Criança pequena lá em Nova Castilho tinha poucas opções de diversão: quermesse, festa junina e circo. Nem Parque de Diversões existia. De vez em quando surgia um Circo de Touradas ao qual a gente tinha acesso franqueado porque vovô Braz Firmino emprestava o gado para os toureiros fazerem suas peripécias. Eu gostava do show e também dos nomes dos toureiros: Capa Preta, Parafuso, Terra Roxa...
Na Praça havia um amplo e deserto Largo e ao lado da Igreja a Barraca-Bar, onde eram realizadas as quermesses. Não existia tômbola, bingo, estes jogos de azar pelos quais os participantes teimam a noite toda para ganhar um franguinho assado. Muito menos aquele sujeito gritando no ouvido da gente os números sorteados: "dois machados num pau só: setenta e sete"; "dois patinhos na lagoa: vinte e dois"; "olha o cheiroso: vinte e quatro".
Naquele tempo só havia o leilão e uma disputa entre amigos onde um arrematava a prenda e oferecia ao outro de presente. Logo depois o amigo retribuía o mimo. Em Castilho o locutor da quermesse era Armindo Thomaz, o Doca da Farmácia.
Como não existia Festa do Peão com show musical, a única oportunidade de assistir apresentações de artistas (do disco, do rádio e da televisão, como anunciavam os potentes alto-falantes) era nos circos, e todos, invariavelmente, duplas sertanejas.
Em Nova Castilho assisti pela primeira vez e maravilhado, a minha dupla caipira preferida: Tião Carreiro e Pardinho. Antes do show havia o drama, como eram chamadas as encenações teatrais nas quais os músicos se misturavam aos circenses. A molecada ficava tentando adivinhar qual dos personagens era o cantor.
Mesmo quando me mudei para a cidade os circos ainda eram as grandes atrações para a garotada. Eram montados no Campo de Futebol da Creche ou em frente à Delegacia de Polícia. Neles assisti, pela primeira vez, uma dupla que era a sensação do momento: Milionário e José Rico. No circo lotado parecia que não caberia mais uma única pessoa. Onde um tirava o pé o outro punha.
Havia também o circo do Tony e do Paçoca, o Gran Circo Argentino. A princípio eu não entendia bem por que é que a garotada lotava as matinês e queria voltar à noite com os pais. Depois fiquei sabendo que a maior atração do circo era a bailarina. A garotada babava ao vê-la dançando porque ela era salgadense e casada com o dono do circo.
Contam que Rita Veschi foi - a seu tempo - a moça mais bonita de General Salgado e que o seu casamento com o Tony, dono do Circo Argentino, causou um alvoroço na cidade, dado o desespero dos adolescentes apaixonados por ela que não se conformaram com a perda. A consolação dos chorões era vê-la dançando no circo.
No Circo Argentino certa vez assisti Chitãozinho e Xororó como atores num dramalhão daqueles bem sentimentais e trágicos, tipo novela mexicana. Naquela época ninguém diria que eles chegariam tão longe.
As lutas livres também faziam sucesso e delas participavam mulheres boas de briga. Anunciavam a "Mulher Montanha, a lutadora mais forte da face da terra", e outras gladiadoras com nomes sugestivos e a equipe circense saia pelas ruas convocando os citadinos de coragem a enfrentarem as feras.
Existia um salgadense que encarava tais lutas, o João Gato (João Domingos Ferraz Liebana). Desde moleque era metido a briguento, queria bater em todo mundo, e quando o circo oferecia a chance lá ia ele enfrentar as lutadoras.
Era um grande espetáculo, com parte do público torcendo pelo salgadense e a maioria gritando para que aquele mulherão (literalmente falando) lhe acertasse uns sopapos. No dia seguinte ele adorava sair às ruas para ouvir os comentários sobre a contenda, e quando exibia um olho roxo ou um arranhão no rosto se apressava em justificar:
- Vocês não viram o estrago que eu fiz naquele brutamonte!
A molecada gostava tanto de circo que, encerrada a semana de espetáculos, todos corriam a montar cirquinhos nos quintais, cercados por lençóis e cobertores sorrateiramente emprestados das mães. Meus vizinhos Renato Fantini, Cássio de Vergílio, Celso Cardoso, Élio de Freitas e Serginho Guimarães, eram os mais animados. O ingresso era um determinado número de palitos de fósforo. Na casa do Renato Fantini o circo era mais requintado, com tabuleiros, jogos de argolas e prêmios com balas e chicletes.
De certa feita resolvi eu montar um circo no fundo do quintal de casa. Meu amigo Ivan de Morais era o aluno mais engraçado da minha sala na Escola Ângelo Scarin, contava piadas, fazia imitações, era talentoso.
Convidei-o para fazer um show no meu circo e ele topou. A vizinhança lotou a garagem e, depois das apresentações iniciais colocamos o artista no palco. Ele disparou a contar piadas cabeludas (a assistência era toda menor de doze anos) e minha irmãzinha Cleire (que devia ter uns seis, sete anos) levantou-se de seu lugar com ares de inconformada, subiu no improvisado palco e sapecou de tapas o espevitado Ivan.
Foi um sucesso. A platéia riu muito, soaram palmas e apupos, todos adoraram a cena. No dia seguinte tentamos um repeteco sem êxito, ninguém riu como no dia anterior. Encerrei aí a minha carreira de dono de circo e acredito que o Ivan também abandonou os picadeiros depois daquele dia.
Mas o fato mais engraçado acontecido nos circos salgadenses foi com outro personagem que aprontava muito: Mauro Sérgio Castilho, filho do Vando Castilho.
Existia uma cantora que sempre repetia a mesma música. Era uma música horrível, com um refrão sofrível, que repetia o tempo todo: “Ai que vontade de comer goiaba, ai que vontade de comer goiaba”.
Não mais suportando a renitente melodia, Mauro Sérgio entrou no circo com um embornal a tiracolo e ninguém entendeu o motivo. Quando a cantora chegou ao refrão ele abriu o embornal:
- É goiaba que você quer? Então, toma! - e despejou um saco de goiabas nos pés da moça.
No show do dia seguinte ela mudou o repertório.
Na Praça havia um amplo e deserto Largo e ao lado da Igreja a Barraca-Bar, onde eram realizadas as quermesses. Não existia tômbola, bingo, estes jogos de azar pelos quais os participantes teimam a noite toda para ganhar um franguinho assado. Muito menos aquele sujeito gritando no ouvido da gente os números sorteados: "dois machados num pau só: setenta e sete"; "dois patinhos na lagoa: vinte e dois"; "olha o cheiroso: vinte e quatro".
Naquele tempo só havia o leilão e uma disputa entre amigos onde um arrematava a prenda e oferecia ao outro de presente. Logo depois o amigo retribuía o mimo. Em Castilho o locutor da quermesse era Armindo Thomaz, o Doca da Farmácia.
Como não existia Festa do Peão com show musical, a única oportunidade de assistir apresentações de artistas (do disco, do rádio e da televisão, como anunciavam os potentes alto-falantes) era nos circos, e todos, invariavelmente, duplas sertanejas.
Em Nova Castilho assisti pela primeira vez e maravilhado, a minha dupla caipira preferida: Tião Carreiro e Pardinho. Antes do show havia o drama, como eram chamadas as encenações teatrais nas quais os músicos se misturavam aos circenses. A molecada ficava tentando adivinhar qual dos personagens era o cantor.
Mesmo quando me mudei para a cidade os circos ainda eram as grandes atrações para a garotada. Eram montados no Campo de Futebol da Creche ou em frente à Delegacia de Polícia. Neles assisti, pela primeira vez, uma dupla que era a sensação do momento: Milionário e José Rico. No circo lotado parecia que não caberia mais uma única pessoa. Onde um tirava o pé o outro punha.
Havia também o circo do Tony e do Paçoca, o Gran Circo Argentino. A princípio eu não entendia bem por que é que a garotada lotava as matinês e queria voltar à noite com os pais. Depois fiquei sabendo que a maior atração do circo era a bailarina. A garotada babava ao vê-la dançando porque ela era salgadense e casada com o dono do circo.
Contam que Rita Veschi foi - a seu tempo - a moça mais bonita de General Salgado e que o seu casamento com o Tony, dono do Circo Argentino, causou um alvoroço na cidade, dado o desespero dos adolescentes apaixonados por ela que não se conformaram com a perda. A consolação dos chorões era vê-la dançando no circo.
No Circo Argentino certa vez assisti Chitãozinho e Xororó como atores num dramalhão daqueles bem sentimentais e trágicos, tipo novela mexicana. Naquela época ninguém diria que eles chegariam tão longe.
As lutas livres também faziam sucesso e delas participavam mulheres boas de briga. Anunciavam a "Mulher Montanha, a lutadora mais forte da face da terra", e outras gladiadoras com nomes sugestivos e a equipe circense saia pelas ruas convocando os citadinos de coragem a enfrentarem as feras.
Existia um salgadense que encarava tais lutas, o João Gato (João Domingos Ferraz Liebana). Desde moleque era metido a briguento, queria bater em todo mundo, e quando o circo oferecia a chance lá ia ele enfrentar as lutadoras.
Era um grande espetáculo, com parte do público torcendo pelo salgadense e a maioria gritando para que aquele mulherão (literalmente falando) lhe acertasse uns sopapos. No dia seguinte ele adorava sair às ruas para ouvir os comentários sobre a contenda, e quando exibia um olho roxo ou um arranhão no rosto se apressava em justificar:
- Vocês não viram o estrago que eu fiz naquele brutamonte!
A molecada gostava tanto de circo que, encerrada a semana de espetáculos, todos corriam a montar cirquinhos nos quintais, cercados por lençóis e cobertores sorrateiramente emprestados das mães. Meus vizinhos Renato Fantini, Cássio de Vergílio, Celso Cardoso, Élio de Freitas e Serginho Guimarães, eram os mais animados. O ingresso era um determinado número de palitos de fósforo. Na casa do Renato Fantini o circo era mais requintado, com tabuleiros, jogos de argolas e prêmios com balas e chicletes.
De certa feita resolvi eu montar um circo no fundo do quintal de casa. Meu amigo Ivan de Morais era o aluno mais engraçado da minha sala na Escola Ângelo Scarin, contava piadas, fazia imitações, era talentoso.
Convidei-o para fazer um show no meu circo e ele topou. A vizinhança lotou a garagem e, depois das apresentações iniciais colocamos o artista no palco. Ele disparou a contar piadas cabeludas (a assistência era toda menor de doze anos) e minha irmãzinha Cleire (que devia ter uns seis, sete anos) levantou-se de seu lugar com ares de inconformada, subiu no improvisado palco e sapecou de tapas o espevitado Ivan.
Foi um sucesso. A platéia riu muito, soaram palmas e apupos, todos adoraram a cena. No dia seguinte tentamos um repeteco sem êxito, ninguém riu como no dia anterior. Encerrei aí a minha carreira de dono de circo e acredito que o Ivan também abandonou os picadeiros depois daquele dia.
Mas o fato mais engraçado acontecido nos circos salgadenses foi com outro personagem que aprontava muito: Mauro Sérgio Castilho, filho do Vando Castilho.
Existia uma cantora que sempre repetia a mesma música. Era uma música horrível, com um refrão sofrível, que repetia o tempo todo: “Ai que vontade de comer goiaba, ai que vontade de comer goiaba”.
Não mais suportando a renitente melodia, Mauro Sérgio entrou no circo com um embornal a tiracolo e ninguém entendeu o motivo. Quando a cantora chegou ao refrão ele abriu o embornal:
- É goiaba que você quer? Então, toma! - e despejou um saco de goiabas nos pés da moça.
No show do dia seguinte ela mudou o repertório.
4 comentários:
Cal - seu conto me fez lembrar de uma história que tenho certeza que todos que presenciaram se lembram com detalhes. Circo na casa do Fabinho e Mateus. Coisa de profissional-mirim. Um dia inteiro armando os preparativos, equipe de divulgação, atrações sensacionais, e como não poderia deixar de ser um ótimo jogo de luz. Noitinha e a plateia estava lotando o recinto, eis que o responsável pelo jogo de luz (entende-se lanterna) sobe na goiabeira e se prepara para o início do espetáculo. Não deu nem dois segundos e a iluminação começou a rodar, galhadas iam se quebrando e lá estava o Boca estendido no meio do picadeiro todo estrupiado. Sucesso total. Infelizmente não conseguimos convencer o Boca a repetir o ato no dia seguinte.
parabens pelo respeitavel publico, pois lendo esta história me lembro bem de minha infancia, onde no fundo da serralheria (ou serraria)do seu pedro veschi, tambem montavamos o nosso cirquinho, que por coincidencia o ingresso era palitos de fosforos............valeu por me fazer lembrar um pouquinho de minha infancia, que graças a DEUS podemos dizer tivemos infancia........abraços...........
Oi Carlos me lembrei!! logo que nos
mudamos pra Salgado, fui ao Circo, cujo o nome nao me lembro. E la vi
Chitãozinho e Xororó no começo da
carreira, ai que saudades!! e como era bom aquele tempo, aquela cidade.
abraçao e parabens mais uma vez.
Breno, Marcos e Sandra. Obrigado pelos comentários e pelas histórias. Voltem sempre. Abraços. CAL
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