quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Dentista e o Barbeiro

Um dos primeiros dentistas da cidade foi apelidado pelos moradores de Dr. Labareda. Não se sabe de onde veio nem se tinha cursado alguma faculdade. Naquele tempo por estas bandas só apareciam práticos, técnicos e curiosos.

O Dr. Labareda foi um dos primeiros a instalar clínica e a dizer que era estudado: “Estudei oito meses em São Paulo, Vila Cachoeirinha!”, dizia. Pronto, já era doutor! O apelido surgiu porque era comum vê-lo derretendo material dentário numa lamparina de chama alta, muito mais alta do que a dos demais. Além disso, era meio estabanado e pouco chegado à assepsia. Durante as consultas e tratamentos mantinha hábitos alimentares, como chupar laranjas e Mexericas.

Certo dia atendeu um paciente que reclamava muita dor de dente. Deixou a mexerica de lado, aboletou o rapaz na cadeira e armou-se de instrumentos. Olhou meio por alto o dente que o moço apontou e diagnosticou:

- Ih! Tem que arrancar. Dente desse tipo só sara se arrancar...

- Mas doutor - retrucou o paciente - o senhor não vai nem ver o dente como está? Será que precisa arrancar? - Meu senhor, eu estudei na capital, eu sei o que estou fazendo. Deite-se aí!

O paciente estirou-se no encosto da cadeira, o Dr. Labareda empunhou uma seringa imensa com uma agulha muito comprida, pedindo para que não se assustasse, pois a anestesia tornaria indolor o tratamento. Enfiou a ponta da imensa agulha na boca do moço, injetou parte do anestésico e inquiriu:

- Formigou um pouco?

- Hã-hã – gemeu o rapaz, negando.

O doutor introduziu mais um pouco a agulha, injetou outra parte do líquido e repetiu a pergunta:

- Formigou?

- Hã-hã.

Sem ligar para os gemidos de dor do paciente o Dr. Labareda enfiou o restante da agulha, injetou todo o resto do anestésico, retirou a seringa e perguntou:

- Agora formigou né?

- Doutor, formigar não formigou não, mas o senhor molhou toda a gola da minha camisa!

Uns dois meses depois o Dr. Labareda sumiu da cidade e nunca mais deu notícias. Diz o Pedrinho Giamatei que ele voltou para São Paulo: deve estar trabalhando no fura-fila!

Acho que Mário Barbeiro e Carolino dos Santos (o saudoso seu Kalu) estão entre os primeiros barbeiros que se instalaram na cidade. Seu Kalu deve ter sido o que mais tempo esteve na ativa. Sami Cheida também foi dos primeiros, mas me recordo que na Avenida Diogo Garcia, perto da esquina com a Rua Dr. Bruno Martins, em frente a sapataria do seu Zinho Sapateiro (João Raymundo), havia uma outra barbearia antiga, do Sr. Avelino Leite.

Como o seu Avelino era crente, evangélico, o salão era freqüentado quase que exclusivamente pelos irmãos de igreja. Muito religioso, assíduo freqüentador dos cultos da Congregação Cristã e muito entendido nos assuntos bíblicos, tinha o hábito de falar o tempo todo sobre religião, sobre o evangelho e demais temas da irmandade.

O funcionário de uma fazenda, recém chegado na cidade, sem saber que a freguesia do seu Avelino era formada basicamente pelos irmãos de crença, sentou-se na sua cadeira certo dia e pediu para raspar a barba.

Muito solícito e educado o barbeiro regulou o encosto, acomodou o rapaz, amarrou-lhe um avental branco, preparou a espuma de barbear, lambuzou o rosto do moço com o pincel de espuma e amolou a navalha numa tira de couro que ficava dependurada debaixo da pia.

Puxou assunto com o cliente; o que fazia, de onde vinha, onde trabalhava. Percebendo que o moço era novato na cidade, levou a conversa para a religião, quis saber se freqüentava alguma igreja, convidou para os cultos da Congregação. A conversa foi se aprofundando no tema e o rapaz ia respondendo na medida do possível, no mais das vezes com monossílabos, com bastante timidez.

Quando ia começar o serviço o barbeiro encostou a navalha no pescoço do rapaz e, distraidamente disparou:

- Me diga uma coisa, o senhor está preparado para ir para o céu?

O rapaz estalou os olhos, deu um salto na cadeira e saiu em desabalada carreira rua abaixo levando o avental atado ao pescoço e a cara cheia de espuma.

Deve ter corrido uns quinze dias!

Nenhum comentário: