altar.

Passaram-se alguns anos até que Domingos de Almeida começou a namorar Aparecida, filha de Arandira e Braz Firmino Marques, neta de Alvino, e os compadres renovaram os votos: agora vai! E para satisfação dos dois amigos, em 1964 o casal compareceu ao altar da Igreja de Nova Castilho onde recebeu as bênçãos do ainda moço Padre Vitorino. Dessa união surgiu este que vos escreve e mais Claudia, Cleber e Cleire.

Como a presença feminina praticamente dominava o ambiente familiar dos Seixas, os três filhos homens, Alcides, Adilson e Alceu cresceram à sombra das mulheres, que comandavam todos os trabalhos na fazenda, por mais árduos que fossem. Depois que as mulheres foram se casando e deixando o local, o serviço recaiu sobre os homens, que obviamente, não davam conta do recado. Nestas ocasiões Alvino costumava reclamar com o compadre Álvaro:

- Compadre Álvaro! Comprei uma vaca muito boa de leite, mas meus meninos, aqueles bananas, não estão dando conta de tirar leite, acham ela "muito dura"!

E o amigo Álvaro resolvia o problema:

- Amanhã eu mando os meus meninos levarem uma vaca "mole" para lá compadre, e a gente troca.

E no dia seguinte lá iam os meninos Almeida fazer a troca, que acontecia sem que um visse com antecedência o animal do outro, na pura confiança.

Ou então Alvino reclamava de uma mula mal domada, impossível de ser montada pelos "bananas". Dias depois lá iam os meninos Almeida buscar a redomona, deixando para os Seixas uma montaria mansa. De seu lado, se Álvaro reclamasse ajuda era prontamente atendido pelo compadre.

Assim como os patriarcas de outras tradicionais famílias salgadenses, Alvino Seixas e Álvaro de Almeida fizeram história, legaram para os sucessores nomes de respeito e consideração, e mais do que isso, a importância da amizade, do companheirismo, do compadrio.

Coisas atualmente em desuso...

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Memória 11 (Laurindo, Salustiano e Pedro Marques)

Laurindo Luiz Marques (filho de Luiz José Marques), casou-se com a prima Maria Narciza (filha de Narciza e Norberto Luiz Marques), com quem teve quatro filhos: Aparecido, Joaquim (casou-se com Maria Marques), Manuelina (Adil Melo Cavalheiro) e José Ramos Marques. De um segundo casamento teve outro filho, de nome Sebastião Luiz Marques.


Salustiano Luiz Marques, Pedro Salustiano Marques e sua mulher Altina Maria Marques
. Salustiano e seu filho Pedro chegaram em 1922. Dos filhos de José Luiz Marques Neto, Altina foi a primeira a nascer em General Salgado. Pedro e Altina tiveram três filhos: Neusa (casou-se com José Mendes Ancem), Juvenir (Elza Gonçalves) e Nelson (Rute Pereira).
(fotos: Álbum da Família Marques)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A Italianada do Gabriel

No início da década de 50 a Fazenda Açoita Cavalos, no bairro conhecido como Córrego do Gabriel, era dividida em pequenos sítios, quase todos pertencentes a descendentes de imigrantes italianos.

Ali viveram os clãs Giamatei, Ondei, Boiati, além de outros. Dali foram se esparramando para outros cantos e outras cidades da região. Tutti bonna gente, muito esforçada e trabalhadora, que criou, educou e estudou muitos filhos tirando sustento de propriedades pequenas, 10 alqueires em média.

Do Gabriel até a cidade tinha vinte e um mata-burros e porteiras. A família Giamatei era das mais numerosas. A lenda local contava que havia uma parteira especial só para atender às grávidas do bairro, para trazer os italianinhos ao mundo. A fartura era tanta que criança com menos de cinco quilos – dizia-se – a parteira jogava no mangueirão para os porcos comerem. Pedrinho, Picinha Giamatei e alguns outros mais raquíticos só vingaram porque nasceram numa época em que a balança estava quebrada.

Para distrair a molecada os pais inventavam brincadeiras simples, modestas. Na falta de recursos para comprar algum brinquedo as mães lambuzavam os dedos das mãos da molecada de mel e grudavam num dedo uma pena de galinha. Naquilo de tentar tirar a pena de um dedo e ele grudar no outro, a criançada ficava entretida o dia inteiro, e enquanto isso os pais metiam a cara no trabalho.

Quando iam à cidade era uma festa, vestiam as melhores roupas e formavam uma fila imensa para atravessar trilhas, matas, mata-burros e porteiras. Num desses dias a fila dos Giamatei era puxada pelos mais velhos: Nicola, Gregório, Nico, Antonio; mulheres e crianças completavam a longa fieira. Andavam a passo largo, o dia findava e pretendiam alcançar a missa das sete. De repente o líder do grupo deu um pulo pra trás e apontou para uma moita:

- Porca miséria! Cuidado que é uma cobra! Para todo mundo.

O grupo estancou o passo enquanto os mais velhos procuravam algo para matar a cobra. Um deles encontrou um porrete de guatambu e avisou aos demais.

- Arreda que eu vou matar essa marvada!

De longe se via o vulto escuro, como se a serpente estivesse enrodilhada, acomodada no centro da moita. A curiosidade fez com que todo mundo formasse uma roda em volta do local, queriam assistir a morte da peçonhenta. O matador levantou a pesada vara de guatambu e usando de toda a força possível disparou certeiro golpe que atingiu em cheio o vulto da serpente. Com a pancada os pedaços do bicho se esparramaram, atingindo a todos que assistiam a cena.

Aí foi que descobriram que não era cobra, era uma bosta de vaca!

Como em toda família italiana que se preza, no Córrego do Gabriel também existiam as matronas, as mulheres que mandavam em tudo inclusive nos maridos. Uma das mais bravas era dona Lambarina, mulher do Nico, assim apelidada por causa de seu gênio explosivo e exigente. Grávida de vários meses disse ao marido que queria comer pamonha.

- Madonna Mia, muié de Deus! Aonde que vou arranjar milho nesta época do ano! Tentou argumentar o Nico.

- Nem quero saber. Eu quero pamonha senão esse moleque vai nascer com cara de boneca de milho, pamonha igual ao pai!

O pai saiu escarafunchando por aqueles arrabaldes até conseguir o milho, mas na semana seguinte lá vinha um desejo diferente. Num dia queria paçoca, no outro amendoim de bugre, jaca, rã... E o coitado do Nico correndo pra cima e pra baixo para atender os desatinos da Lambarina. Até que um dia ela extravasou:

- Nico! Quero comer titica de galinha!

O marido não acreditou, era só o que faltava, a mulher endoidara, perdera o senso, o juízo e a compostura.

- Ocê tá louca muié? Comer aquela nojeira, cáspita!

- Não quero saber. Deu vontade eu quero comer, estrupício! Senão o moleque pode nascer com pena pelo corpo. E tem que ser titica fresca Nico!

Foi o coitado do marido para o quintal, debulhou uma espiga de milho e ficou vigiando o fiofó das penosas. De repente uma delas se agachou e o italiano saiu correndo com a mão estendida. Entrou em casa ostentando a meleca na mão, nariz virado, avisando a patroa:

- Tá aqui ó, agora come.

Ela pensou um pouco e jogou a bomba no colo do infeliz:

- Prova Nico, vê que gosto tem.

- Eu? Comer essa merda?

- Só um pouquinho, experimenta!

Com o saco cheio dos desmandos da mulher, mas sem outra saída o Nico passou o dedo na meleca, fechou os olhos, colocou na ponta da língua e fez cara feia para dizer:

- Pelo amor de Dio, muié, você vai comer essa nojeira? Isso fede, é amargo, nem o capeta come!

Aí ela se convenceu e se acalmou:

- Ah! Nico. Então eu não quero mais!

Enquanto o Nico lavava a língua e as mãos, pensava num jeito de fazer o moleque nascer de cinco meses...