“Confete, pedacinho colorido de saudade, ai, ai, ai, ai, ao te ver na fantasia que usei, confete, confesso que chorei; chorei porque lembrei do carnaval que passou, daquela Colombina que comigo brincou, ai, ai, confete, confesso o amor que se acabou”.[1]
Tenho uma incontida saudade dos bailes de carnaval do velho Salgadense Esporte Clube, não só porque ficaram indelevelmente gravados nas várias páginas de lembranças da minha adolescência, mas também porque acredito que os amigos salgadenses que não viveram aquela época jamais terão oportunidade de conhecer e curtir verdadeiros bailes de carnaval como nós o fizemos. Desculpem a imodéstia, é por puro saudosismo.
Hoje em dia o festejo banalizou-se, todo fim de semana tem uma festa parecida com aquela do mês de fevereiro, exceção feita, no caso de nossa cidade, das reuniões dos blocos. No nosso tempo o carnaval era uma festa única, diversificada, o que acontecia nas cinco noites de bailes nos salões do Clube não acontecia no restante do ano, por isso todo mundo procurava aproveitar ao máximo.
O fenecimento dos bailes também fez desaparecer as marchinhas de carnaval, um ritmo que surgiu no Brasil no carnaval carioca de 1920 e que se caracterizou, ao longo dos anos, como a marca registrada dos carnavais brasileiros. Infelizmente, o investimento pesado que as gravadoras multinacionais fizeram na chatíssima música baiana acabou fazendo com que as marchinhas fossem deixadas de lado durante o carnaval.
A verdade é que elas faziam do festejo um evento diferenciado, servindo à crítica, à sátira, à galhofa, consonante ao espírito da alegria reinante. O samba é sentimental, romântico, enquanto a marchinha é viva, crepitante, buliçosa e até mesmo canalha. O samba é poético ou filosófico, a marcha é caricatural, gargalhante e maliciosa. Tanto que o andamento das músicas ou das letras satíricas e atrevidas permitia certa narrativa às aventuras dos foliões.
A fim de alimentar a saudade daqueles que viveram os bons carnavais salgadenses e para tentar mostrar aos demais um pouquinho do que vivemos naquele tempo, especialmente nos nossos primeiros bailes quando ainda nos arrebatavam os anseios adolescentes, vou contar como é que os foliões faziam uso das marchinhas para se divertir e paquerar as moças bonitas do salão.
O baile começava, a noite prometia, e a turma saía de casa cantarolando: “É hoje que eu vou pra farra, ninguém me agarra, eu vou me espalhar, maestro manda aquela brasa, que eu saí de casa pra ver o bumbo furar; mas se o bumbo furar deixa tudo pra mim, eu vou de garrafa, batendo assim...”;[2] e entrava no clube na maior animação, pulando e cantando junto com a banda: “As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar, eu passo a mão no saca, saca, saca-rolha, e bebo até me afogar; se a polícia por isso me prender, mas na última hora me soltar, eu passo a mão no saca, saca, saca-rolha, ninguém me agarra, ninguém me agarra”.[3]
Os rapazes davam umas voltas pelo salão, analisando o ambiente e estudando a situação: “Sa-sassaricando, todo mundo leva a vida no arame, sa-sassaricando, a viúva, o brotinho e a madame, o velho na porta da Colombo é um assombro sassaricando, quem não tem seu sassarico, sassarica mesmo só, porque sem sassaricar, essa vida é um nó...”.[4]
Enquanto o local ia se enchendo de moças bonitas era essencial ir tomando umas cervejas para melhorar a animação: “Caiu na rede é peixe, lê-lê-á, eu não posso bobear, a maré tá cheia, tá-tá-tá-tá-tá, cheia de sereia e o anzol querendo se enfiar”.[5]
E logo depois – mais animados ainda - voltar pulando para o salão: “Se a canoa não virar, olê-olê-olá, eu chego lá; rema, rema, rema, remador, quero ver depressa o meu amor, se eu chegar depois do sol raiar, ela bota outro em meu lugar”.[6]
Assim que localizada a pretendida acontecia a aproximação, aguardando a música certa para sair acompanhando os passos da moça: “Menina você é um doce de coco, tá me deixando louco, tá me deixando louco; brotinho legal, teu rebolado é de babar, o meu carnaval com você é um chuá, chuá”.[7]
É importante lembrar que durante o desenrolar desta musica havia um hábito muito gostoso, os homens se colocavam atrás das moças e segurando-as pela cintura levantavam-nas até a altura da cabeça no exato instante em que se cantava o “chuá-chuá”. Encontrar alguma que topasse a brincadeira era meio caminho andado.
Depois disso o ideal era ficar dançando ao lado da garota, com o braço sobre seus ombros: “Quem sabe, sabe, conhece bem, como é gostoso gostar de alguém; ai morena, deixe eu gostar de você, boêmio sabe beber, boêmio também tem querer”;[8] e esperar a música mais bonita da noite: Máscara Negra, que começava num ritmo mais lento e disparava na frase final:
“Quanto riso, oh! quanta alegria, mais de mil palhaços no salão, Arlequim está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão; foi bom te ver outra vez tá fazendo hoje um ano, foi no carnaval que passou, eu sou aquele Pierrot que te abraçou e te beijou meu amor, a mesma máscara negra que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade; vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval, vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.[9]
Não preciso nem dizer que a frase final tinha que ser coroada com o beijo.
Depois disso, nova corrida até o boteco a fim de tomar mais umas e comemorar: “me dá um gelinho aí, eu tô a cem por hora, se não parar o calor eu jogo a roupa fora, é agora, é agora, que eu jogo a roupa fora...”.[10]
Se a coisa engrenasse ficava tudo numa boa, o par seguia junto pelo resto da noite. Se ficasse só naquele beijo e nada mais, ninguém tinha do que reclamar: “Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim, oh! meu bem não faz assim comigo não, você tem, você tem que me dar seu coração, essa história de gostar de alguém já é mania que as pessoas têm, se me ajudasse Nosso Senhor eu não pensaria mais no amor”.[11]
No meio da multidão podia acontecer de o casal se perder, ele ia para o boteco de novo, ela seguia as amigas até os jardins, mas logo, logo se reencontravam: “Bandeira branca amor, não posso mais, pela saudade que me invade eu peço paz, saudade mal de amor, de amor, saudade dor que dói demais, vem meu amor, bandeira branca eu peço paz”.[12]
E a noite seguindo adiante. O baile se aproximava do final e ninguém queria arredar pé do salão: “se você pensa que cachaça é água, cachaça não é água não, cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão, pode me faltar tudo na vida, arroz, feijão e pão, pode me faltar manteiga e tudo não faz falta não, pode me faltar o amor, isso até acho graça, só não quero que me falte a danada da cachaça”.[13]
Todo mundo pulando sem parar e o calor obrigando a buscar um refresco debaixo das frondosas árvores dos jardins do clube: “Allah-la-ô, ôôô, ôôô, mas que calor ôôô, ôôô, atravessamos o deserto do Saara, o sol estava quente e queimou a nossa cara; viemos do Egito e muitas vezes nós tivemos que rezar, Allah, Allah, Allah, meu bom Allah, mande água pra Ioiô, mande água pra Iaiá, Allah, meu bom Allah”.[14]
Os blocos fantasiados desfilavam animação e luxo pelo salão, durante a noite subiam ao palco para mostrar as fantasias: “Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau, minha galera dos verdes mares não teme o tufão, minha galera só tem garotas na guarnição, por isso se outro pirata, tenta a abordagem eu pego o facão e grito do alto da popa, Opa! homem não!”.[15]
No fim da noite a turma do funil já estava de tanque cheio, mas sem perder o rebolado: “Hei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí; não vai dar, não vai dar não, você vai ver a grande confusão, eu vou beber, beber até cair, me dá, me dá, me dá, oi, me dá um dinheiro aí”.[16]
Uns mais encharcados até rolavam pelo chão: “Foi numa casca de banana que pisei, pisei, escorreguei, quase caí, mas a turma lá de trás gritou, chiii, tem nêgo bêbo aí, tem nêgo bêbo aí”.[17]
Nem as sogras escapavam da brincadeira: “Trocaram o coração da minha sogra, botaram o coração do jacaré, sabe o que aconteceu, a velha se mandou e o jacaré morreu; é, é, é, é, coitado do jacaré, é, é, é, é, coitado do jacaré”.[18]
E tudo seguia na mais perfeita alegria com o clube decorado e enfeitado, circundado de serpentina e colorido de confete. Os foliões sequer pensando em outra coisa que não fosse a festa, a diversão.
Ao final da noite o piston anunciava o encerramento do festejo sob o protesto de todos: “pa-nam, pa-nam, pa-nam, pa-nam, pananananananam...”. Os foliões iam embora descansar e se preparar para a noite seguinte. Era proibido perder uma noite de baile, afinal de contas, tudo tornaria a acontecer de novo apenas dali a um ano.
Dentre vários outros fatores, os blocos salgadenses também foram responsáveis – na minha modesta opinião – pelo esmorecimento dos bailes, segurando os foliões confinados e desmotivando-os a freqüentarem os salões do clube.
É uma pena, pois os bailes permitiam o encontro, o congraçamento de todos, independentemente da facção carnavalesca.
Tenho certeza que muita gente gosta do carnaval como ele é hoje e nós, saudosistas, temos que recordar e sentir muita saudade daqueles tempos em que passávamos cinco noites de verdadeira festa e animação, salpicados de pedacinhos coloridos, pedacinhos que hoje se transformaram, mais do que nunca, numa gostosa saudade.
“Recordar é viver, eu ontem sonhei com você; eu sonhei meu grande amor, que você foi embora, logo depois voltou...”.[19]
[1] CONFETE (David Nasser/Jota Jr.)
[2] DIG DIM DIM (Vicente Longo/Waldemar Camargo)
[3] SACA-ROLHA (Zé da Zilda/Zilda do Zé/Waldir Machado)
[4] SASSARICANDO (Luiz Antonio/Zé Mário/O. Magalhães)
[5] CAIU NA REDE (Rubens Campos)
[6] MARCHA DO REMADOR (Antonio Almeida)
[7] DOCE DE CÔCO (V. Longo/Waldemar Camargo)
[8] QUEM SABE, SABE (J. Sandoval/Carvalhinho)
[9] MÁSCARA NEGRA (Zé Kéti)
[10] GELINHO (Manoel Ferreira/Ruth Amaral)
[11] TA-HI (Joubert de Carvalho)
[12] BANDEIRA BRANCA (Max Nunes/Laércio Alves)
[13] CACHAÇA (Mirabeau/L. de Castro/H. Lobato)
[14] ALÁ-LA-Ô (Nássara/Haroldo Lobo)
[15] PIRATA DA PERNA-DE-PAU (Braguinha)
[16] ME DÁ UM DINHEIRO AÍ (Homero, Ivan e Glauco Ferreira)
[17] TEM NÊGO BEBO AÍ (Mirabeau/Ayrton Amorim)
[18] CORAÇÃO DE JACARÉ (J. Nunes/Dom Jorge)
[19] RECORDAR (Aldacir Louro/A. Macedo/A. Martins)
Tenho uma incontida saudade dos bailes de carnaval do velho Salgadense Esporte Clube, não só porque ficaram indelevelmente gravados nas várias páginas de lembranças da minha adolescência, mas também porque acredito que os amigos salgadenses que não viveram aquela época jamais terão oportunidade de conhecer e curtir verdadeiros bailes de carnaval como nós o fizemos. Desculpem a imodéstia, é por puro saudosismo.
Hoje em dia o festejo banalizou-se, todo fim de semana tem uma festa parecida com aquela do mês de fevereiro, exceção feita, no caso de nossa cidade, das reuniões dos blocos. No nosso tempo o carnaval era uma festa única, diversificada, o que acontecia nas cinco noites de bailes nos salões do Clube não acontecia no restante do ano, por isso todo mundo procurava aproveitar ao máximo.
O fenecimento dos bailes também fez desaparecer as marchinhas de carnaval, um ritmo que surgiu no Brasil no carnaval carioca de 1920 e que se caracterizou, ao longo dos anos, como a marca registrada dos carnavais brasileiros. Infelizmente, o investimento pesado que as gravadoras multinacionais fizeram na chatíssima música baiana acabou fazendo com que as marchinhas fossem deixadas de lado durante o carnaval.
A verdade é que elas faziam do festejo um evento diferenciado, servindo à crítica, à sátira, à galhofa, consonante ao espírito da alegria reinante. O samba é sentimental, romântico, enquanto a marchinha é viva, crepitante, buliçosa e até mesmo canalha. O samba é poético ou filosófico, a marcha é caricatural, gargalhante e maliciosa. Tanto que o andamento das músicas ou das letras satíricas e atrevidas permitia certa narrativa às aventuras dos foliões.
A fim de alimentar a saudade daqueles que viveram os bons carnavais salgadenses e para tentar mostrar aos demais um pouquinho do que vivemos naquele tempo, especialmente nos nossos primeiros bailes quando ainda nos arrebatavam os anseios adolescentes, vou contar como é que os foliões faziam uso das marchinhas para se divertir e paquerar as moças bonitas do salão.
O baile começava, a noite prometia, e a turma saía de casa cantarolando: “É hoje que eu vou pra farra, ninguém me agarra, eu vou me espalhar, maestro manda aquela brasa, que eu saí de casa pra ver o bumbo furar; mas se o bumbo furar deixa tudo pra mim, eu vou de garrafa, batendo assim...”;[2] e entrava no clube na maior animação, pulando e cantando junto com a banda: “As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar, eu passo a mão no saca, saca, saca-rolha, e bebo até me afogar; se a polícia por isso me prender, mas na última hora me soltar, eu passo a mão no saca, saca, saca-rolha, ninguém me agarra, ninguém me agarra”.[3]
Os rapazes davam umas voltas pelo salão, analisando o ambiente e estudando a situação: “Sa-sassaricando, todo mundo leva a vida no arame, sa-sassaricando, a viúva, o brotinho e a madame, o velho na porta da Colombo é um assombro sassaricando, quem não tem seu sassarico, sassarica mesmo só, porque sem sassaricar, essa vida é um nó...”.[4]
Enquanto o local ia se enchendo de moças bonitas era essencial ir tomando umas cervejas para melhorar a animação: “Caiu na rede é peixe, lê-lê-á, eu não posso bobear, a maré tá cheia, tá-tá-tá-tá-tá, cheia de sereia e o anzol querendo se enfiar”.[5]
E logo depois – mais animados ainda - voltar pulando para o salão: “Se a canoa não virar, olê-olê-olá, eu chego lá; rema, rema, rema, remador, quero ver depressa o meu amor, se eu chegar depois do sol raiar, ela bota outro em meu lugar”.[6]
Assim que localizada a pretendida acontecia a aproximação, aguardando a música certa para sair acompanhando os passos da moça: “Menina você é um doce de coco, tá me deixando louco, tá me deixando louco; brotinho legal, teu rebolado é de babar, o meu carnaval com você é um chuá, chuá”.[7]
É importante lembrar que durante o desenrolar desta musica havia um hábito muito gostoso, os homens se colocavam atrás das moças e segurando-as pela cintura levantavam-nas até a altura da cabeça no exato instante em que se cantava o “chuá-chuá”. Encontrar alguma que topasse a brincadeira era meio caminho andado.
Depois disso o ideal era ficar dançando ao lado da garota, com o braço sobre seus ombros: “Quem sabe, sabe, conhece bem, como é gostoso gostar de alguém; ai morena, deixe eu gostar de você, boêmio sabe beber, boêmio também tem querer”;[8] e esperar a música mais bonita da noite: Máscara Negra, que começava num ritmo mais lento e disparava na frase final:
“Quanto riso, oh! quanta alegria, mais de mil palhaços no salão, Arlequim está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão; foi bom te ver outra vez tá fazendo hoje um ano, foi no carnaval que passou, eu sou aquele Pierrot que te abraçou e te beijou meu amor, a mesma máscara negra que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade; vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval, vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.[9]
Não preciso nem dizer que a frase final tinha que ser coroada com o beijo.
Depois disso, nova corrida até o boteco a fim de tomar mais umas e comemorar: “me dá um gelinho aí, eu tô a cem por hora, se não parar o calor eu jogo a roupa fora, é agora, é agora, que eu jogo a roupa fora...”.[10]
Se a coisa engrenasse ficava tudo numa boa, o par seguia junto pelo resto da noite. Se ficasse só naquele beijo e nada mais, ninguém tinha do que reclamar: “Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim, oh! meu bem não faz assim comigo não, você tem, você tem que me dar seu coração, essa história de gostar de alguém já é mania que as pessoas têm, se me ajudasse Nosso Senhor eu não pensaria mais no amor”.[11]
No meio da multidão podia acontecer de o casal se perder, ele ia para o boteco de novo, ela seguia as amigas até os jardins, mas logo, logo se reencontravam: “Bandeira branca amor, não posso mais, pela saudade que me invade eu peço paz, saudade mal de amor, de amor, saudade dor que dói demais, vem meu amor, bandeira branca eu peço paz”.[12]
E a noite seguindo adiante. O baile se aproximava do final e ninguém queria arredar pé do salão: “se você pensa que cachaça é água, cachaça não é água não, cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão, pode me faltar tudo na vida, arroz, feijão e pão, pode me faltar manteiga e tudo não faz falta não, pode me faltar o amor, isso até acho graça, só não quero que me falte a danada da cachaça”.[13]
Todo mundo pulando sem parar e o calor obrigando a buscar um refresco debaixo das frondosas árvores dos jardins do clube: “Allah-la-ô, ôôô, ôôô, mas que calor ôôô, ôôô, atravessamos o deserto do Saara, o sol estava quente e queimou a nossa cara; viemos do Egito e muitas vezes nós tivemos que rezar, Allah, Allah, Allah, meu bom Allah, mande água pra Ioiô, mande água pra Iaiá, Allah, meu bom Allah”.[14]
Os blocos fantasiados desfilavam animação e luxo pelo salão, durante a noite subiam ao palco para mostrar as fantasias: “Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau, minha galera dos verdes mares não teme o tufão, minha galera só tem garotas na guarnição, por isso se outro pirata, tenta a abordagem eu pego o facão e grito do alto da popa, Opa! homem não!”.[15]
No fim da noite a turma do funil já estava de tanque cheio, mas sem perder o rebolado: “Hei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí; não vai dar, não vai dar não, você vai ver a grande confusão, eu vou beber, beber até cair, me dá, me dá, me dá, oi, me dá um dinheiro aí”.[16]
Uns mais encharcados até rolavam pelo chão: “Foi numa casca de banana que pisei, pisei, escorreguei, quase caí, mas a turma lá de trás gritou, chiii, tem nêgo bêbo aí, tem nêgo bêbo aí”.[17]
Nem as sogras escapavam da brincadeira: “Trocaram o coração da minha sogra, botaram o coração do jacaré, sabe o que aconteceu, a velha se mandou e o jacaré morreu; é, é, é, é, coitado do jacaré, é, é, é, é, coitado do jacaré”.[18]
E tudo seguia na mais perfeita alegria com o clube decorado e enfeitado, circundado de serpentina e colorido de confete. Os foliões sequer pensando em outra coisa que não fosse a festa, a diversão.
Ao final da noite o piston anunciava o encerramento do festejo sob o protesto de todos: “pa-nam, pa-nam, pa-nam, pa-nam, pananananananam...”. Os foliões iam embora descansar e se preparar para a noite seguinte. Era proibido perder uma noite de baile, afinal de contas, tudo tornaria a acontecer de novo apenas dali a um ano.
Dentre vários outros fatores, os blocos salgadenses também foram responsáveis – na minha modesta opinião – pelo esmorecimento dos bailes, segurando os foliões confinados e desmotivando-os a freqüentarem os salões do clube.
É uma pena, pois os bailes permitiam o encontro, o congraçamento de todos, independentemente da facção carnavalesca.
Tenho certeza que muita gente gosta do carnaval como ele é hoje e nós, saudosistas, temos que recordar e sentir muita saudade daqueles tempos em que passávamos cinco noites de verdadeira festa e animação, salpicados de pedacinhos coloridos, pedacinhos que hoje se transformaram, mais do que nunca, numa gostosa saudade.
“Recordar é viver, eu ontem sonhei com você; eu sonhei meu grande amor, que você foi embora, logo depois voltou...”.[19]
[1] CONFETE (David Nasser/Jota Jr.)
[2] DIG DIM DIM (Vicente Longo/Waldemar Camargo)
[3] SACA-ROLHA (Zé da Zilda/Zilda do Zé/Waldir Machado)
[4] SASSARICANDO (Luiz Antonio/Zé Mário/O. Magalhães)
[5] CAIU NA REDE (Rubens Campos)
[6] MARCHA DO REMADOR (Antonio Almeida)
[7] DOCE DE CÔCO (V. Longo/Waldemar Camargo)
[8] QUEM SABE, SABE (J. Sandoval/Carvalhinho)
[9] MÁSCARA NEGRA (Zé Kéti)
[10] GELINHO (Manoel Ferreira/Ruth Amaral)
[11] TA-HI (Joubert de Carvalho)
[12] BANDEIRA BRANCA (Max Nunes/Laércio Alves)
[13] CACHAÇA (Mirabeau/L. de Castro/H. Lobato)
[14] ALÁ-LA-Ô (Nássara/Haroldo Lobo)
[15] PIRATA DA PERNA-DE-PAU (Braguinha)
[16] ME DÁ UM DINHEIRO AÍ (Homero, Ivan e Glauco Ferreira)
[17] TEM NÊGO BEBO AÍ (Mirabeau/Ayrton Amorim)
[18] CORAÇÃO DE JACARÉ (J. Nunes/Dom Jorge)
[19] RECORDAR (Aldacir Louro/A. Macedo/A. Martins)