sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Mauro Castilho

João Batista Sérgio Murad nasceu em 1937 na cidade de São José do Rio Preto. Nas brincadeiras de criança sonhava ser o Zorro brasileiro e trabalhar num parque de diversões. Foi entregador de leite e vendedor de limão.

Mau aluno do Ateneu Riopretense, foi enviado pelo pai para o Colégio Interno de Monte Aprazível, onde estudou ao lado do famoso estilista Clodovil Hernandes e do salgadense Leumar Sirotto.

Tentou a carreira de cantor de música sertaneja, arriscou-se como radialista e vendedor de anúncios. Certo dia um circo se instalou nas proximidades de sua casa e ele fez amizade com um garoto da família circense chamado Dedé Santana. Muitos anos depois Dedé se tornaria um dos mais famosos humoristas da televisão brasileira.

Depois de se arriscar como empresário de shows de humor pelo interior mudou-se para São Paulo, conseguindo algum sucesso na comercialização de publicidades. Chegou a ser o maior vendedor de anúncios do Jornal Folha de São Paulo. Anos depois abriu uma agência de publicidade em Blumenau (SC), com o que alcançou sucesso financeiro e profissional.

Para participar de um pequeno elenco circense, João Batista Sérgio Murad criou um personagem chamado Beto Carrero.

Certa ocasião, quando já havia alcançado sucesso no mercado publicitário, Beto encontrou uma amiga rio-pretense e quiz obter notícias sobre os colegas de infância. Perguntou sobre a irmã dela, Zilma Fernandes:

- Está morando em Araçatuba, com cinco filhos, o marido tinha uma olaria que foi destruída num vendaval, tentou a sorte na política, mas não se elegeu. Estão passando por dificuldades.

- Peça a Zilma e o marido que me visitem em Piçarras, talvez eu tenha uma proposta de trabalho para eles - disse o amigo.

Nesse encontro em Piçarras (SC), num distante mês de janeiro de 1983, surgiu uma amizade que transformou a história do entretenimento no Brasil: o multiempreendedor Beto Carreiro e o salgadense Mauro Garcia de Castilho, filho do ex-prefeito Arcídio Castilho.

Mauro mudou-se de General Salgado para Araçatuba no final da década de 1970. No verão de 1983 aceitou a proposta de emprego feita por Beto Carrero, colocou toda a família num fusca e mudou-se para Santa Catarina. Em pouco tempo transformou-se no seu braço direito.

O jornalista Marcos Losekann, repórter da TV Globo que iniciou a carreira na RBS TV do Rio Grande do Sul, em seu livro “O Ronco da Pororoca – Histórias de um repórter na Amazônia” (1999, Editora Senac), narra que em 1984 encontrou uma equipe circense em Cruz Alta (RS). Durante a reportagem conheceu Mauro Castilho e através deste se tornou amigo de Beto Carrero. Losekann fala da amizade mantida com os dois, relatando um encontro ocorrido em Manaus pouco tempo antes de seu retorno a São Paulo para se tornar repórter especial do Jornal Nacional.

Além de administrar o Circo do Beto Carrero, Mauro participou ativamente do projeto de criação do Parque Beto Carrero World. Tudo começou num show no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. O treinamento era feito numa fazenda em Gaspar (SC). Os primeiros atores foram os peões da fazenda. Os ensaios noturnos eram feitos sob as luzes dos faróis de alguns carros.

O sucesso do show alavancou toda a aventura. Beto montou mais circos e os esparramou pelo Brasil. Um deles passou a ser administrado por Pecos Castilho, filho de Mauro. Nos shows que faziam pelo Brasil afora a equipe viajava com cerca de 120 pessoas, 400 toneladas de equipamentos, 20 cavalos, carruagens, jaulas com animais e outras atrações.

Um dia Beto decidiu montar tudo num lugar só e escolheu a pequena cidade de Penha (SC). Comprou 176 pequenas áreas de terras contíguas e deu início à construção do maior parque temático da América Latina, o Beto Carrero World.

Depois de 20 anos de cumplicidade e companheirismo, a relação entre os dois terminou apenas quando, em dezembro de 2003, enquanto acompanhava o circo de Pecos na Bahia, Mauro Castilho nos deixou de repente. Tinha vivido 68 anos com a mesma alegria, o mesmo jeito simplório de interiorano contador de causos e estórias, emérito piadista e gozador, profundamente apegado à família.

Em fevereiro de 2008 partiu Beto Carrero, que contava 70 anos de idade. Os dois deixaram, no entanto, um indiscutível legado na história do entretenimento brasileiro.

Beto Carrero era o showman, o astro, o mágico da trupe. Mauro Castilho era o carregador do piano, o arranjador, o faz-tudo para permitir a continuação do show.

Na revista que fez editar para comemorar os 15 anos de existência do parque, Beto Carrero prestou uma homenagem ao amigo salgadense, nela registrando a seguinte mensagem:

“Mauro Castilho. Amigos para sempre.

Nossa vida parece diminuída sem a sua generosidade, a sua alegria, a sua graça, a sua grandeza, a sua devoção a tudo que fazia.

Sim, hoje nos vemos mais pobres sem seu jeito cativante, seus gestos expressivos, seu olhar brilhante daquela felicidade de fazer as pessoas mais felizes.

Mauro, meu velho, de minha parte posso afirmar que conviver com você me enriqueceu profundamente. E agora estou aqui, falando de nossa saudade a você, à Zilma, à Pity, à Lígia, à Lara, à Luciana e ao querido Pecos, esta família que é seu maravilhoso patrimônio.

A eles você deu o exemplo de viver e um legado de amor que seus netos aproveitarão para aprender a serem grandes seres humanos, como você”
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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Memória 59 (EE Tonico Barão)

EE Tonico Barão (Anos 1960) - Em pé: Degene May e Ofélia.
Agachadas: Claudevanira Mendonça, Wagmar Marques e Santa Marques.
Colaboraram para a identificação: Miltinho Castilho e Wagmar Marques
(foto: Acervo do EE Tonico Barão)

A Fruta Preta

O Professor Paulo Ricoy de Camargo foi um dos primeiros professores de Nova Castilho e, anos depois, merecidamente conduzido à direção da escola. Sua esposa, dona Cida Toledo foi a primeira Escrivã do Cartório de Registro Civil do vilarejo.

Dono de físico avantajado, quando precisava se impor ou chamar a atenção de algum aluno usava de um vozeirão estridente. Os alunos mais bagunceiros tremiam ao receber suas broncas, pois ele exigia severa disciplina no interior da escola, cuja fiscalização competia ao Inspetor de alunos José Garcia Júnior, o Zé Martelo.

Naqueles tempos magros, a escola não dispunha de recursos, não havia cantina. Os alunos bebiam água em dois potes que existiam no pátio, sobre os quais havia um pedaço de tábua e uma caneca de alumínio. Os alunos faziam fila, enfiavam a caneca no pote, bebiam a água e passavam a caneca para o próximo.

O Professor Paulo era aficionado por caça e pescaria, dono de equipamentos, tralhas e uma coleção de armas. Aparentemente sisudo e severo, era na verdade um gozador, contador de piadas e apreciador de uma boa cachaça.

Tinha especial adoração pelos filhos Potó, Célia Marta e Zezé. Além disso, possuía um tesouro do qual pude usufruir: uma vasta biblioteca contendo os maiores clássicos da literatura mundial. Através deste acervo foi que descobri o maravilhoso mundo da leitura, viagem na qual ingressei sem nunca mais abandoná-la.

Certo dia, no quintal da casa do Professor Nardinho Toledo, seu cunhado, o professor observava algumas crianças em cima de um pé de jabuticabas. A árvore tinha os galhos enegrecidos pela carga de frutas. De cima da árvore, alguns alunos jogavam as jabuticabas para os demais que, no chão, enchiam embornais.

No meio das crianças estava o Zé Paçoca, um garoto muito engraçado e dono de uma dicção extremamente difícil. Por ter a língua presa, trocava as letras, engolia esses e erres.

As jabuticabas atiradas do alto rolavam por uma pequena ladeira, próxima da qual o Professor Paulo se achava a observar a garotada.

De repente o Zé Paçoca saiu a perseguir as frutas que se desgarraram ladeira abaixo e procurando com os olhos no chão, deu de cara com o professor:

- Teu Paulo, o toi não viu ua puta peta que patou ati?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A História do Noroeste Paulista - 3

A região compreendida entre Fernandópolis e Santa Fé do Sul foi palco de grilagens de terras.
(clique na imagem para ampliar)

No início do século XX o governo imperial passou a incentivar o desbravamento das terras interioranas em todo o país, especialmente no interior paulista. As chamadas terras do sertão de Rio Preto passaram a ser tomadas por expedições colonizadoras, que para apossar-se das terras, destruíam os aldeamentos caingangues.

Patrício Lopes de Souza, oriundo da vila de São Tiago, comarca de Bom Sucesso, na região de São João Del Rey (MG), era o chefe de uma destas expedições que entre 1830 e 1840 tomou para si a posse de quatro grandes áreas, três em Mato Grosso, às quais deu os nomes de Sobradinho, Sucuriu e Correntes, e outra no noroeste paulista, chamada São José da Ponte Pensa, com 208 mil alqueires, onde fez plantações de fumo e roça.

Anos depois, em 1860, Patrício de Souza retornou a São Tiago, deixando Francisco Ribeiro da Silva tomando conta das terras. Em 1864, Patrício firmou com Joaquim Anastácio de Souza um contrato de parceria para a exploração de suas quatro fazendas, e com ele e outros escravos retornou às terras que conquistara.

Em 1876 arrendou para os irmãos Francisco e João Ribeiro da Silva metade das terras da Ponte Pensa. Depois, já velho e alquebrado, Patrício Lopes de Souza regressou definitivamente à terra natal. Por testamento, deixou as terras da Fazenda São José da Ponte Pensa para os filhos de sua irmã Maria Tereza de Souza. Faleceu, em estado de solteiro, em 1885.

As terras ficaram praticamente abandonadas. Os meeiros criavam um pouco de gado e plantavam apenas o necessário à sobrevivência e à caracterização da posse. A imensidão da fazenda (208 mil alqueires) abrangia o território das atuais comarcas de Santa Fé do Sul e Jales, e parte das de Palmeira D´Oeste, Pereira Barreto e Estrela D´Oeste.

Preocupado com a situação fundiária, desde 1850 o governo procurava regularizar as posses das terras. Com a proclamação da República, as terras foram tidas como devolutas (desocupadas).

Em 1912 teve início um processo de grilagem.

Bernardino de Almeida, corretor de imóveis em Araraquara, dizendo-se sucessor de um tal de Fabrício Joaquim de Souza, através do advogado José Odorico da Cunha Glória, de Rio Preto, iniciou uma ação demarcatória de uma fazenda chamada “Palmital” ou “Ponte Pensa”, valendo-se de documentos posteriormente apurado serem falsos.

Concomitantemente, um cidadão chamado Mário Furquim, do Rio de Janeiro, ingressou com outro processo, também instruído com documentos falsos, segundo apurou-se posteriormente, dizendo ser ele o senhor e legítimo possuidor da Ponte Pensa.

O advogado Cunha Glória conseguiu afastar Bernardino da ação, passando ser ele o titular do direito possessório e, ato contínuo, no mesmo ano de 1912, fez um acordo com Furquim e ambos reconheceram-se mutuamente como legítimos proprietários das terras. Surgiu então a Sociedade Agrícola Glória & Furquim, reconhecida como verdadeira “fábrica” de títulos de terra falsos.

Em 1914 essa sociedade promoveu na Justiça Federal outra ação de demarcação da Fazenda Palmital, agora rebatizada com o nome Ponte Pensa. Os herdeiros de Patrício Lopes de Souza, citados pelo Diário Oficial, não contestaram a ação, mas o Governo do Estado o fez, argüindo a falsidade dos títulos, tantos dos de Bernardino, como os de Furquim, dizendo que as terras eram devolutas, portanto de propriedade do Estado de São Paulo.

Nessa ação, a firma Glória & Furquim contratou uma perícia técnica, que foi realizada pelo agrimensor Euphly Jalles. Com base no laudo de Euphly, o juiz considerou improcedentes as razões do Estado. Houve recurso para o Supremo Tribunal Federal, mas os advogados do Estado perderam o prazo para promover o preparo o recurso. Assim, o laudo de Euphy tornou-se definitivo. Por esse laudo, o agrimensor recebeu como honorário as terras do hoje município de Jales.

Concluído o engodo, a sociedade Glória & Furquim foi dissolvida e a área vendida em grandes lotes.

Em 1920, um major inglês, John Byng Paget, que se suspeita tenha sido mero testa de ferro de alguma companhia petrolífera, adquiriu 32 mil alqueires da antiga fazenda São José da Ponte Pensa, justamente na parte mais ao norte da área, nas divisas dos estados de Minas Gerais e Mato Grosso, onde se localizam as cidades de Rubinéia, Santa Clara D´Oeste, Santa Fé do Sul, Santa Rita D´Oeste, parte de Três Fronteiras, de Santana da Ponte Pensa e de Santa Salete.

A compra dessa extensa área por aquele major inglês, que nunca viera ao Brasil, segundo comentários, teria ocorrido porque a bacia hidrográfica do rio Paraná teria características de área propícia à formação de jazidas petrolíferas. Tanto que Byng Paget não se preocupou em explorar a área, em transformá-la em área de pastagens, como o fez, por exemplo, a Cia. The Lancashire General Investiment na fazenda dos Ingleses, em Santana da Ponte Pensa. Simplesmente limitou-se a tomar posse da área através de um procurador, Alfredo Norris, que, por sua vez, através de cartas de agregação, espécie de contrato de arrendamento rural, colocou na área 79 famílias, com o objetivo de garantir a posse ao senhor inglês.

A Constituição da República de 1946, porém, pôs por terra a pretensão de uma possível exploração petrolífera pelo major inglês ou pelos investidores que ele representasse. É que aquela Carta considerou como de propriedade da União o subsolo. Isso significa que o proprietário da terra só é dono de sua superfície e o que existir abaixo dele, como minas ou jazidas, pertence à União. Mal definido esse princípio pela Constituinte, Paget pôs a terra á venda.

Quem a comprou foi a Companhia Agrícola de Imigração e Colonização (CAIC), uma subsidiária da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, que conhecia os planos de expansão da antiga Estrada de Ferro Araraquarense, que eram o de chegar até as barrancas do Rio Paraná e depois transpô-lo, rumo a Cuiabá.

A Companhia Paulista de Estrada de Ferro atravessava uma crise econômica do pós-guerra. Seus diretores procuravam uma solução. Tiveram a idéia de comprar os latifúndios existentes ao longo da rodovia, lotear e vender em pequenos lotes a lavradores sem terra. O pensamento era vender os lotes a prazo de quatro ou cinco anos, porque para pagar os lotes os lavradores teriam que trabalhar a terra e produzir, e a ferrovia teria o que transportar para gerar lucros.

Foi com essa filosofia que a Caic comprou as terras da então chamada Colônia Paget, que era administrada por Wenceslau Lopes e por seu filho Moacir de Oliveira Lopes que foi quem, em nome do inglês proprietário, transmitiu a posse aos representantes da Caic: Mário Camargo, que chegou à região em 15 de maio de 1946 e a Hélio de Oliveira, Humberto du Blois e Phebo de Oliveira Rogê Ferreira que aportaram às terras onze dias depois de Mário.

Na região conhecida como Córrego da Porteira, hoje Santa Salete, início das terras do inglês, a posse era garantida por João Teodoro Lopes; na região do Jacu Queimado viviam Antônio Lino e Messias Nogueira; noutro canto era Zerico que, de espingarda em punho, garantia a integridade da terra contra eventuais invasores. A fazenda Almeida Prado já estava sendo aberta por Rubens de Oliveira Camargo, desde 1940.

Feitos os levantamentos topográficos e demarcadas as terras, iniciou-se o seu parcelamento, dividida a gleba em sete sessões – a primeira era onde está Santa Fé e a sétima, perto de Urânia, em Santa Salete.

Antônio Carlos Salles Filho, presidente da Caic, determinou o início da construção da cidade que se tornou Santa Fé do Sul. O nome foi escolhido pelo fundador Hélio de Oliveira. A fundação oficial deu-se no dia 24 de junho de 1948, quando frei Canuto, um franciscano de Aparecida do Tabuado, celebrou a primeira missa, ao pé de um cruzeiro erguido na praça reservada à Igreja Matriz.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Memória 58 (EE Tonico Barão)

EE Tonico Barão (início dos anos 60) - Alunas na aula de educação física - Maria Lúcia Venâncio, Benedita Neves, Elza Castilho e Degene May.
Atualização em 17.08.2009 - Ditinha Neves foi identificada com a colaboração de Edna Fantini Moraes.
(foto: Acervo da EE Tonico Barão)

Boca do Sertão

A cidade de General Salgado está encravada no centro da região conhecida como Boca do Sertão de Rio Preto. Um canto situado a noroeste do Estado de São Paulo encostado no Mato Grosso do Sul, circundado pelos limites dos grandes municípios de Andradina, Araçatuba, São José do Rio Preto e Santa Fé do Sul.

No início do século passado era região de muito mato e pouca gente, tida como perigosa e infestada de feras. Animais e homens ferozes.

As primeiras fazendas estavam sendo desmatadas, as estradas se resumiam a picadas abertas à foice na mataria, os viventes transitavam a cavalo ou em carros de bois, os primeiros automóveis empoeirados – jipes ou pequenos caminhões - enfrentavam muitos buracos e bacadas. Era verdadeira terra de ninguém, longe de tudo e de todos. Muito natural que bandidos, arruaceiros, matadores e valentões passassem a integrar a pequena população local.

Havia ainda outro fator importante para a existência desse tipo de gente por aqui: a Justiça praticamente não existia, os poderes regionais estavam muito distantes e eram incapazes de manter a ordem, os poderes de polícia eram delegados a pessoas comuns, inspetores de quarteirão. Não havia como obrigar todos os cidadãos ao cumprimento das ordens necessárias ao bem comum e à tranqüilidade do povo. Os valentões, matadores e pistoleiros foram ganhando fama, atemorizando cidades, cultivando veneração e espalhando o terror de modo desenfreado.

Tio Odilon Rodrigues dizia ter conhecido pessoalmente vários personagens daquele tempo, colecionando, ao longo dos anos, histórias dos principais criminosos que passaram pela região como Aníbal Vieira, Zico Boiadeiro, Zezão das Casinhas, Zé Negrão, Lino Catarino, Zé Dico, Camisa de Couro e outros.

Camisa de Couro era um pistoleiro afamado no sertão de Mato Grosso, matava por dinheiro. Um dia foi contratado para eliminar conhecido fazendeiro da região de Andradina. Não gostava de matar à traição, preferia fazer o serviço às claras para que o vitimado conhecesse a identidade de seu algoz. Assim que avisou ao fazendeiro sobre a missão encomendada o homem raciocinou rápido:

- Quanto você quer para matar quem mandou você aqui? Eu te pago o dobro do que ele está te pagando!

O facínora desistiu da empreitada, aceitou a oferta e voltou para eliminar aquele que lhe havia encomendado o serviço.

Depois de intensa perseguição, Aníbal Vieira foi preso e mandado para um presídio em Araçatuba. Era fugitivo dos mais procurados, trazia consigo o peso de muitas mortes. Tempos depois conseguiu fugir da cadeia, roubou um cavalo e tomou o rumo do Rio Tietê. Naquele tempo não existia ponte, a travessia era feita sobre uma balsa e depois das 18:00 horas ninguém mais podia atravessar. Aníbal chegou à beira do rio depois do horário e temendo a perseguição da polícia tentou convencer o balseiro a levá-lo até a outra margem. O homem quis recusar e o bandido sacou de uma peixeira, resmungando:

- Bem que o povo me fala “não mata, Aníbal, não mata!”. Mas não tem jeito, tem gente que prefere morrer!

Zezão das Casinhas vivia no Bairro das Casinhas nas proximidades de Nova Palmira. Nos finais de semana aparecia na cidade, tomava umas pingas e saía pelas ruas desafiando os populares, jogando o cavalo por sobre mulheres e crianças. Atiçava os policiais chamando-os de “bate-paus” e lançava desafios. Era muito forte: três policiais não conseguiam dominá-lo. A polícia teve que formar um batalhão para persegui-lo a cavalo e só conseguiu detê-lo depois de balear e colocar por terra a montaria do fugitivo.

Zico Boiadeiro era danado para roubar mulher dos outros. Um dia resolveu se vingar do delegado de polícia de Auriflama, de quem havia tomado uma surra. Matou o policial e deixou um bilhete por cima do corpo: “quem matou foi Zico Boiadeiro”. Fugiu para o Mato Grosso e foi parar em Campo Grande. Lá conheceu um velho fazendeiro e se apaixonou pela mulher dele, bem mais moça que o marido. Não resistiu à tentação e avisou o homem: “vou lá na sua fazenda roubar a sua mulher, pode me esperar!”.

No dia marcado, acompanhado de um comparsa, Zico chegou à fazenda do velho para buscar a moça. Os vizinhos escutaram tiros e chamaram a polícia. No local encontraram o fazendeiro morto, caído por sobre o revólver, a mulher e um filho do finado escondidos num quarto, amedrontados. Depois de analisar a situação o moço avisou ao delegado:

- Meu pai estava esperando os bandidos e atirava muito bem. O senhor pode procurar nas redondezas porque no revólver dele faltam duas balas.

A polícia varreu as cercanias e atrás de um curral encontrou o capanga do Zico vivo, mas com uma perna quebrada, varada de bala. Vasculhou mais um pouco e avistou Zico encostado numa cerca com a carabina na mão, fazendo pontaria. Cercaram o local e o delegado percebeu que Zico Boiadeiro estava morto, fora atingido na troca de tiros com o fazendeiro que, com apenas dois disparos tirou os bandidos de combate, ainda que mortalmente ferido.

No mês de maio de 1982, durante as comemorações do Cinqüentenário da Revolução Constitucionalista de 1932 o Colégio Tonico Barão resolveu homenagear um ex-combatente com a entrega de uma medalha de Honra ao Mérito. Fui o aluno escolhido para entrevistar, durante o evento comemorativo, o 2º Sargento Reformado Francisco Machado, residente em Auriflama. Eu já o conhecia porque era sogro de meu tio Agostinho de Almeida.

Para os que compareceram ao evento o Sr. Machado narrou suas aventuras como soldado constitucionalista. O que ninguém ficou sabendo, no entanto, é que foi ele um dos maiores caçadores de bandidos que existiu na região.

Depois da revolução o Sargento Machado foi nomeado Delegado de Polícia e veio morar em General Salgado. Anos depois se mudou para Auriflama. Passou a ser respeitado e reconhecido como o mais valente e destemido perseguidor de pistoleiros.

Zé Negrão era um bandido famoso que todos temiam e estava há muito tempo foragido. O Delegado Machado saiu na sua captura e depois de dias de investigação batendo no rastro do bandoleiro localizou-o dormindo no meio de uma mata nas proximidades de Nova Castilho. Sequer deixou que o bandido acordasse...

O valentão mais temido de toda a região de Monte Aprazível, então sede da comarca, era conhecido como Zé Dico. Costumava fechar cidades, dar tiros pelas ruas; de vez em quando invadia igrejas montado a cavalo, ofendendo e ameaçando os freqüentadores.
Um dia a polícia tomou conhecimento que o arruaceiro havia dias estava acampado na praça da pequena cidade de Ubarana, espalhando terror pelas arruelas do vilarejo. Quando o comandante da polícia da região chamou o Delegado Machado perguntando se ele seria capaz de enfrentar o bandoleiro, e se queria ajuda de outros colegas, ele bateu no peito:

- Eu vou sozinho! Só quero saber se posso trazer ele dentro de um saco!

Seu Machado chegou a Ubarana e o bandido ainda atemorizava o povo, montado a cavalo no meio da praça, gritando bravatas. O delegado avisou:

- Se entregue que eu vim te buscar e aproveita a oportunidade, porque eu tenho que te levar vivo.

O valentão desdenhou da coragem do desconhecido:

- Você tá sozinho? Você acha que eu sou homem de ser preso por um homem só?

O delegado pulou para os lados do bandido e puxou-o de cima da montaria pela aba da capa de chuva. Em dois tempos o arruaceiro estava amarrado. Quando foi entregue às autoridades em Monte Aprazível, Zé Dico avisou que a partir daquele dia abandonaria o banditismo:

- Passei vergonha doutor! Um homem sozinho foi capaz de me dominar!

O velho delegado Machado que eu conheci, aposentado e beirando os setenta anos, costumava sair da cama às quatro horas da madrugada para uma corrida matinal do centro da cidade até o trevo de Auriflama. Numa dessas madrugadas foi atropelado por um ônibus, cujo motorista não pôde perceber o pedestre correndo na beira da pista. Quando a polícia chegou ao local para registrar a ocorrência localizou nas proximidades do corpo um velho revólver calibre 38 do qual o finado não se apartava.

O salgadense João Marques, emérito contador de histórias, contava que numa das vezes em que um desses bandidos foi preso, formou-se na ante-sala da Delegacia um grupo de cidadãos para conferir sua identidade. Um deles – querendo gargantear perante os demais - bravateou: “até que enfim esse safado foi preso! Tomara que apodreça na cadeia!”.

O que ninguém sabia era que o pistoleiro estava na sala ao lado e ouviu a conversa, botou a cabeça para fora da porta e avisou:

- Quando eu sair daqui você vai ser o primeiro que eu vou matar!

Dias depois o mesmo grupo tomava café da manhã no balcão de um bar em frente à Praça da Matriz e de repente apareceu alguém meio assustado:

- Aquele bandido que foi preso outro dia fugiu da cadeia!

Imediatamente o cidadão que havia sido ameaçado na delegacia olhou boquiaberto para os demais, abandonou a xícara de café no balcão, botou o chapéu na cabeça meio que escondendo os olhos, e foi saindo de fininho:

- Gente, vocês vão me desculpar, mas eu tenho um compromisso urgente!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Poucas e Boas

Caipira quando se depara com coisa nova sempre arruma um jeito de dar um fora.

Contei sobre um sitiante do Cachorro Sentado que se atrapalhava com novidades e palavras diferentes. Certa vez uma turma de amigos saiu de General Salgado para assistir a um jogo da Seleção Brasileira em Ribeirão Preto e levou o caipira, que nunca antes havia visitado um estádio de futebol.

Lá pelas tantas um jogador adversário se machucou, ficou estirado no gramado e a torcida começou a xingar o contundido, que aparentemente fazia cera. Os maqueiros entraram em campo para retirar o acidentado. Ao ver a cena do jogador sendo carregado na maca o nosso amigo salgadense não se conteve, levantou-se em meio à multidão de torcedores e aderiu ao coro de ofensas ao jogador:

- Aí safado, ocê queria era andar nessa caminha!

Na viagem de volta o grupo fez parada num restaurante chique e pediu grande variedade de comidas que o sitiante nunca tinha experimentado antes. Assim que retornou à cidade passou a narrar aos amigos as novidades e as delícias provadas, ressaltando que tinha adorado os pratos com bacalhau:

- Gostei mesmo duma tal de bacaionada!

Quando o amigo Renato Fantini (de saudosa memória) começou a preparar pizzas na Padaria Fantini, foram dias e dias de intenso movimento. Os salgadenses se esbaldaram com a novidade e Pedrinho Lopes quis experimentar. Chegou sozinho à lanchonete e encomendou uma das novidades. Antes de servir o garçom perguntou ao cliente:

- O senhor quer que eu corte a pizza em 4 ou 8 pedaços?

Depois de matutar um pouco sobre o que disse o atendente, mal compreendendo a situação, ele arriscou:

- Corta só em quatro porque oito é muito, eu não dou conta!

Onde se acha instalado o Supermercado Desidério, defronte a Praça da Matriz, existia há muitos anos a loja de aparelhos eletrônicos do Tião Desidério, bem ao lado do Bar do Elizeu Bernabé. Auxiliado pelo Zé do Rádio, então seu funcionário, Tião era o único consertador de eletrodomésticos da cidade.

Havia uma salinha pequena com um balcão e ao redor várias prateleiras carregadas de aparelhos esperando conserto: rádio, televisão, enceradeira, ferro de passar, chuveiro elétrico; de tudo um pouco.

Um dia parou na porta da loja uma carroça, o sujeito desceu, apanhou uma televisão antiga (Colorado RQ, preto e branco) entrou no estabelecimento e colocou o aparelho sobre o balcão. O funcionário atendeu ao cliente de modo solícito, querendo saber o problema.

- Qual é o defeito da sua televisão?

O dono do aparelho explicou bem a seu modo:

- Antonte a bicha parou de prosear. Donte pra cá deu de sumir a feição!