segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Zé Guilim

Tio Zé Guilim (José Rodrigues de Almeida) saiu de Minas Gerais em meados da década de 1930 e veio morar em General Salgado, na Fazenda do irmão Álvaro, meu avô paterno. Era um sujeito sério, quase não ria. Duro na criação dos filhos, no relacionamento com os empregados. Tinha pavor de modernidades, o que talvez tenha herdado do pai, Miguel Rodrigues.

Quando surgiram os primeiros automóveis na região, os vizinhos e conhecidos motorizados paravam na estrada tentando dar carona ao bisavô Miguel. Ele não só recusava como ainda destratava o amigo, dizendo que preferia andar a pé:

- Pode tocar adiante o seu catingudo!

Catingudo porque os primeiros automóveis exalavam forte cheiro de combustível. E a recusa se dava ainda que marchar a pé da cidade até o Lajeado demandasse umas cinco horas.

Parece que as máquinas e aparelhos surgidos no início do século vinte assustavam os mais antigos. Tive outro tio-avô, o Chico Molhado, que quando avistou a primeira televisão ficou estupefato, pasmado. Depois de assuntar por algum tempo aquela caixinha estranha e luminosa, mostrando a imagem escura e quase apagada de um homem conversando sozinho, perguntou aos sobrinhos:

- Esse homem aí tá me vendo?

Diante da resposta negativa continuou na dúvida:

- Então porque é que ele tá apontando o dedo pra mim e falando "ei você aí"!?

Já o vovô Braz Firmino procurou instruir-se melhor e compreendeu muito bem como funcionava o estranho aparelhinho, por isso, quando via as mulheres da família acompanhando com sofrimento e dor os capítulos chorosos das novelas, estranhava muito:

- Não sei pra quê esse desespero, isso aí é tudo mentira! É tudo combinação, não tá acontecendo de verdade não! Onde já se viu vocês chorando por causa dessa mentirada!

Tia Ordália, solteirona, casou-se com o viúvo Chico Molhado aos 45 anos de idade. Anos depois perguntaram a ela sobre o casamento, se não se arrependera de não ter se casado antes. Ela confessou:

- Eu me casei muito nova, desperdicei minha mocidade!

Com essa declaração eu acho que ela assustou toda a família. Talvez venha daí o hábito familiar de casamentos tardios...

Tio Zé Guilim tinha pavor de máquina fotográfica. Nunca ninguém tinha conseguido retratá-lo. Ao ver alguém empunhando ou apontando a maquininha para o seu lado ele virava o rosto e avisava sério:

- Não me aponte essa tal de codaca seu indivíduo, tografia não meu caro!

Certa vez em Itapagipe (MG), durante a festa de casamento do primo Arlindo, filho dele, consegui tirar-lhe o retrato depois de muito malabarismo, colocando alguém para distraí-lo e me escondendo por detrás de outras pessoas.

Durante algum tempo morou em Santa Fé do Sul onde emprestou dinheiro a terceiros. Depois que voltou a morar em Salgado, de vez em quando montava num ônibus e ia até Santa Fé receber os dividendos. A cada vez que retornava trazia debaixo do braço um novo par de botinas.

Antigamente os calçados não vinham em caixas. O sujeito comprava um par de botinas, amarrava uma de encontro à outra e pronto. Pois um dos sobrinhos estranhou que todo mês o tio Zé Guilim aparecia com botinas novas e o inquiriu:

- Ô Tio, porque é que todo mês o senhor compra botinas novas?

Foi aí que ele explicou:

- É pra enganar ladrão, meu caro! Eu recebo um pacote de dinheiro e não sou louco de vim com aquela dinheirama no bolso. Enfio tudo dentro das botinas. Você acha que alguém vai desconfiar que dentro de um par de botinas tenha um monte de dinheiro?

Na fazenda ele guardava o dinheiro dentro de uma lata de banha escondida debaixo da cama.

Naquele tempo os meios de transporte eram poucos e o acesso aos locais muito mais difícil. Era comum que as visitas permanecessem por vários dias na casa do anfitrião. Certo dia recebeu a visita de uma conhecida meio aparentada, que veio apresentar o marido.

A mulher tratava o esposo por "Bem". Para todo canto que andou, ciceroneada pelo Zé Guilim, a mulher só se dirigia ao esposo dessa forma. Era Bem pra lá, Bem pra cá.

No final da tarde ele resolveu convidar o moço para ir até a sede da fazenda, tomar um café e prosear com os demais. Chamou-o pelo que acreditava ser o seu prenome:

- Ô seu Bem, vamos até a casa do Álvaro um pouco...

4 comentários:

Joe Bass disse...

Bem fez o Noblat em divulgar seu blog. Passei uma tarde de leitura deliciosa e acabei o dia nostálgico lembrando de minha infãncia em Rio Preto.
Bom trabalho!

Abraços

Marta Bellini disse...

Lindo Blog! Inspira-nos a pensdar e ver o passado!
abçs
martabellini@uol.com.br

Carlos José Reis de Almeida (Cal) disse...

Joe e Marta, obrigado pela visita, voltem sempre.

Anônimo disse...

Ola, what's up amigos? :)
Hope to receive some help from you if I will have any quesitons.
Thanks and good luck everyone! ;)