quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A Oração de Dona Alivina


Alivina Luiza da Silva (1976) - Norival Cabrera, Alivina (candidata a vereadora), João Venâncio (João Gordo) e José Rodrigues Belletti. Flagrante de comício durante a campanha eleitoral que levou Norival Cabrera pela primeira vez ao comando da administração do município. Não identificamos o garoto à frente do Zé Belleti, nem o cidadão de chapéu, se você reconhecê-los, mande um e-mail ou deixe um comentário. (foto: Álbum de Alivina)

Contando quase 80 anos de idade, Dona Alivina Luiza da Silva vive desde 1938 em General Salgado. É uma das moradoras mais antigas da cidade e ainda mantém uma disposição ímpar: trabalha, festeja, dança, viaja, pula carnaval, participa dos bailes e desfiles do Grupo da Terceira Idade e, parecendo ser de ferro, ainda toma suas cervejinhas.

Apesar de conhecê-la há muitos anos, pois ela mantém com vovó Arandira Marques uma amizade de mais de meio século, passei a conhecê-la bem de perto apenas quando quis o destino me atribuir a felicidade de encontrar Samanta, neta dela e minha mulher.

Posso garantir que se trata de uma criatura abençoada, benfazeja e muito feliz. Enquanto a grande maioria dos idosos se preocupa com remédios, mezinhas e aposentadoria, Dona Alivina exala humores com graça, espírito e muita disposição.

O primeiro salão de beleza da cidade surgiu quando ela se casou com seu Ramiro da Silva (1923-1993) indo morar numa pequena casa de madeira construída no final da Rua Vicente Rodrigues de Mendonça. Hoje o bairro se chama Vila Maron, ao lado do Estádio Municipal Paulo Possetti.

Era uma meia-água e no reduzido quintal dona Alivina criava galinhas. Dividia as ocupações entre os galináceos, a casa, as crianças (a primogênita Adenir ainda nos cueiros) e as melenas femininas do vilarejo. De repente estranho mal acometeu as penosas e elas foram sendo inexplicavelmente dizimadas.

Sem o socorro de veterinários, pois eram tempos em que mesmo pessoas se tratavam com garrafadas, mezinhas e outros paliativos caseiros, buscou auxílio na vizinhança tentando pôr fim ao precoce desaparecimento das aves.

Uma amiga orientou-a dizendo que o melhor remédio seria uma potente oração, a Estrela da Manhã, que para funcionar necessitava de pequeno ritual: tinha que ser feita antes do nascer do sol, em todos os cantos do quintal onde as galinhas viviam.

Anotou o peditório num pedaço de papel e advertiu ainda de que o ritual deveria ser repetido por vários dias. Por volta das quatro horas da manhã dona Alivina se pôs de pé, armou-se de véu e terço, embrulhou-se num lençol para amenizar o frio e saiu para o quintal empunhando o papelucho onde estava anotada a oração, iluminado por uma pequena vela. Até que os primeiros sinais luminosos do dia ameaçassem no horizonte, circulou pelos quatro cantos do terreno proferindo em sussurros a súplica religiosa. Repetiu o ritual nos dias seguintes.

Numa das manhãs, quando já cuidava das crianças e dos afazeres de casa foi chamada por uma vizinha de parede, Dona Maria, que aparentava ares de susto e aflição. Foi dizendo a vizinha:

- Dona Livina, a senhora não sabe o que me aconteceu hoje. Eu nunca levanto de madrugada, mas eu não tenho relógio e hoje quando acordei ainda estava muito escuro. Ai que arrependimento! Cruiz-credo, cruiz-credo.

E a amiga, já inquieta:

- Pelo amor de Deus, Dona Maria! Se for coisa ruim nem me conte!

- A senhora não vai acreditar: eu vi uma assombração! Cruiz-credo, cruiz-credo!

- Pelo amor de Deus, Dona Maria, eu morro de medo de assombração! Nem me conte porque senão eu não vou dormir de noite!

- Ah! Dona Livina, que coisa mais assustadora, eu não acreditava em assombração, mas hoje eu vi, quase morri de medo! Logo hoje eu fui acordar mais cedo. Nunca mais me levanto de madrugada!

Foi quando a vizinha rezadeira raciocinou um pouco e perguntou:

- Mas Dona Maria, como era a assombração que a senhora viu?

- Era uma mulher com um pano branco na cabeça, uma vela acesa na mão, andando pelo quintal, ia e voltava, ia e voltava...; cruiz-credo, cruiz-credo!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Meus Caros Amigos

"Ces são o colírio do meu ôiu.
São o chiclete garrado na minha carça dins.
São a maionese do meu pão.
São o cisco no meu ôiu (o ôtro oiu - eu tenho dois).
O limão da minha caipirinha.
O rechei do meu biscoito.
A masstumate do meu macarrão.
A pincumel do meu buteco.
Nossinhora!
Gosto dimais da conta docêis, uai.
Ces são tamém:
O videperfume da minha pintiadêra.
O dentifriço da minha iscovdidente.
Óiproceisvê,
Quem tem amigos assim, tem um tisôru!
Eu guárdêsse tisouro, com todo carinho, do Lado Esquerdupeito!!!
Dentro do Meu Coração!!!

Feliz Natal!!!"

(recebi do amigo José Augusto Cervantes, outro salgadense perdido por esse mundão afora, e não resisti).

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Memória 24 (Antonio Mendonça)

Antonio Rodrigues de Mendonça - Chegou a General Salgado em 1951, vindo de Novo Horizonte (SP). Com a primeira mulher, Maria Francisca Leme, teve dez filhos: José (casou-se com a prima Aparecida Rodrigues de Mendonça), Joaquim (Maria Emília), Idalina (Manoel de Paula Carvalho), Brazilina (casou-se com o primo José R. Mendonça Sobrinho), Laudelino (Rosalina Rodrigues), Vicente (Dolores Viudes), Nathal (Luzia Martins), Lourdes (Astoril Thomaz), Leonora (Azilio do Prado) e Antonio Filho (Alexandrina Rodrigues). Viúvo, casou-se em segundas núpcias com Maria Silva, com quem teve o filho Manoel (casado com Olga Maria).

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Dentista e o Barbeiro

Um dos primeiros dentistas da cidade foi apelidado pelos moradores de Dr. Labareda. Não se sabe de onde veio nem se tinha cursado alguma faculdade. Naquele tempo por estas bandas só apareciam práticos, técnicos e curiosos.

O Dr. Labareda foi um dos primeiros a instalar clínica e a dizer que era estudado: “Estudei oito meses em São Paulo, Vila Cachoeirinha!”, dizia. Pronto, já era doutor! O apelido surgiu porque era comum vê-lo derretendo material dentário numa lamparina de chama alta, muito mais alta do que a dos demais. Além disso, era meio estabanado e pouco chegado à assepsia. Durante as consultas e tratamentos mantinha hábitos alimentares, como chupar laranjas e Mexericas.

Certo dia atendeu um paciente que reclamava muita dor de dente. Deixou a mexerica de lado, aboletou o rapaz na cadeira e armou-se de instrumentos. Olhou meio por alto o dente que o moço apontou e diagnosticou:

- Ih! Tem que arrancar. Dente desse tipo só sara se arrancar...

- Mas doutor - retrucou o paciente - o senhor não vai nem ver o dente como está? Será que precisa arrancar? - Meu senhor, eu estudei na capital, eu sei o que estou fazendo. Deite-se aí!

O paciente estirou-se no encosto da cadeira, o Dr. Labareda empunhou uma seringa imensa com uma agulha muito comprida, pedindo para que não se assustasse, pois a anestesia tornaria indolor o tratamento. Enfiou a ponta da imensa agulha na boca do moço, injetou parte do anestésico e inquiriu:

- Formigou um pouco?

- Hã-hã – gemeu o rapaz, negando.

O doutor introduziu mais um pouco a agulha, injetou outra parte do líquido e repetiu a pergunta:

- Formigou?

- Hã-hã.

Sem ligar para os gemidos de dor do paciente o Dr. Labareda enfiou o restante da agulha, injetou todo o resto do anestésico, retirou a seringa e perguntou:

- Agora formigou né?

- Doutor, formigar não formigou não, mas o senhor molhou toda a gola da minha camisa!

Uns dois meses depois o Dr. Labareda sumiu da cidade e nunca mais deu notícias. Diz o Pedrinho Giamatei que ele voltou para São Paulo: deve estar trabalhando no fura-fila!

Acho que Mário Barbeiro e Carolino dos Santos (o saudoso seu Kalu) estão entre os primeiros barbeiros que se instalaram na cidade. Seu Kalu deve ter sido o que mais tempo esteve na ativa. Sami Cheida também foi dos primeiros, mas me recordo que na Avenida Diogo Garcia, perto da esquina com a Rua Dr. Bruno Martins, em frente a sapataria do seu Zinho Sapateiro (João Raymundo), havia uma outra barbearia antiga, do Sr. Avelino Leite.

Como o seu Avelino era crente, evangélico, o salão era freqüentado quase que exclusivamente pelos irmãos de igreja. Muito religioso, assíduo freqüentador dos cultos da Congregação Cristã e muito entendido nos assuntos bíblicos, tinha o hábito de falar o tempo todo sobre religião, sobre o evangelho e demais temas da irmandade.

O funcionário de uma fazenda, recém chegado na cidade, sem saber que a freguesia do seu Avelino era formada basicamente pelos irmãos de crença, sentou-se na sua cadeira certo dia e pediu para raspar a barba.

Muito solícito e educado o barbeiro regulou o encosto, acomodou o rapaz, amarrou-lhe um avental branco, preparou a espuma de barbear, lambuzou o rosto do moço com o pincel de espuma e amolou a navalha numa tira de couro que ficava dependurada debaixo da pia.

Puxou assunto com o cliente; o que fazia, de onde vinha, onde trabalhava. Percebendo que o moço era novato na cidade, levou a conversa para a religião, quis saber se freqüentava alguma igreja, convidou para os cultos da Congregação. A conversa foi se aprofundando no tema e o rapaz ia respondendo na medida do possível, no mais das vezes com monossílabos, com bastante timidez.

Quando ia começar o serviço o barbeiro encostou a navalha no pescoço do rapaz e, distraidamente disparou:

- Me diga uma coisa, o senhor está preparado para ir para o céu?

O rapaz estalou os olhos, deu um salto na cadeira e saiu em desabalada carreira rua abaixo levando o avental atado ao pescoço e a cara cheia de espuma.

Deve ter corrido uns quinze dias!

domingo, 9 de dezembro de 2007

Memória 23 (Primeira Comunhão, 1974)

Marcos Faria, Padre Victorino, Carlos José (Cal) e Kiko Righi.
(foto: Álbum do blogueiro)


Nova Castilho, 1974 - Igreja de São José - Alunos do catecismo da Professora Helena Longhini, no dia da Primeira Comunhão.
Fila de trás: Albina, Lurdes Aleixo, Maria Olívia Garcia, Marcos Faria, Helena Longhini, Valdenir, Padre Victorino Liñan Hitos, Sandra Feitosa e Cassilda Marques.
Fila da frente: Vanda de Grande, Cássia Marques, Lena Faria, Ângela Cavenage, Roseli, Carlos José (Cal), Kiko Righi, João Batista, Vanderci de Grande, Izabel Zanini e Rosemeire Sumaia.
(foto: Álbum de Vanda de Grande / Jornal A Gazeta da Região)

Padre Victorino

A primeira vez que me lembro de ter visto o Padre Victorino Liñan Hitos foi folheando o álbum de fotografias do casamento de meus pais – Domingos e Cida -, isso quando eu ainda era menino novo lá em Nova Castilho. Os registros mostravam um padre moço, jovial, cabelos negros, olhar límpido e sereno.

Nós já havíamos nos encontrado antes, mas não guardei lembrança da cena em que ele borrifara água benta sobre minha cabeça - eu nos braços de vovó Arandira, segundo me contaram - no dia em que fui batizado. Sou como podem ver, apenas mais um dentre tantos outros salgadenses que ele abençoou, sem falar naqueles outros tantos que ele casou e depois tudo repetiu com filhos e netos.

Nascido na cidadezinha espanhola de Motril, nas proximidades de Granada, região da Andaluzia, Victorino foi mandado ao Brasil ainda estudante. A Congregação dos Padres Agostinianos à qual pertencia resolveu transferir seus discípulos para as pacíficas terras brasileiras, fugindo aos conflitos da guerra civil espanhola. Concluídos os estudos eclesiásticos, foi ordenado no dia 9 de maio de 1937, em Ribeirão Preto onde permaneceu por nove anos.

No dia 6 de agosto de 1955 chegou a General Salgado, paróquia então pertencente à Diocese de São José do Rio Preto. Identificou-se tanto com os paroquianos, que mesmo depois da mudança da diocese para Jales e da sucessão de bispos, entendeu-se como impraticável a sua saída de General Salgado. A cidade tinha o seu padre e todos desejavam que ele ali permanecesse para sempre.

Freqüentei as aulas de catecismo da Professora Helena Longhini, que eram ministradas depois do horário escolar, na casa de dona Cida Toledo, em Nova Castilho. Antes da primeira comunhão tivemos algumas aulas com o Padre. Guardávamos certo receio de sua aparente severidade, e ficávamos impressionados com a capacidade que ele tinha de conhecer todas as famílias, identificar as pessoas, saber onde moravam, essas coisas. Lembro-me que numa das aulas, com certa timidez lhe perguntei como é que se conversava com Deus, e a resposta jamais foi esquecida:

- A gente conversa com Deus através do coração!

Depois que me mudei para a cidade passei a freqüentar a Cruzada, um grupo de adolescentes católicos dirigido por Dona Lucila Veschi e que se reunia semanalmente no Salão Paroquial. Reuniões nas noites de segunda-feira, missa no domingo pela manhã (tínhamos que usar sobre a camisa branca uma faixa diagonal amarela) e um piquenique por mês na Lajinha.

Em todos esses momentos havia a participação circunspeta do Padre Victorino. Havia no grupo uma pequena disputa interna para atuar como coroinha nas missas de domingo, atividade na qual os irmãos Pio e Mané Bernabé eram quase imbatíveis. Além de chacoalhar as sinetas durante a celebração, o que a gente mais gostava era de subir na torre da igreja para dar corda no relógio da matriz.

Aos domingos ele costumava almoçar com os amigos, organizava um tipo de rodízio para contentar a todos. Muitas vezes fomos companheiros de mesa durante o lauto e tradicional almoço dominical de dona Marleine Seraphim.

A cada vez que saía da cidade para visitar a terra natal levava consigo um pequeno travesseiro recheado com terra recolhida de um dos canteiros de flores da praça. A quem lhe pedia explicação dizia simplesmente que se morresse longe de General Salgado ao menos lhe restaria o consolo de repousar para sempre sobre a terra salgadense.

Viajou à Espanha pela última vez quando completou 80 anos, em 1992, e por uma armadilha do destino, lá caiu doente necessitando longo período de recolhimento. Nunca ocultou, no entanto, o desejo de tornar à terra adotiva e tanto insistiu que foi capaz de reunir forças para a viagem.

Foi recebido com júbilo, carreata e foguetório e todos os salgadenses fizeram questão de demonstrar a saudade e imensa estima para com o bom pároco. O rebanho se regozijou ao rever a figura do esmerado pastor.

Praticamente imobilizado pela fraqueza decorrente da avançada idade e das seqüelas de um derrame, avistei-o pela última vez alguns meses depois do seu retorno, durante a tradicional Quermesse no Largo da Matriz.

Preso à cadeira de rodas ele ainda atentava para aqueles que procuravam estimulá-lo. Nos seus olhos resistia um lastro de entusiasmo e de satisfação por estar entre o povo que tanto amava. Meu pai quis testar-lhe a memória corroída pela debilitada saúde: “O senhor se lembra de mim?”. Levantou com dificuldades a mão direita trêmula apontando para o horizonte e sussurrou:

- Lá do Lambari! – a voz soou tremeluzente.

Remoendo a emoção de revê-lo e de senti-lo vívido, apesar das aparências, rememorei a cena em que ele encarou um pequeno e curioso aluno do catecismo, que aos oito anos de idade queria saber como se comunicar com Deus: “a gente conversa com Deus através do coração!”. Compreendi naquele instante o quanto Deus se comunicara com os salgadenses através do Padre Victorino.

Os ares da terrinha foram capazes de prolongar-lhe a vida por mais cinco anos, até que – por uma estranha coincidência do destino – no dia 6 de agosto de 2000, exato dia em que se comemoravam 45 anos de sua chegada à cidade, os salgadenses deixaram de lado suas atividades comuns para homenagear e conduzir à última morada o homem que empenhou sua vida em favor do povo que Deus lhe confiara. Contava 87 anos de idade.

O Bispo D. Demétrio Valentini fez questão de registrar suas homenagens, anotando que ao levar o Padre Victorino para sua companhia no mesmo dia em que havia chegado a General Salgado, quarenta e cinco anos atrás, Deus colocou, misteriosamente, o selo de sua Providência no testemunho que o amado pároco nos deixou: “a história mostra que é sobre o túmulo dos mártires que foram construídas as igrejas”, disse Dom Demétrio, “a Diocese agradece a Deus a herança que o Padre Victorino nos deixou, como baluarte de fé e testemunho de autenticidade cristã. Sua memória será guardada, com respeito e veneração. O Padre Victorino viverá, para sempre, no coração do povo que ele tanto amou”.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Respeitável Público!

Largo da Praça de Nova Castilho nos anos 70 - Igreja de São José

Criança pequena lá em Nova Castilho tinha poucas opções de diversão: quermesse, festa junina e circo. Nem Parque de Diversões existia. De vez em quando surgia um Circo de Touradas ao qual a gente tinha acesso franqueado porque vovô Braz Firmino emprestava o gado para os toureiros fazerem suas peripécias. Eu gostava do show e também dos nomes dos toureiros: Capa Preta, Parafuso, Terra Roxa...

Na Praça havia um amplo e deserto Largo e ao lado da Igreja a Barraca-Bar, onde eram realizadas as quermesses. Não existia tômbola, bingo, estes jogos de azar pelos quais os participantes teimam a noite toda para ganhar um franguinho assado. Muito menos aquele sujeito gritando no ouvido da gente os números sorteados: "dois machados num pau só: setenta e sete"; "dois patinhos na lagoa: vinte e dois"; "olha o cheiroso: vinte e quatro".

Naquele tempo só havia o leilão e uma disputa entre amigos onde um arrematava a prenda e oferecia ao outro de presente. Logo depois o amigo retribuía o mimo. Em Castilho o locutor da quermesse era Armindo Thomaz, o Doca da Farmácia.

Como não existia Festa do Peão com show musical, a única oportunidade de assistir apresentações de artistas (do disco, do rádio e da televisão, como anunciavam os potentes alto-falantes) era nos circos, e todos, invariavelmente, duplas sertanejas.

Em Nova Castilho assisti pela primeira vez e maravilhado, a minha dupla caipira preferida: Tião Carreiro e Pardinho. Antes do show havia o drama, como eram chamadas as encenações teatrais nas quais os músicos se misturavam aos circenses. A molecada ficava tentando adivinhar qual dos personagens era o cantor.

Mesmo quando me mudei para a cidade os circos ainda eram as grandes atrações para a garotada. Eram montados no Campo de Futebol da Creche ou em frente à Delegacia de Polícia. Neles assisti, pela primeira vez, uma dupla que era a sensação do momento: Milionário e José Rico. No circo lotado parecia que não caberia mais uma única pessoa. Onde um tirava o pé o outro punha.

Havia também o circo do Tony e do Paçoca, o Gran Circo Argentino. A princípio eu não entendia bem por que é que a garotada lotava as matinês e queria voltar à noite com os pais. Depois fiquei sabendo que a maior atração do circo era a bailarina. A garotada babava ao vê-la dançando porque ela era salgadense e casada com o dono do circo.

Contam que Rita Veschi foi - a seu tempo - a moça mais bonita de General Salgado e que o seu casamento com o Tony, dono do Circo Argentino, causou um alvoroço na cidade, dado o desespero dos adolescentes apaixonados por ela que não se conformaram com a perda. A consolação dos chorões era vê-la dançando no circo.

No Circo Argentino certa vez assisti Chitãozinho e Xororó como atores num dramalhão daqueles bem sentimentais e trágicos, tipo novela mexicana. Naquela época ninguém diria que eles chegariam tão longe.

As lutas livres também faziam sucesso e delas participavam mulheres boas de briga. Anunciavam a "Mulher Montanha, a lutadora mais forte da face da terra", e outras gladiadoras com nomes sugestivos e a equipe circense saia pelas ruas convocando os citadinos de coragem a enfrentarem as feras.

Existia um salgadense que encarava tais lutas, o João Gato (João Domingos Ferraz Liebana). Desde moleque era metido a briguento, queria bater em todo mundo, e quando o circo oferecia a chance lá ia ele enfrentar as lutadoras.

Era um grande espetáculo, com parte do público torcendo pelo salgadense e a maioria gritando para que aquele mulherão (literalmente falando) lhe acertasse uns sopapos. No dia seguinte ele adorava sair às ruas para ouvir os comentários sobre a contenda, e quando exibia um olho roxo ou um arranhão no rosto se apressava em justificar:

- Vocês não viram o estrago que eu fiz naquele brutamonte!

A molecada gostava tanto de circo que, encerrada a semana de espetáculos, todos corriam a montar cirquinhos nos quintais, cercados por lençóis e cobertores sorrateiramente emprestados das mães. Meus vizinhos Renato Fantini, Cássio de Vergílio, Celso Cardoso, Élio de Freitas e Serginho Guimarães, eram os mais animados. O ingresso era um determinado número de palitos de fósforo. Na casa do Renato Fantini o circo era mais requintado, com tabuleiros, jogos de argolas e prêmios com balas e chicletes.

De certa feita resolvi eu montar um circo no fundo do quintal de casa. Meu amigo Ivan de Morais era o aluno mais engraçado da minha sala na Escola Ângelo Scarin, contava piadas, fazia imitações, era talentoso.

Convidei-o para fazer um show no meu circo e ele topou. A vizinhança lotou a garagem e, depois das apresentações iniciais colocamos o artista no palco. Ele disparou a contar piadas cabeludas (a assistência era toda menor de doze anos) e minha irmãzinha Cleire (que devia ter uns seis, sete anos) levantou-se de seu lugar com ares de inconformada, subiu no improvisado palco e sapecou de tapas o espevitado Ivan.

Foi um sucesso. A platéia riu muito, soaram palmas e apupos, todos adoraram a cena. No dia seguinte tentamos um repeteco sem êxito, ninguém riu como no dia anterior. Encerrei aí a minha carreira de dono de circo e acredito que o Ivan também abandonou os picadeiros depois daquele dia.

Mas o fato mais engraçado acontecido nos circos salgadenses foi com outro personagem que aprontava muito: Mauro Sérgio Castilho, filho do Vando Castilho.

Existia uma cantora que sempre repetia a mesma música. Era uma música horrível, com um refrão sofrível, que repetia o tempo todo: “Ai que vontade de comer goiaba, ai que vontade de comer goiaba”.

Não mais suportando a renitente melodia, Mauro Sérgio entrou no circo com um embornal a tiracolo e ninguém entendeu o motivo. Quando a cantora chegou ao refrão ele abriu o embornal:

- É goiaba que você quer? Então, toma! - e despejou um saco de goiabas nos pés da moça.

No show do dia seguinte ela mudou o repertório.