segunda-feira, 30 de junho de 2008

Memória 47 (Escolinha de Futebol)

Escolinha de Futebol (1990) - Claudinho Romero, Ricardo Varnier, Gilmar Prado Junior, Samuel de Oliveira, Carlinhos Prado, Guto Alves e Israel Marques Junior.
Agachados: Evandro Santana, Gustavo Prado, Renan Varnier, Rick Marques, Lucas Prado, Silvio Junior e Vagninho Lopes.
(foto: Álbum de Lucas Prado)

Família Forense

Aos doze anos de idade, depois de trabalhar uns seis meses no Escritório Presidente sem ganhar praticamente nada, incentivado pelo amigo Mineirinho (Oswaldo Marques Júnior) resolvi pedir emprego no Fórum, para o José Santana Rodrigues, Escrivão do 2º Ofício. Gentilmente ele me explicou que não havia a vaga pretendida.

Eu saía desanimado pela porta afora quando o Mineirinho - que trabalhava no 2º Ofício - me alcançou. Entramos no Cartório do Registro Civil para conversar, sentados numas poltronas grandes que ficavam quase escondidas atrás da porta.

Nisso apareceu o Escrivão do Cartório, Sr. Hésio de Carvalho, e o Mineiro arriscou perguntar se ele não estava precisando de um auxiliar. Ele disse:

- Eu estava precisando, mas hoje arrumei um rapaz que vai começar semana que vem. Eu preferia um mais novo, pra fazer serviço de Banco, Coletoria, mas agora já arrumei outro.

Aí o Mineirinho - político desde criancinha - me apresentou e o foi convencendo a dispensar o rapaz e me contratar. Dez minutos depois eu estava contratado para começar no dia seguinte, e o Sandro Castilho, coitado, perdeu o emprego sem ter trabalhado um dia sequer.

No dia seguinte entrei no ambiente forense e de lá nunca mais saí. Como bem disse o baiano Caetano Veloso, “eu pus os meus pés num riacho e acho que nunca os tirei...”.

Já se vão mais de trinta anos entre o Cartório de Registro Civil de General Salgado, o Terceiro Ofício de Justiça de Araçatuba, e a advocacia, divididos entre Araçatuba e Chapadão do Sul (MS).

Devo ao dileto amigo Mineirinho e sua matreirice, seu poder de convencimento, o emprego mais importante da minha vida, pois me orientou em tudo o mais que comigo aconteceu profissionalmente.

Além dessa, tenho outras dívidas de gratidão que jamais serão pagas senão com a força da amizade, a eterna prontidão dos amigos, o carinho e o reconhecimento para com aqueles que nos são caros. A família forense de General Salgado me acolheu, orientou e incentivou. O Sr. Hésio foi quem pela primeira vez me disse que eu deveria buscar a carreira jurídica. Até então eu sonhava em ser jornalista.

Outros importantes incentivos vieram do Sr. Antonio Maron, um doce de gente, a quem eu sempre recorria em minhas dúvidas, minhas incursões pelas coisas do Cartório. Seu Maron, como o chamávamos, era o decano do Fórum, mesmo depois de aposentado trabalhou por muitos anos no Cartório do 1º Ofício, que legara ao filho Pedro, outro dos meus instrutores. Seu nome hoje ilustra o Salão do Júri, apesar de que, para mim, deveria estar no pórtico de entrada, nominando todo o prédio.

Espero um dia poder homenageá-lo daquela Tribuna da Defesa, a mesma que alimentou um dia, em meus sonhos de adolescente, a vontade de exercer a advocacia, e que conheci brilhantemente ocupada pelos Drs. Nelson Seraphim e Adaltio José João, cujos nomes também estão gravados para sempre na história da cidade.

Luizão Desidério carregou nas costas por muitos anos o 2º Ofício de Justiça. Estou para conhecer outro mais esforçado: morava no sítio, levantava muito cedo, tirava leite, labutava o dia todo no Cartório, à tarde montava no ônibus que o levava à Faculdade de Araçatuba, da qual retornava só no início da madrugada do dia seguinte.

O estimado e saudoso Dr. Waldemar Castilho (Dema) também muito me ajudou. Sabedor que o meu salário no Cartório não era grande coisa, apesar de que eu fazia de tudo, inclusive casamentos, sob as vistas do meu chefe ele convidava:

- Você não quer ir trabalhar comigo? Eu te pago o dobro!

Eu ficava de pensar, coisa e tal. Dias depois seu Hésio aumentava o meu salário, com medo de ficar sem funcionário. Lógico que a oferta do Dema tinha o único objetivo de provocar o aumento, incutindo no patrão o medo de perder o empregado.

De vez em quando o Sr. Melentino Cardoso, que era Juiz de Paz, aparecia no Cartório durante a semana pra verificar os casamentos futuros. Nestas ocasiões eu fazia de tudo para reuni-lo ao seu Maron, pois os dois sabiam (e haviam vivido) muitas histórias engraçadas. Lembro-me de uma muito boa:

Os dois celebravam um casamento e a noiva ia adotar o sobrenome do marido, que era Pinto. A moça assinou o nome de solteira e foi avisada pelo Escrivão:

- Está faltando o Pinto!

Ela verificou que havia ficado um espaço muito pequeno na linha e perguntou:

- Será que cabe aqui?

E o Melentino, olhando sério para o noivo arrematou:

- Não é tão grande assim né!?

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Memória 46 (Anos 80)

Anos 80 - Birolinho, Aninha Sbroggio, Andréa Bacalá, Regina Cervantes, Mané Bernabé, Gappa, Kika, Valéria Matos, Miriam Carvalho, Zé Antonio Fernandes, Mila Garcia e Ademir Fantini.
Fila de baixo: Eliana Marques, Alzirinha Castilho, Marcelo Cruzeiro, Cristiane Neves, Heloísa, Lucien Fernandes, Verinha Iannela, Vania Mendonça, (criança não identificada), Silvana Javarez, Rosângela Matos, Nera, Silvana Zafalon e Pereca.
Auxílie na identificação dos demais: mande um e-mail pro nosso embornal.
Atualização: a criança no colo de Silvana Javarez é Jaqueline Costa.
(foto: Álbum de Marcelo Cruzeiro, que também ajudou na identificação da turma)

Na Era do Rádio

Sempre tive fascinação por rádio. Quando criança adorava os programas de música caipira das Rádios Record e Globo. Cada dupla tinha um dia da semana para se apresentar. Era tudo ao vivo.

Na rádio Record tinha o programa Sertanejo Classe A, apresentado pelos locutores Zé Russo e Zé Béttio. As duplas de sucesso se revezavam diariamente: Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Liu e Léu, Pedro Bento e Zé da Estrada, Zé Fortuna e Pitangueira.

O sanfoneiro Zé Béttio apresentava um programa de madrugada onde fazia de tudo para manter acordados os ouvintes gritando: olha a hora!. Isso pra não falar na barulheira de panelas que aprontava, mandando que a mulher desse um jeito no sono do marido: joga água nele!.

Vovó Arandira Marques tinha um grande rádio de pilha tipo capelinha, que ficava em cima do guarda-roupas. Um pequeno fio de cobre amarrado no telhado fazia vez de antena. Não havia luz elétrica, depois do jantar a gente se reunia na beira do rádio para ouvir música caipira. Bons tempos aqueles, principalmente porque ainda se podia ouvir boa música caipira no rádio. Hoje em dia a coisa se perdeu...

Assim que comecei a trabalhar, com doze, treze anos, juntei dinheiro para comprar o meu primeiro rádio portátil. Carregava o bichinho o dia inteiro para todo canto. De manhã ia para o trabalho ouvindo os programas matinais de notícias e música.

Na hora do almoço ouvia todos os programas esportivos possíveis, com predileção pelo Balancê da extinta Rádio Excelsior, apresentado pelo então jornalista esportivo Fausto Silva. Depois da escola, não dormia antes dos programas noturnos das Rádios Capital, Nacional, Globo, Bandeirantes.

Foi assim que aprendi a ouvir e gostar de Música Popular Brasileira, já que ainda não existia FM na região e as emissoras não estavam afundadas nesse esquema bandido de só tocar o que manda o dinheiro das grandes gravadoras.

Através de um radinho de pilha de ondas curtas, médias e longas ligado na cabeceira da minha cama descobri a música maravilhosa de Chico Buarque, Fagner, Zé Ramalho, Paulinho da Viola, Belchior, Beto Guedes, Milton Nascimento, Nara Leão, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Elis Regina, Alceu Valença; toda essa gente que sempre teimou em fazer, ainda que contra o estúpido sistema, música de boa qualidade neste país.

Nos finais de semana a gente grudava no radinho de pilha para ouvir jogos de futebol. Não havia transmissão televisiva e tínhamos que recorrer às narrativas dos locutores Osmar Santos, Fiori Gigliotti, Oscar Ulisses, Waldir Amaral e Jorge Cury, dentre outros. Mesmo quando os jogos eram transmitidos pela TV era mais emocionante assisti-los ouvindo a narração pelo rádio.

A nossa turma assistiu a todos os jogos da Copa do Mundo de 1982 na casa do Chiquinho Cervantes. Na estréia do Brasil, contra a Rússia, quando o atacante Éder fez o gol da vitória aos 44 minutos do segundo tempo, a comemoração foi tanta que eu joguei o rádio para cima e ele caiu no chão, espatifou-se. Tive que comprar outro para ouvir o resto da Copa.

Somente agora no início do século vinte e um foi que General Salgado recebeu sua primeira emissora de rádio, pelo esforço de salgadenses que admiro: Carlinhos Rodrigues e família. Poucos sabem, mas nas décadas de 70 e 80 tinha um serviço de alto-falantes instalado defronte a Igreja da Matriz.

Durante a semana funcionava tocando música e era comandado pelo Walter, antigo funcionário e depois dono da primeira loja de discos da cidade. Os populares encomendavam músicas, o serviço funcionava ao lado do Salão de Barbeiro do seu Kalú. Era comum durante o passeio noturno pela praça se ouvir de repente pelos alto-falantes:

- Esta música o moço de camisa verde e calça bege oferece para a garota de vestido vermelho, como prova de amor e carinho...

E seguia a música, invariavelmente cantada por Roberto Carlos...

O serviço também dava algumas notícias e divulgava utilidades públicas. Começava diariamente às seis da tarde e a abertura era um tema instrumental do conjunto Os Incríveis, chamado O Milionário. Norival Cabrera também foi um dos primeiros locutores.

O sistema de notícias se chamava Serpuba: Serviço de Publicidade Bandeirantes. Mas era popularmente tratado de Perturba. Nas tardes de domingo era ocupado pelos esportistas. Zé Frota, Raé de Moraes e alguns outros, apresentavam um programa com as notícias do futebol salgadense.

No início dos anos 80 a aparelhagem foi comprada por Petronil Martins e nas suas folgas o locutor Walter era substituído pelo Mauro Lúcio, filho do dono.

Possuidor de uma dicção ligeira e confusa e uma leitura precária, ninguém entendia o que ele dizia, pois as palavras saíam num jorro, amontoadas e distorcidas. Um dos programas era patrocinado pela Auto Elétrica Camarotto, de propriedade de Carlinhos Camarotto. E o Maurão sapecava:

- E agora as notiça do dia, num ofecimento da Auto Elétrica Gafanhoto...

Mas voltando ao sistema radiofônico, registra a história que a primeira transmissão radiofônica oficial no Brasil aconteceu no dia 7 de Setembro de 1922. Os primeiros aparelhos que surgiram no Brasil eram alimentados por bateria, ou seja, uma pilha de grande capacidade e que também era enorme. Nos anos 40 surgiu o chamado rabo quente. Era um rádio alimentado por tensão sem transformador. Após algumas horas de funcionamento o cordão de alimentação aquecia e daí o apelido.

Ouvi dizer que um antigo sitiante das bandas de São João do Iracema em visita à cidade, ao passar diante de uma loja e ouvir pela primeira vez a estranha caixinha falante animou-se em possuí-la.

Buscou uns cobres guardados no fundo do baú e voltou para casa muito animado, chamando a gurizada para ver de perto a novidade. Na loja fora orientado pelo vendedor de que se tratava de um aparelho movido à bateria, a cada trinta, quarenta dias, necessitava nova carga.

Pediu que o lojista deixasse o aparelho sintonizado numa emissora que só tocasse música caipira, pela qual tinha predileção. Chegava da roça com o sol amoitando no poente e, depois do banho, sentava-se diante da caixeta mágica para aguardar a janta e ouvir Tonico e Tinoco, um duplão que só cantava moda boa demais da conta!

Findo o programa dos artistas prediletos ele não se importava mais com o resto da programação, desligava o aparelho e se espichava no catre, onde a patroa já o aguardava. O rádio passou a ser parte de sua rotina diária, não conseguia mais viver sem ele. Não colocava a cabeça na paina do travesseiro sem antes ouvir Tonico e Tinoco.

Depois de um mês mais ou menos, as vozes que emanavam do aparelho começaram a falhar e sumir. De nada adiantava bulir naquele botãozinho de regulagem de altura. Girava o danado até o último furo e as vozes continuavam bruxuleantes, lá longe. Sem entender direito o que acontecia procurou socorro na loja onde comprara o aparelho.

- Deve ser a bateria - disse o vendedor - traga aqui o aparelho que a gente recarrega.

Atendendo a determinação do lojista, dias depois voltou ele trazendo a caixa falante e pedindo para que promovessem imediatamente a recarga do aparelho. Antes, porém, advertiu muito sério:

- Mas o senhor carrega só com moda do Tonico e Tinoco, não ponha moda dos outros que eu não gosto!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Memória 45 (Silvio R. do Val)

Silvio Ribeiro do Val Junior, Amatilde de Oliveira do Val, Lúcia do Val Moreira e Dr. João Rodrigues Moreira.

A professora Lúcia Ribeiro do Val chegou a General Salgado no início da década de 1940 e conheceu o Dr. João, primeiro médico do vilarejo que havia chegado em 1938. Anos depois os irmãos dela, Silvio Júnior e Plinio Ribeiro do Val também se instalaram na cidade, foram proprietários do Hotel São Luiz e do primeiro cinema. Em 1944, quando da transição de distrito para município, Plínio foi nomeado interventor pelo Governador Ademar de Barros.
Amatilde e Silvio Junior tiveram três filhos: Laércio, Edwaldo (casou-se com Lourdes Teixeira) e Marilena. Plinio casou-se com Anany e teve dois filhos: Albertina e Silvio Eduardo. Lúcia e João Rodrigues Moreira são pais de José Carlos Rodrigues Moreira (casado com Marilene) e João Rodrigues Moreira Filho (casado com Lúcia Elena Castilho).
(foto: Álbum de Marilena Ribeiro do Val)

O Poema do Uberaba

Mudei-me de General Salgado para Araçatuba em 1983 e de lá saí em 1998 com destino ao Mato Grosso do Sul. Durante todo esse tempo, porém, fiz questão de não me afastar da cidade, dos familiares e também dos inúmeros amigos salgadenses.

Por incrível que possa parecer, grande parte dos universitários de Araçatuba não costuma se entrosar bem com o pessoal da cidade. É que em faculdades como a Unesp, os estudantes vêm de todos os cantos do país e acabam formando seus grupinhos. Também porque até certo ponto, o pessoal de Araçatuba é segregador. Nunca tive problemas desse tipo, pois quando lá fui morar já conhecia muita gente e de lá saí muito mais conhecido, graças a Deus.

Durante certo tempo fiz parte de um grupo de amigos que foi exceção à regra universitária, talvez porque dele fazia parte a amiga Magali Melo, dona de uma pensão para estudantes. A gente armava umas festas por lá e, cedo ou tarde, o pessoal das faculdades ia aparecendo, se enturmando. Foi numa destas festas que conheci Jefferson Nomelini, conhecido como Uberaba, um mineiro ajeitado por demais, estudante de Veterinária.

Avistei-o pela primeira vez no meio de um grupo, declamando uns poemas caipiras. Achei estranho, incomum. Um sujeito magrelo, pálido e sorridente. No meio do poema ele se ajoelhava, segurava o chapéu contra o peito e se benzia. Pensei comigo: esse cara é doido ou é discípulo do salgadense Pedro Maron, que também vive dia e noite recitando seus poemas prediletos.

Depois me dei conta que era um tipo muito engraçado, amistoso e simpático. Além desses versos que os locutores de rodeio vivem gritando nos nossos ouvidos, também declamava poemas caipiras, nos quais incluía todos os gestos possíveis.

Acabamos até nos entrosando freqüentando diversas festas pela cidade. Nos intervalos das cantorias a gente soltava o Uberaba e suas poesias. Fiquei gostando muito daquela do chapéu no peito e das bendições, falava em beijo gostoso, em cheiro cheiroso, e assim por diante. Era tão boa que uma vez conseguimos fazê-lo declamar no microfone da Boate Calypso.

Um dia ele me cerca na rua, com aquele jeitão de mineiro:

- Ô CJ, conheci a tal de General Salgado. Mas que cidade boa demais da conta sô! Já me convidaram pra Festa do Peão e eu vou pra lá.

Acho que foi por intermédio de Sidney Zanatta Junior e Aline Neves que ele apareceu na cidade e adorou. Cumpriu a promessa e apareceu na Festa do Peão, onde, além de outros, eu o fiz recitar várias vezes o poema do Beijo Gostoso. Pra variar ele se enturmou e pelo que sei, voltou muitas vezes à terrinha.

Depois que saí de Araçatuba fiquei muito tempo sem notícias dele, até que o reencontrei pela internet e depois no site Orkut.

Logo nos meus primeiros dias de Chapadão do Sul, num fim de tarde, eu estava numa lanchonete tomando umas e remoendo as saudades de casa quando alguém ligou o som numa camionete estacionada em frente ao boteco. Levei um susto, alguém estava declamando o poema caipira do Uberaba.

Aí descobri que uma Banda de Campo Grande, o Grupo Tradição havia gravado o tal do Beijo Gostoso, cujo autor é Zé Capeta, um peão de comitivas de boiada que participou da novela Ana Raio e Zé Trovão, na extinta Rede Manchete. É lógico que eu pedi pra repetir umas duas vezes e depois comprei o CD para ouvir sempre.

Pois ainda hoje quando ouço, me lembro do Uberaba segurando o chapéu contra o peito, às quatro da matina, ajoelhado no meio da barraca Caipirama, na Festa do Peão de Salgado:

"Adespois de tanto amor, de tanto beijo gostoso,
De tanto cheiro cheiroso, nóis briguemo.
E briguemo como quem deve de brigá:

Cada um prum lado, prepara as mala,
Na despidida inté se xinguemo: te odeio, te desprezo,
Baba de cururu, mandinga de sapo seco.
Vancê vá pro Norte que eu vou pro Sul.
Nunca mais quero te ver.

Nunca mais quero te ver, nem pintada de carvão
Lá no fundinho do meu quintar.
E se contigo eu chegar a sonhá, acordo e faço trêis cruiz:
É cruiz, é cruiz, é cruiz!
O Brasí é muito grande, dá bem pra nóis separá.

Ela engoliu um saluço eu engoli bem uns quatro
E carquemo o pé no mato.
Passou-se um tanto de tempo que nem é bão recordá.

Ontem nós se cruzemo, nem tentemo se disfarçá.
Eu parti pra riba dela com o fogo aceso no oiá,
Ela me deu um arrocho, ah! se eu fosse um cabra froxo
Tava aqui em dois pedaço.

E foi tanto beijo gostoso, e foi tanto cheiro cheiroso
Que nóis inté se lembremo que o Brasí é pequeno,
Num dá pra nóis separá.”


Amigo Uberaba, apareça lá na terrinha pra gente colocar a prosa em dia!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Memória 44 (João Marques e família)

João Marques e família
Filho mais velho do pioneiro Hipólito Ludgero Marques, João nasceu em 30/08/1925 e foi a primeira criança batizada na Capela de São José, construída por Joaquim Castilho no vilarejo de Nova Castilho. Foi vereador e Vice-Prefeito. Casou-se com Maria Conceição Zoccal.
Na foto: João William, Carminha, Terezinha, Antonio Carlos e Vera.
Chicão, João, Maria e Lurdes. No colo de dona Maria está o Paulinho, filho de Sérgio Marques.
(foto: Álbum da Família Marques)

Briga de Vizinhos

Se existe uma coisa que eu não gosto nem de estar por perto se chama briga. Tenho especial aversão pelo fato de duas pessoas medirem esforços por coisa pouca.

Por minha iniciativa jamais troquei petelecos com ninguém. Na minha modestíssima opinião, a ignorância de qualquer um que provoque confusão com o emprego de força não vale o esforço físico desprendido em resposta.

No meu tempo de adolescente em General Salgado existia uma antiga pendenga entre os jovens salgadenses e auriflamenses. Ouvíamos com certa surpresa os relatos das brigas e confusões que envolviam os grupos rivais, tanto lá como cá.

Uma turma não podia colocar os pés na cidade vizinha que a confusão se armava. Em Auriflama existia uma determinada família cujos taludos, em número de quatro ou cinco, lideravam o bloco dos briguentos. Por aqui havia também um grupinho de pessoas que insistia em tirar eventuais diferenças no tapa.

A verdade é que nossa turma estava chegando naquela fase em que se divertir na cidade vizinha era uma possibilidade das mais atrativas, mas a antiga rixa nos punha medo. Os amigos um pouco mais velhos, vez por outra, relatavam as confusões e exibiam-nos arranhões e curativos decorrentes dos encontros com os auriflamenses.

No mais das vezes as brigas eram justificadas pelo fato de que uma turma visitava a cidade da outra para paquerar, tentar conquistar as mulheres, mas em muitos casos, bastava colocar o pé na cidade vizinha para provocar as reações, que redundavam em duas hipóteses básicas: ou fuga ou pega.

Acho que Wirlei Marques foi um dos salgadenses mais perseguidos em toda a história da rixa entre as duas cidades. Os vizinhos chegaram ao cúmulo de furar, à faca, os quatro pneus do seu carro, obrigando-o a fugir a pé rodovia abaixo. Não teve sossego em nenhum dos muitos anos em que namorou sua esposa, a auriflamense Solange Conde.

Do lado salgadense ainda havia outros que se envolveram nas contendas: Batata, Maninho, Pote Barnabé, William Zancaner, Chiquinho Cervantes, Grilão, Pereca e Lúcio Fernandes, Nenê do Prado, Marquinhos Secches, Dinoel Marques, e muitos outros.

Mas havia uma tônica geral no nosso grupo, a de que estávamos mais interessados na diversão e na amizade dos auriflamenses do que na troca de sopapos que marcava, até então, as relações entre as duas cidades. Eu, por exemplo, contava com o fato de ter muitos parentes por lá, pois a maioria dos meus tios do lado paterno se tornou auriflamense. Resolvemos arriscar.

Assim como existem hoje os nossos grupos de amigos oriundos dos blocos de carnavais – PB, Babilake, Toloko, Toquetô – em Auriflama havia dois grupos desse tipo: a Reba e a Renca. A Reba reunia os briguentos, enquanto o pessoal da Renca era mais sociável.

Naquela época (final dos anos 70) havia dois pontos de animação na cidade: o Clube Guarani e a Lanchonete Chacrilongo, ambos na Rua João Pacheco de Lima.

A Lanchonete quase na esquina do Banco Itaú, enquanto o Clube ficava um quarteirão depois da praça. Eram os pontos de reunião dos auriflamenses nas noites de sexta e sábado.

Começamos a freqüentar – com certo receio – os finais de semana da cidade vizinha, tentando estabelecer alguma amizade. A princípio foi tudo tranquilo, mas por conta do fato de que não tínhamos condução própria, dependíamos de carona dos mais velhos e éramos vistos na companhia destes, acabávamos sofrendo as mesmas retaliações a eles destinadas.

Estabeleceu-se a seguinte situação: tínhamos bom relacionamento com a turma da nossa idade, éramos convidados para as festinhas, brincadeiras dançantes e quando eles por aqui apareciam também eram bem recebidos. Mas os mais velhos nos olhavam com desconfiança e achavam que também merecíamos o tratamento dispensado aos demais.

A principal regra da nossa defesa era andar sempre em grupo o que costumava evitar os atritos, mas algumas situações fugiram ao nosso controle e nos vimos quase agredidos. Numa delas, eu e Nelson Seraphim Junior estávamos na Lanchonete Chacrilongo quando fomos cercados pelos briguentos da Reba, a agressão foi anunciada e a reação era praticamente impossível. Fomos salvos por José Luiz Matarézio, auriflamense de coragem, que se interpôs diante dos arrelientos e avisou:

- Eu conheço os meninos, ninguém vai bater neles!

De outra feita eu estava acompanhado do Gappa. Recém chegado da capital, menino criado em Diadema, os auriflamenses não faziam idéia do que o amigo Wilians de Castro era capaz. Estávamos no Clube Guarani, numa brincadeira dançante e a Reba lá estava defendendo seu território. Não estávamos preocupados com a possibilidade de confusão, queríamos diversão.

Encostamos ao balcão do barzinho pra tomar umas e animar a noite. Dinheiro curto, só dava para tomar umas duas doses de cachaça. O botequeiro tirou detrás do balcão uma garrafa arrolhada contendo um líquido cor-de-rosa, colocou duas doses, fechamos o cenho e encaramos a parada. Antes que a marvada fizesse efeito o Gappa tomou um pontapé no traseiro. Olhamos em volta e vimos que o caldo ia entornar. O companheiro me avisou, acusando o golpe:

- Um japonês chutou minha bunda!

Os outros amigos salgadenses foram saindo, ficamos nós dois encurralados no canto do balcão. Previ o pior e avisei: vamos levar porrada. Um dos mais valentões da Reba tomou a frente do grupo e partiu para o nosso lado, aproximou-se anunciando o linchamento. Nisso o Gappa foi tentando argumentar com o briguento, aproximou-se e sem que ninguém esperasse, deu-lhe uma tremenda cabeçada no meio da testa.

Aqui se faz necessário um parêntese para informar que algum tempo antes, por brincadeira, o Gappa havia dado uma cabeçada numa caixa dos Correios (daquela grande, de plástico, tida como inquebrantável) e ela se partira ao meio. Daí vocês imaginem o resultado na testa do auriflamense. Enquanto o brigão ensangüentado era auxiliado pelos demais, fugimos correndo pelos fundos do clube, pulando muros até alcançar a praça.

De alguma maneira, este fato contribuiu para serenar os ânimos, apesar de que o Gappa ficou muitos anos sem voltar à cidade. Continuei freqüentando Auriflama e nunca mais tive problemas. O fim dos conflitos deveu-se, em grande parte, à atitude dos amigos auriflamenses que fomos fazendo e que serviram para neutralizar a tensão existente. Freqüentávamos as festas deles e eles se sentiam à vontade para vir nas nossas.

Olivar Barbosa Junior, Félix Oliva (o saudoso amigo Perereca, que há anos subiu ao andar de cima num acidente automobilístico), Capacete, Xaxim, Fernando Veschi, Cascão, Rosa Oliva, Carla Garcia, os irmãos Marcelo, Marilis e Marisa Adorno; Estela, Agda, Adalgisa, os gêmeos Alexandre e Ricardo Silva, Miguel Tadeu (que reencontrei anos depois, Promotor de Justiça em Pereira Barreto), Cláudio Lima, Herminho, Garibaldi e Zé Luiz Matarézio, Du, Juliano, Beto Goiaba, foram alguns dos auriflamenses que contribuíram diretamente para que as brigas históricas com os salgadenses fossem deixadas de lado.

Alguns não mais residem por lá, mas a grande maioria ainda nos privilegia com sua amizade.

Mas se não fosse a cabeçada certeira do Gappa acho que ainda hoje estaríamos tendo problemas de relacionamento com os vizinhos.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Memória 43 (Miltinho e Antonio Branco)

1958 - Milton José Marques e Antonio Thomaz Marques (Antonio Branco)
Miltinho (filho caçula de Maria e José Luiz Marques Neto) casou-se com Maderlei dos Santos; Antonio (filho de Maria Thomaz e Geraldo Salustiano Marques) casou-se com Maria Gasques.
(foto: Álbum da Família Marques)

Dona Alivina

O Clube da Terceira Idade é, a meu ver, uma das entidades que mais devem ser prestigiadas pela sua função social, pela sua importância.

Faça uma visita ao Asilo de Idosos, passe um dia com aqueles velhinhos que necessitam ajuda diária para a grande maioria das atividades, e logo em seguida vá conhecer um dos bailes do Grupo da Terceira Idade.

Você vai perceber e sentir de cara a diferença. Talvez se o segundo existisse há mais tempo, não existiriam tantos idosos morando no primeiro.

Dona Alivina Silva, por exemplo, avó de minha amada Samanta, de quem já falei por aqui, é um dos mais interessantes exemplos. Aproxima-se dos oitenta e não perde um festejo do grupo.

Diz, ainda por cima, que enquanto outras amigas gastam tempo e dinheiro com remédios e mezinhas, ela usa o seu única e exclusivamente para a diversão, pois não necessita de nenhum tratamento médico. Dança, desfila, viaja e ainda trabalha.

Mas falando na animação dessa turma me vêm à mente algumas histórias protagonizadas por alguns dos seus componentes.

Em Nova Castilho – eu ainda menino – existia uma senhora bastante idosa, Dona Jerônima, que tinha mania de entendida, gostava de mostrar conhecimento. Mas não tinha boa capacidade para compreender e armazenar as palavras corretamente. Certo dia chamou a vizinha por cima do muro:

- Dona Maria, a senhora nem imagina o que aconteceu! O Zezinho, filho da Tonha sofreu um incidente, tá estacionado na Penitência Portuguesa de Rio Preto. Diz que tá em estado de conga.

O acidentado Zezinho, internado em estado comatoso no Hospital da Beneficência Portuguesa de São José do Rio Preto deve ter se salvado, mas o português da dona Jerônima...

Certo dia, no circo, alguém lhe corrigiu o uso da palavra palhaço, a quem ela se referia dizendo “paiaço”. Ao tomar conhecimento da pronúncia correta, passou a adotar a regra para todas as palavras com o mesmo encontro de vogais:

- Lá em casa tem um pé de golhaba que tá carregado!

Voltando à Dona Alivina, há alguns anos começou a manifestar problemas de audição: atendia ao telefone sem compreender nada do que diziam do outro lado; conversava com as pessoas coisas desconexas do tema enfocado.

As filhas - Adenir, Adenair e Aldair - decidiram que estava na hora de consultar um médico e, se necessário, adotar um daqueles aparelhos auditivos.

Com certa resistência lá foi Dona Alivina ao especialista. Depois dos exames e da verificação de grave deficiência auditiva o doutor decidiu fazer uns testes de uso do aparelho. Instalou a peça e orientou a paciente:

- Dona Alivina, a senhora está ouvindo melhor? Tá ouvindo alguma coisa diferente?

- Tô ouvindo bem, mas tá um zumbido na orelha! – respondeu.

O especialista retirou o aparelho, fez alguns ajustes e recolocou no lugar: E agora?

- Ainda tô ouvindo um barulhinho estranho, informou a paciente.

Novos ajustes e Dona Alivina ainda reclamava do chiado.

- Dona Alivina, me diga como é esse zumbido.

- É assim ó: zuuuuuuummmmmm...

O médico matutou um pouco, desligou o aparelho de ar condicionado e arriscou:

- Ainda continua o zumbido?

- Agora parou!