segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A Italianada do Gabriel

No início da década de 50 a Fazenda Açoita Cavalos, no bairro conhecido como Córrego do Gabriel, era dividida em pequenos sítios, quase todos pertencentes a descendentes de imigrantes italianos.

Ali viveram os clãs Giamatei, Ondei, Boiati, além de outros. Dali foram se esparramando para outros cantos e outras cidades da região. Tutti bonna gente, muito esforçada e trabalhadora, que criou, educou e estudou muitos filhos tirando sustento de propriedades pequenas, 10 alqueires em média.

Do Gabriel até a cidade tinha vinte e um mata-burros e porteiras. A família Giamatei era das mais numerosas. A lenda local contava que havia uma parteira especial só para atender às grávidas do bairro, para trazer os italianinhos ao mundo. A fartura era tanta que criança com menos de cinco quilos – dizia-se – a parteira jogava no mangueirão para os porcos comerem. Pedrinho, Picinha Giamatei e alguns outros mais raquíticos só vingaram porque nasceram numa época em que a balança estava quebrada.

Para distrair a molecada os pais inventavam brincadeiras simples, modestas. Na falta de recursos para comprar algum brinquedo as mães lambuzavam os dedos das mãos da molecada de mel e grudavam num dedo uma pena de galinha. Naquilo de tentar tirar a pena de um dedo e ele grudar no outro, a criançada ficava entretida o dia inteiro, e enquanto isso os pais metiam a cara no trabalho.

Quando iam à cidade era uma festa, vestiam as melhores roupas e formavam uma fila imensa para atravessar trilhas, matas, mata-burros e porteiras. Num desses dias a fila dos Giamatei era puxada pelos mais velhos: Nicola, Gregório, Nico, Antonio; mulheres e crianças completavam a longa fieira. Andavam a passo largo, o dia findava e pretendiam alcançar a missa das sete. De repente o líder do grupo deu um pulo pra trás e apontou para uma moita:

- Porca miséria! Cuidado que é uma cobra! Para todo mundo.

O grupo estancou o passo enquanto os mais velhos procuravam algo para matar a cobra. Um deles encontrou um porrete de guatambu e avisou aos demais.

- Arreda que eu vou matar essa marvada!

De longe se via o vulto escuro, como se a serpente estivesse enrodilhada, acomodada no centro da moita. A curiosidade fez com que todo mundo formasse uma roda em volta do local, queriam assistir a morte da peçonhenta. O matador levantou a pesada vara de guatambu e usando de toda a força possível disparou certeiro golpe que atingiu em cheio o vulto da serpente. Com a pancada os pedaços do bicho se esparramaram, atingindo a todos que assistiam a cena.

Aí foi que descobriram que não era cobra, era uma bosta de vaca!

Como em toda família italiana que se preza, no Córrego do Gabriel também existiam as matronas, as mulheres que mandavam em tudo inclusive nos maridos. Uma das mais bravas era dona Lambarina, mulher do Nico, assim apelidada por causa de seu gênio explosivo e exigente. Grávida de vários meses disse ao marido que queria comer pamonha.

- Madonna Mia, muié de Deus! Aonde que vou arranjar milho nesta época do ano! Tentou argumentar o Nico.

- Nem quero saber. Eu quero pamonha senão esse moleque vai nascer com cara de boneca de milho, pamonha igual ao pai!

O pai saiu escarafunchando por aqueles arrabaldes até conseguir o milho, mas na semana seguinte lá vinha um desejo diferente. Num dia queria paçoca, no outro amendoim de bugre, jaca, rã... E o coitado do Nico correndo pra cima e pra baixo para atender os desatinos da Lambarina. Até que um dia ela extravasou:

- Nico! Quero comer titica de galinha!

O marido não acreditou, era só o que faltava, a mulher endoidara, perdera o senso, o juízo e a compostura.

- Ocê tá louca muié? Comer aquela nojeira, cáspita!

- Não quero saber. Deu vontade eu quero comer, estrupício! Senão o moleque pode nascer com pena pelo corpo. E tem que ser titica fresca Nico!

Foi o coitado do marido para o quintal, debulhou uma espiga de milho e ficou vigiando o fiofó das penosas. De repente uma delas se agachou e o italiano saiu correndo com a mão estendida. Entrou em casa ostentando a meleca na mão, nariz virado, avisando a patroa:

- Tá aqui ó, agora come.

Ela pensou um pouco e jogou a bomba no colo do infeliz:

- Prova Nico, vê que gosto tem.

- Eu? Comer essa merda?

- Só um pouquinho, experimenta!

Com o saco cheio dos desmandos da mulher, mas sem outra saída o Nico passou o dedo na meleca, fechou os olhos, colocou na ponta da língua e fez cara feia para dizer:

- Pelo amor de Dio, muié, você vai comer essa nojeira? Isso fede, é amargo, nem o capeta come!

Aí ela se convenceu e se acalmou:

- Ah! Nico. Então eu não quero mais!

Enquanto o Nico lavava a língua e as mãos, pensava num jeito de fazer o moleque nascer de cinco meses...

2 comentários:

Anônimo disse...

Cal
Como sempre suas histórias são deliciosas de ler e curtir...
bjo
Samanta

Carlos José Reis de Almeida (Cal) disse...

Obrigado, meu amor. Teu apoio é fundamental pra que eu siga nesse estradão aqui. Beijo. Te amo.