segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A História de Um Amor

A construção do Fórum de General Salgado se achava concluída há algum tempo, com todos os cartórios instalados e no início do ano de 1977, para aproveitar a presença de uma autoridade governamental na cidade, promoveram a cerimônia de inauguração oficial da obra.

Era um feriado e a fanfarra do Colégio "Tonico Barão" homenageava as autoridades e os cidadãos que assistiam à cerimônia defronte ao prédio. Naquele tempo a fanfarra salgadense era uma das mais requisitadas da região.

O sol causticante do meio-dia molestava a todos, manchas de suor podiam ser vistas rompendo o azul dos uniformes dos músicos. Por força da ocasião as autoridades sofriam com a quentura e com a sufocação provocada por fatiotas e gravatas.

Seguia a cerimônia até que uma das instrumentistas, assolada pelo calor, sentiu-se mal, perdeu os sentidos. Foi imediatamente socorrida e verificada a gravidade de seu estado, encaminhada para Rio Preto. Horas depois chegou à cidade a notícia infeliz de que ela não sobrevivera. Seu nome: Rosemary Gabriel. Acometeu-lhe um mal fulminante, um aneurisma cerebral ou algo parecido.

Rose Gabriel era uma jovem estudante do Colégio "Tonico Barão", tinha uns quinze, dezesseis anos; filha do Sr. Remualdo Gabriel, namorava Walcir Mendonça, filho do Sr. Lau Mendonça e de Dona Rosalina (a mais famosa confeiteira que a cidade conheceu).

Walcir também era um dos instrumentistas da fanfarra salgadense e, ainda bastante jovem, tinha uns vinte anos de idade. Trabalhava no Banco Real junto com o irmão Vande. Era mais novo que Mick, Vande, Banana e Wanda, mais velho que Vânia e Valéria.

Acostumei-me a vê-lo jogando no gol da equipe de futebol de salão do Banco Real, que participava dos campeonatos de férias do Salgadense Esporte Clube. Também jogava nos aspirantes do time de futebol de campo do Grêmio Desportivo Salgadense.

Tínhamos relativa amizade, apesar de eu ser um pouco mais novo e companheiro de classe de sua irmã Vânia. Às vezes freqüentávamos o mesmo grupo de amigos que se reunia para tocar violão e cantar. Ele tocava e cantava, eu só assistia. Sua personalidade gentil e pacata o diferenciava dos demais irmãos, num contraste que se situava entre as molecagens de Vande e Mick e a seriedade aparente de Banana.

A morte repentina da namorada foi um choque pesado para o jovem Walcir, a tristeza tisnou-lhe o jeito de ser. Os amigos mais próximos acreditaram que com o tempo ele se acostumaria com a perda, partiria para outra, tocaria a vida adiante. Mas, apesar de demonstrar certa serenidade, se deixou entristecer. Quando se animava em participar das rodas de violão com os amigos, fazia questão de cantar uma música que lhe trazia à mente a amada que se fora:

"Sei que na vida perdi a minha felicidade / ficou somente a amargura, paixão, tristeza e saudade. / lá num cantinho do céu, sei que está me esperando / aquele alguém que foi meu, por quem eu vivo chorando / a noite quando eu rezo, eu imploro ao Senhor / que lá num cantinho do céu, olhai pelo meu amor / Hoje eu sigo meu caminho, de amargura e espinho / andando e vagando ao léu, quando o Senhor me chamar / contente eu vou encontrar um amor lá num cantinho do céu”


Na época a música era um estrondoso sucesso da dupla sertaneja Caçula e Marinheiro e foi assimilada pelo tristonho Walcir. Era comum ouvi-lo diariamente cantarolando a melodia. Dizem que por vezes se encerrava no quarto e tomava do violão para repetir inúmeras vezes a canção.

Menos de um ano depois que Rose partiu Walcir foi ao seu encontro, inexplicavelmente acometido de doença grave, invencível. Por incrível que pareça a vida imitou a arte, aquele que ficou anunciando a tristeza e a vontade de rever o amor perdido logo seguiu para reencontrá-lo.

A cultura humana é materialista e dramatiza a morte ao extremo. Fixa-se na decomposição física, na transformação da matéria, sem atentar para o fato de que a matéria não é nada sem o espírito. Muitos entendem, no entanto, que a morte é um momento de transformação, faz parte da vida e a vida é manifestação divina de perfeição e bondade. Acreditam que se Deus sempre faz o melhor, a morte só pode ser um bem que em nossos acanhados limites de percepção ainda não conseguimos avaliar.

Acredito que esta compreensão se faz crível se analisarmos histórias como a destes dois adolescentes, que se conheceram desde muito cedo, se amaram precocemente e se foram daqui praticamente juntos. Os fatos acontecidos entre as duas partidas denunciam, no meu modesto modo de ver, que ambos cumpriram pequena missão terrena como um necessário precedente a alicerçar missões mais importantes do outro lado. E tanto aqui como lá, unidos.

Pouco antes de ser acometido pela doença Walcir treinava com dedicação para ser titular do gol do Grêmio Desportivo Salgadense, que se preparava para estrear um uniforme novo, muito bonito, azul e branco. Todos os atletas ansiavam e concorriam à oportunidade de vestir pela primeira vez as novas camisas. Para homenageá-lo os amigos decidiram que ele deveria ser sepultado vestindo a camisa nº 1 que ele sonhava estrear, o que realmente aconteceu.

A história de amor dos dois jovens também foi reconhecida e sensivelmente homenageada pela municipalidade: a Biblioteca Municipal de General Salgado chama-se "Walcir e Rosemary".

Esta é, a meu ver, uma bela história de amor que não pode ser esquecida.

4 comentários:

Anônimo disse...

Essa história eu ouvia quando criança e sempre achei mais real e bela, que a própria Romeu e Julieta. Acho que na vida a matéria é somente um complemento pra alma....Um abraço.

Unknown disse...

Meu pai sempre contava a história...da jovem e bela moça que se destacava na fanfarra salgadense em seus tempos de escola. E um dia, em meio à uma de suas apresentações, veio a falecer, segundo ele, de hemorragia, pelo que soube dos boatos da cidade. Com isso, sempre sismava comigo e praticamente me proibia de sair no sol forte quando eu estava "naqueles dias" do mês, lembrando sempre a triste história da bela moça.
Anos e mais anos depois, é que vim saber que a tal jovem era Rosimary. Que sua morte, na verdade, foi em decorrência de um aneurisma cerebral e que a confusão em torno da hemorragia , na verdade surgiu porque naquela dia fatídico a irmã de Rosemary, Regina Célia Gabriel, é que estava "naqueles dias" e havia manchado suas vestes durante a apresentação da fanfarra, da qual também participava.
Curiosamente, o relato de tudo isso foi me feito pela própria Célia, quando já minha sogra, há pouco tempo atrás.
Enfim, por tempos e tempos ouvi sobre a vida de Rose, sem saber quem ela era...simplesmente tia de meu noivo Paulo Henrique (Rick), que não teve oportunidade de com ela conviver, dada a sua precoce partida.

Patrícia Carla dos Santos

Unknown disse...

Nossa me bateu uma emoçao agora,
me lembro bem daquele dia e da
Rose tb que era um doce de menina
era de uma delicadesa unica, na epoca
foi uma tristesa so, mas e como vc disse, cumpriram uma curta missao
aq. e com certesa estao juntos para
termina-la abraços.....

Carlos José Reis de Almeida (Cal) disse...

Sandra e Paty, realmente a história desse casal nos intriga. Lembrem-se que os pais deles eram vizinhos de frente. Acho que o destino deles estava traçado desde o nascimento. Obrigado por vcs participarem. Voltem sempre. Bjs.
CAL