segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Laços de Família

Meu avô paterno Álvaro Rodrigues de Almeida foi um dos pioneiros de General Salgado. Veio de Minas Gerais no final da década de 1920 para trabalhar como peão de boiadeiro na Fazenda Almeida Prado, no atual município de Santo Antonio do Aracanguá.

Depois de juntar uns cobres comprou um pedaço de terra na região do Córrego do Lajeado, também conhecida como Lambari, onde se dividem os municípios de General Salgado e Auriflama. Ali onde ele viveu por quase setenta anos ainda vivem os meus pais: Domingos e Cida.

Os meios de transportes existentes à época eram montarias e carros-de-bois e o asfalto ainda estava muito longe, só existia estrada de terra e muito mato. As primeiras fazendas começavam a ser abertas, os primeiros povoados surgiam. As construções eram abastecidas por olarias e cerâmicas. Conduzindo carro-de-bois, vovô Álvaro buscava tijolos e telhas nas olarias de Vicentinópolis (conhecida como Olaria da Paula) e Buritama, destinadas à construção das primeiras casas de Auriflama e Salgado.

Por conta do pioneirismo, do caráter forte, da personalidade e principalmente, da amizade que se foi fortalecendo com os demais pioneiros, passou a ser tido como homem sério, correto e respeitado.

Naquele tempo se exercitava e se valorizava a palavra de um homem. Por vezes, autoridades cediam a argumentos de um cidadão de respeito na comunidade. Os serviços públicos eram prestados por pessoas nomeadas, sem preparo técnico suficiente.

Meu avô foi, naquele tempo, advogado de muita gente sem nunca ter freqüentado escola. Quando algum parente ou empregado de vizinhos de fazenda era preso por qualquer motivo, todos o procuravam pedindo ajuda. Ele arreava um cavalo, ia até a cidade e trazia o detido de volta. Quando faltavam argumentos convencia a autoridade no grito.

De certa feita foi chamado à Delegacia de Polícia de Monte Aprazível, então sede da comarca. Todo respeitoso o Delegado o chamou em sua sala e disse:

- Sr. Álvaro, nós o conhecemos como boa pessoa, mas recebemos uma denúncia de que o senhor possui um arsenal em sua casa. Estão dizendo que o senhor só anda armado!

Ele respondeu à autoridade:

- É verdade doutor, tenho muitas armas em casa. Se o senhor quiser pode ir conferir. Mas vá desarmado e enfrente no braço as onças que aparecerem no caminho!

O Delegado pediu desculpas, disse que ele podia manter as armas que quisesse e que, se fosse possível, da próxima vez que viesse à cidade lhe trouxesse de presente um couro de onça para fazer tapete!

Nos anos 50, para que para que os filhos mais novos freqüentassem a escola, comprou casa e tornou-se morador de General Salgado. Depois retornou à Fazenda e, nos anos 70 fixou residência em Auriflama, onde viveu até 1979, ano de seu falecimento.

Vindo da paulista Irapuã em 1939, Alvino Bernardino Seixas, descendente de João Bernardino de Seixas (fundador de São José do Rio Preto em 1852), arrendou terras em General Salgado, nas proximidades de Nova Castilho. Anos depois comprou uma grande fazenda na região de Major Prado para onde se mudou com a família. Já tinha estabelecido fortes laços de amizade com o vizinho Álvaro.

Duas das filhas, Arandira e Ataíde (Nina) comandavam os trabalhos na fazenda: tiravam leite, campeavam o gado, conduziam boiadas. Quando os patrões mandavam buscar ou levar gado para o Sr. Alvino, os peões das fazendas vizinhas relutavam em aceitar as ordens, pois costumavam passar vergonha diante das filhas do fazendeiro, cujas façanhas sobre as montarias e na lida com o gado corriam a região.

Álvaro de Almeida e Alvino Seixas viraram compadres, os filhos - dez Almeida, nove Seixas - estreitaram amizades. Fizeram votos de que houvesse um casamento entre eles. Zeca namorou Alzira e flertou com Araydes Seixas (Lica); Odilon namorou Anadir, mas nenhum destes namoros chegou ao altar.

Passaram-se alguns anos até que Domingos de Almeida começou a namorar Aparecida, filha de Arandira e Braz Firmino Marques, neta de Alvino, e os compadres renovaram os votos: agora vai! E para satisfação dos dois amigos, em 1964 o casal compareceu ao altar da Igreja de Nova Castilho onde recebeu as bênçãos do ainda moço Padre Vitorino. Dessa união surgiu este que vos escreve e mais Claudia, Cleber e Cleire.

Como a presença feminina praticamente dominava o ambiente familiar dos Seixas, os três filhos homens, Alcides, Adilson e Alceu cresceram à sombra das mulheres, que comandavam todos os trabalhos na fazenda, por mais árduos que fossem. Depois que as mulheres foram se casando e deixando o local, o serviço recaiu sobre os homens, que obviamente, não davam conta do recado. Nestas ocasiões Alvino costumava reclamar com o compadre Álvaro:

- Compadre Álvaro! Comprei uma vaca muito boa de leite, mas meus meninos, aqueles bananas, não estão dando conta de tirar leite, acham ela "muito dura"!

E o amigo Álvaro resolvia o problema:

- Amanhã eu mando os meus meninos levarem uma vaca "mole" para lá compadre, e a gente troca.

E no dia seguinte lá iam os meninos Almeida fazer a troca, que acontecia sem que um visse com antecedência o animal do outro, na pura confiança.

Ou então Alvino reclamava de uma mula mal domada, impossível de ser montada pelos "bananas". Dias depois lá iam os meninos Almeida buscar a redomona, deixando para os Seixas uma montaria mansa. De seu lado, se Álvaro reclamasse ajuda era prontamente atendido pelo compadre.

Assim como os patriarcas de outras tradicionais famílias salgadenses, Alvino Seixas e Álvaro de Almeida fizeram história, legaram para os sucessores nomes de respeito e consideração, e mais do que isso, a importância da amizade, do companheirismo, do compadrio.

Coisas atualmente em desuso...

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