segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Seu Nicola

Depois de algum tempo tentando ser Policial Militar Rodoviário (a sua exclusão da corporação até hoje é uma história mal contada), o salgadense José Giamatei - o famoso Jaburu - decidiu mudar de rumos.

Dividia um apartamento na capital paulista com o primo Pedrinho Giamatei, o amigo Cabo Onório (José Olimpío de Moraes) e um outro amigo de Nova Luzitânia, apelidado de Cabajá.

Certo dia lhe caiu às mãos um livro sobre medicina veterinária e uma luz se acendeu. Decidiu retornar à terrinha e abrir uma revenda de produtos veterinários, mesmo sem um mínimo de noção sobre o assunto.

Montado o estabelecimento, encontrou no amigo Orlando Ascêncio a solução para os seus problemas. Orlando entendia tudo e mais um pouco sobre o tema, mesmo sendo igualmente leigo. Tinha apenas experiência, mas, naquele tempo, era como ter um olho em terra de cego.

A Loja Veterinária do Jaburu passou a ser o ponto de encontro diário de seus amigos, dali partiam para muitas festas. De vez em quando seu Nicola Giamatei, pai do proprietário e um dos italianos do Córrego do Gabriel, auxiliava nos serviços. A turma adorava pegar no seu pé.

Avançado na idade e avesso aos negócios do filho, Nicola não entendia nada do funcionamento da loja, mas ficava ali o dia inteiro fazendo de conta que auxiliava o Orlando na administração do estabelecimento, quando o Zezinho (era assim que ele chamava o filho) sumia no mundo com aquela turma de baderneiro.

Certa vez Jaburu viajou para a capital sem avisar a ninguém e de lá telefonou para a loja a fim de comunicar a família. Nicola atendeu e sequer reconheceu que falava com o filho:

- Pai, eu tô em São Paulo, avisa o Orlando que eu só volto depois de amanhã!

- Olha aqui rapaz – respondia com forte sotaque italiano – você tá querendo me enganar, o Zezinho não tá em São Paulo coisa nenhuma viu?

Jaburu teve que ligar mais umas três vezes até conseguir falar diretamente com o Orlando, pois seu Nicola sempre que atendia desligava o telefone depois de xingá-lo em altos brados:

- Você não tem vergonha de ficar passando trote nos outros ô rapaz? Vá encher o saco pra lá!

Noutro dia entrou na loja um freguês procurando o dono. Nicola sentado em cima de uma pilha de sal bovino matutava sobre a vida, mas prestou atenção na conversa do cliente:

- Seu Nicola, eu preciso de sal branco para o gado.

- Olha rapaz, eu não sei se tem. É melhor você perguntar pro Zezinho. É só ele que sabe dessas coisas aí!

Braço direito de Jaburu e mais entendido nos assuntos de veterinária do que muito profissional estudado, Orlando Ascêncio adorava aprontar com o coitado do Nicola.

Um dia pegou uma camionete C-10 do Jaburu para fazer um serviço pelas bandas de São Luiz do Japiúba e demorou a voltar. Quando entrou na loja foi inquirido pelo italiano sobre o atraso, pois o patrão estava lhe procurando. Orlando apontou para a camionete e disse muito sério:

- Nicola, eu quase morri no caminho. Peguei uma chuva tão forte, mas tão forte, que a caçamba da camionete foi enchendo de água, enchendo de água e começou a derramar pelas beiradas. Conforme eu andava a caçamba pesava e a camionete dançava na pista. Quase bati de frente com um caminhão!

Crente na história, Nicola ficou muito preocupado. Assim que Jaburu pôs os pés na loja correu em sua direção:

- Zezinho, tem que mandar fazer uns furos na caçamba da camioneta porque hoje ela encheu d’água e o Orlando quase sofreu um acidente!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Conquistador

Durante o tempo em que eu e Pedrinho Arruda moramos em Araçatuba, era comum recebermos os amigos de Salgado e levá-los para bares, boates e outros festejos. Quase sempre nestas ocasiões nos acompanhava o amigo Carlos Righi (Negão), outro salgadense de Nova Castilho que há muito vive por lá.

Uma noite levamos uma turma para um barzinho movimentado, mulheres bonitas escorregando pelas beiradas. No meio tinha um salgadense tido como conquistador, moleque novo, porém provinciano, nunca tinha ido a uma festa daquele tipo. Ficou fascinado com a quantidade e principalmente com a beleza das mulheres.

A noite foi passando e ele não tomava coragem de chegar, de se apresentar às garotas, ou, quando isso acontecia, a conversa não rolava, não engrenava e ele ficava sozinho.

No final da noite reclamou aos amigos dizendo que as mulheres de Araçatuba eram muito difíceis, não tinha conseguido nada com ninguém. Pedrinho explicou-lhe por que:

- Aqui não adianta você dizer a elas que é filho do Fulano ou convidá-las pra darem uma voltinha na sua camioneta nova! Tem que conversar, mostrar serviço...

De outra vez fazia parte do grupo o nosso saudoso Marcelo Pereira, o famoso "Instalação" (aliás, de onde será que surgiu esse apelido?), que era meu parente. Nossas bisavós maternas eram irmãs, os maridos eram primos: Firmino e Norberto Marques. Tudo cria de Nova Castilho.

Vítima de trágico acidente automobilístico ocorrido há alguns anos, Marcelo foi embora deixando um lastro de amigos e admiradores de sua personalidade amistosa e festiva.

O grupo saiu na noite araçatubense com destino a um bar com som ao vivo, que depois da meia-noite se transformava em festa dançante. Marcelo era daqueles que bebia a noite toda e pouco falava, talvez para destoar um pouco de alguns familiares, faladores por excelência. Sua tia Dalira Marques, por exemplo, é daquelas que vai emendando um assunto atrás do outro e não para mais.

Taciturno, circunspeto, tinha mania de ficar observando o ambiente e sorvendo todas. Talvez por um pouco de timidez, ou algum tipo de efeito inibidor produzido pela cachaça. Depois de certa quantidade de bebida (muita, aliás!) não falava mais nada!

No meio da festa dançante formaram uma rodinha com outras pessoas, mulheres inclusive. De repente ele se interessou por uma garota muito bonita e atraente, pediu para ser apresentado e ficou ali do lado dela, fazendo de conta que dançava, bebendo e tentando puxar conversa.

Mas o assunto não vinha, a moça não dava trela, respondia com monossílabos e ele adotou outra tática. Aproximou-se devagarzinho e disfarçadamente colocou a mão no ombro dela, tentando fazê-la dançar com ele. Enquanto isso, mais bebida e uns passos que ele acreditava fossem de dança. A moça, de forma educada e com um sorriso, retirou a mão boba do seu ombro, mas permaneceu ali do lado.

Mais alguns minutos e lá estava de novo a mão do Marcelo no ombro da moça, sem uma única palavra de justificativa. Outra vez delicadamente, ela afastou do seu pescoço o braço do conquistador calado. Pouco depois lá vinha outro abraço.

Depois de quinta ou sexta vez ela não agüentou, chamou o Pedrinho de lado e anunciou:

- Esse seu amigo parece um polvo!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Memória 29 (Nova Palmira 1958)

Nova Palmira (1958) - Fazenda de Guilherme Zoccal
Time que representava Nova Palmira.
Em pé: Alcino Francisco (treinador), Domingos de Almeida, Valdo Aleixo, Toni Aleixo, Agostinho de Almeida, Mercides Santana, e goleiro (não identificado).
Agachados: Zezão Amaral, Quinca, Lino Marcondes, Ademázio de Almeida e Sinhozinho.
Quem conhecer os dois não identificados, favor mandar um e-mail para o nosso embornal.
Atualização em 07.11.2009: Domingos de Almeida reconheceu o zagueiro Mercides.
(foto: Álbum de Lourdes Rodrigues Ferreira)

Receita de Felicidade

No início dos anos 60, tio Ademázio de Almeida arreou um matungo na beira do Córrego do Lajeado e foi parar em Cassilândia, às margens do Rio Aporé, que divide o Estado de Goiás com o atual Estado de Mato Grosso do Sul. Casou-se e fincou os pés no lugar.

Quando moço em General Salgado, Ademázio foi jogador de futebol dos mais habilidosos e clássicos. Atraía o marcador para a beira do gramado, dominava a bola e avisava a alguma moça bonita que assistia ao jogo nas proximidades:

- Esse drible é pra você!

E saia fintando toda a defesa adversária. Depois de concluída a jogada ainda voltava e perguntava à moça se tinha gostado. Os times da região, Major Prado, Fazenda Almeida Prado, Frigorífico T. Maia, Nova Castilho, concorriam para convencê-lo a disputar os campeonatos amadores da época.

Em 1984 eu cursava o segundo ano da Faculdade de Direito de Araçatuba quando resolvi visitá-lo em Cassilândia, durante a Festa do Peão. Naquele tempo o rodeio era à tarde, hábito da época em que a cidade não tinha luz elétrica.

De noite só havia agito: festa, cachaça, mulher bonita, paquera, namoro e show de música caipira (ainda estávamos livres desse romantismo popularesco, rançoso e imbecil que tomou conta da música sertaneja).

Foram praticamente quatro dias em claro, pois as festas se emendavam e eu queria aproveitar todas.

No terceiro ou quarto dia da festa fomos almoçar num restaurante próximo ao recinto, uma comidinha caseira daquelas que não se dispensa. Na mesa ao lado observei um senhor avançado nos anos, aparentando mais de 60 anos, acompanhado de uma morena muito bonita e vistosa, pouco mais de 20 anos.

Terminado o almoço tio Ademázio me conduziu às proximidades da mesa do casal e dirigiu-se ao velho:

- Seu João, quero lhe apresentar meu sobrinho, filho do Domingos. O senhor conheceu o pai dele moço ainda!

Ele me cumprimentou e indicou a mocinha ao lado:

- Esta é minha esposa!

Na década de 1960, meu avô Álvaro Rodrigues de Almeida formava uma comitiva de peões em General Salgado e ia comprar gado no Mato Grosso; dessas viagens surgiu a amizade com o seu João que me estava sendo apresentado.

Mas havia alguma coisa diferente no ar - eu suspeitava - e então tio Ademázio me esclareceu que o seu João estava em lua-de-mel, havia recentemente se casado com a moça, uns 40 anos mais nova.

Disfarçadamente me deu um cutucão com a ponta do cotovelo e perguntou para o amigo:

- E aí seu João, como é que vai o casamento?

O velho soltou uma gaitada, manteve o sorriso e, sem atentar para o olhar de timidez da esposa, deu a receita da felicidade:

- Êêê Damázio, 32 dias de casado, 28 metida!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Memória 28 (Bloco das Piranhas)

Bloco das Piranhas 2007 - Os salgadenses lotam a Avenida Diogo Garcia para assistir ao show do Bloco das Piranhas
Que espetáculo!


Piranhas 2007 - O bloco mais animado do carnaval salgadense
(fotos: André de Lima - Jornal A Gazeta da Região)

Bloco das Piranhas

Na década de 1970 quase não havia brincadeiras de rua durante o carnaval salgadense. Os foliões preferiam festejar apenas nos salões do Salgadense Esporte Clube.

De vez em quando a turma do Zé do Braz e do Jaburu inventava alguma coisa, como num ano em que construíram um boneco de boi, tipo bumba-meu-boi, e saíram pelas ruas chifrando os transeuntes.

No início dos anos 80, um grupo de amigos liderado por Pote e Batata Bernabé começou a se vestir de mulher para brincar no meio da rua. A cada ano o cordão aumentava um pouco mais, mas não tinha dia e horário certos, saíam no começo da noite e emendavam a festa nos salões do clube.

Para tentar animar a segunda-feira, que sempre foi o dia mais desanimado do carnaval, em 1983 os foliões dos blocos Maluko e Tô-Que-Tô decidiram ingressar no grupo, fazendo surgir o Bloco das Piranhas, que ao longo desses anos todos, tornou-se o mais famoso evento do carnaval salgadense.

Naquele ano decidiu-se que o bloco sairia todos os anos por volta das 17:00 horas da segunda-feira, e que qualquer folião poderia dele participar, sem a necessidade de estar filiado a algum bloco.

A bateria do Tô-Que-Tô assumiu a batucada e as mulheres foram convocadas para maquiar os foliões. Nesse mesmo ano o bloco ganhou uma madrinha, que sempre foi chamada de Rainha das Piranhas: o folião José Antonio Pereira da Silva, o famoso Pitanga.

Como a grana de todo mundo era muito curta, e aproveitando que naquele horário o comércio ainda se achava de portas abertas, decidimos “invadir” os bares pedindo a doação de bebidas.

A maioria dos comerciantes entendeu a brincadeira e passou a contribuir com o bloco doando litros de Conhaque Presidente, Cinzano ou Martini.

Aqueles amigos que não tinham coragem de ingressar no grupo e ficavam meio de lado observando, passaram a ser sistematicamente perseguidos pelas piranhas, que para incentivá-los a aderirem ao grupo, enchiam o medroso de abraços e beijos lambuzados de batom.

Nos primeiros anos o grupo dava umas duas voltas na praça e depois se dispersava. Durante alguns anos o encerramento aconteceu com um jogo de futebol entre as piranhas.

Em 1987 fizemos uma passarela com as mesas do Bar Pereka´s, do amigo Eduardo Fernandes, e as piranhas tinham que fazer strip-tease para o público.

Nesse ano aconteceu um pequeno incidente. O Pitanga escorregou na passarela e no tombo bateu a cabeça na quina de uma mesa. Eu e o Marcelo Cruzeiro (Tiela) imediatamente prestamos socorro e o levamos à Santa Casa. Para nossa surpresa, não havia médico de plantão, apenas duas enfermeiras.

Inconformados com a falta de médico e assustados com o tamanho do corte que o Pitanga trazia na testa, pressionamos as enfermeiras para que dessem um jeito. Uma delas começou então a suturar o ferimento, com muita dificuldade.

Vendo a falta de jeito da moça, que não conseguia perfurar as bordas do ferimento com a agulha, o que só fazia aumentar o sofrimento do coitado do Pitanga, Marcelo tomou a ferramenta da mão da enfermeira e me pediu para segurar a cabeça do ferido.

As enfermeiras não acreditavam naquilo que assistiam: dois sujeitos de sunga (já tínhamos deixado as fantasias para trás), aparentemente embriagados (não era aparentemente, era profundamente), costurando a testa de um outro mais bêbado ainda.

Garanto que o serviço foi de primeira. Quem olhar para a cicatriz na testa do Pitanga vai pensar que o Tiela fez medicina.

Em 1992 apareceu um carro de som para acompanhar o bloco, e alguém teve a idéia de apresentar o show. Em 1998 o bloco fez um desfile especial para comemorar 15 anos de existência e me convidaram para contar, no palco, a história do grupo. A partir daí me tornei o narrador oficial do evento, com muita honra.

A cada ano o bloco se renova, mas muita gente dos primeiros tempos ainda continua. Com o advento do carnaval de rua e o imenso palco montado defronte a Praça da Matriz, a segunda-feira passou a ser o dia mais esperado do carnaval salgadense. Às cinco da tarde a arquibancada está lotada e a rua entupida de gente, que já dá início ao festejo esperando as piranhas.

Em todos esses anos, aconteceram muitas histórias engraçadas.

Na época em que o Salão de Beleza mais freqüentado da cidade era o de dona Alivina, as piranhas gostavam de lá entrar e pedir atendimento.

Num dos primeiros anos, após ganhar uns litros de conhaque dos comerciantes, uma piranha mais embriagada que as outras entrou num açougue e gritou:

- Queremos lingüiça!

A partir daí, além de gritar conhaque, os foliões também passaram a pedir lingüiça na porta dos açougues da cidade.

Mas o grito de guerra da turma, até hoje, é em homenagem ao Pitanga:

- Inha, inha, inha, Pitanga é a Rainha!

Mas a situação mais engraçada aconteceu com um amigo que eu trouxe de Araçatuba, o Jamil Mansur.

Em 1992 ainda não existia palco, apenas uma aparelhagem de som montada sobre uma carreta de trator, estacionada na esquina da Avenida Diogo Garcia com a Rua José Desidério.

Ao final do desfile, o apresentador da época (infelizmente não me recordo quem era), passou a entrevistar as piranhas. Quando foi entrevistar o Jamil, ele tomou o microfone da mão do repórter e assumiu o show.

Com uma peruca ruiva, saia cor-de-rosa e blusa azul, totalmente embriagado, Jamil passou a usar o microfone para dar uma aula de sexo oral para as outras piranhas.

O pessoal precisou se sentar no meio da rua para dar risada, de tão engraçada foi a cena.

Na tarde do dia seguinte fomos convidados por Alessandra e Paula Mendonça para tomar lanche na casa delas. Estava todo mundo esparramado na sala curtindo a ressaca e assistindo televisão, quando alguém apareceu com uma fita de vídeo e colocou para rodar. Era o vídeo do desfile.

Conosco na sala estavam dona Alexandrina e seu Toninho Mendonça, que ficaram assistindo as peripécias das piranhas, dando muita risada. De repente, surge na tela o Jamil dando aula de sexo oral com o microfone.

Olhei de lado e ele tinha se escondido atrás do sofá, de tanta vergonha.

Memória 27 - Piranhas

Bloco das Piranhas - 1992

1993

2006
OBS: Sem legendas, porque eu não sou louco de dar nome às donzelas!
(fotos: Álbum do blogueiro)