segunda-feira, 13 de agosto de 2007

A Turma do Funil

Dentre os diversos tipos de personagens folclóricos eu tenho especial predileção pelos bêbados. São os mais engraçados, provocam um tipo de fascínio, possuem certas circunstâncias que os tornam diferentes dos demais. São alegres, criativos, alguns se mostram gênios do improviso.

É lógico que a eles me refiro sob ângulo estritamente cômico, folclórico. Cumpre-me deixar o problema social a quem de direito, aqui trato exclusivamente do burlesco.

Adoro piada de bêbados, são as melhores, as que causam melhor efeito. E notem, para criar ou se envolver numa situação engraçada não é necessário que o personagem seja um daqueles bebuns crônicos, contumazes. Mesmo aqueles que se entregam à dieta líquida apenas nos finais de semana, acabam, vez por outra, criando ou participando de situações hilariantes. É comum que pessoas normais durante o dia, trabalhadoras, depois do expediente se juntem ao time dos pés-de-cana com dedicação ímpar.

Em Nova Castilho, há muitos anos atrás, existia o Armando. Era um tipo que a princípio assustava as crianças: negro, descalço, com um embornal a tiracolo, roupas velhas, freqüentador assíduo do Bar do João Careca. Tinha voz grave e forte sotaque nordestino. Olhava para as pessoas com olhos salientes e inquisidores, pedindo uma pinga. Quando lhe negavam ensaiava um choro.

Por uns dez anos o Armando foi o personagem principal das ruas de Nova Castilho. Apesar da aparência deplorável e penosa, todos os moradores procuravam ajudá-lo. Além de roupa e comida ofertavam trabalho, mas o batente ele não aceitava. Era cômico ouvi-lo chamar as pessoas, mesmo as desconhecidas de "compadre", pedindo para pagar uma dose para o "compadre" Armando. Depois de muitos anos, ouvi dizer que se regenerou, pegou firme no trabalho e não bebeu nunca mais.

Em Salgado, o antigo Bar do Nino Giamatei (que também já nos deixou) era um ponto de figuras típicas, pois envolvia além dos "amigos do alambique", os jogadores de bocha, sinuca e bilhar. O Lebrão era daqueles que trabalhava o dia todo e depois do expediente ancorava no balcão. Tarde da noite, depois que o pessoal da sinuca encerrava o serão, Nino fechava as portas do bar e entrava no carro para ir embora. Quase sempre encontrava Lebrão desmaiado no banco do passageiro. Ao primeiro cutucão o dorminhoco dava o endereço da entrega:

- Rua Rio Branco, sem número!

O comerciante resmungava, contestava, pedia para ele descer, mas não tinha jeito, continuava repetindo:

- Rua Rio Branco, sem número!

Para que os mais novos se localizem: a antiga Rua Rio Branco passou a chamar-se Rua Guilherme Veschi.

Ovídio Marcelo era outra figura típica dessa turma. Ficava trinta, quarenta dias trabalhando pesado no Mato Grosso como operador de máquinas. Recebia o pagamento e se mandava para a terrinha. Começava a beber nos botecos da Vila Maria e ia descendo de bar em bar até chegar ao antigo “Zé do Péto”. No meio do percurso demorava uma semana entre a Lanchonete do Zé Frota, o Bar do Delicio, o do Toninho Mendonça. Encostava-se ao balcão e pedia:

- Bota uma "querosena" aí!

Quando entrava um conhecido no bar ele corria cumprimentar convidando com a voz pastosa, quase sussurrante:

- Vamo tomá u'a querosena aí; eu pago!

Se o convidado recusasse era motivo para briga. Quando o outro nada respondia, encarava o sujeito e disparava um grunhido:

- Hein!?.

Fincava os pés na Lanchonete do Zé Frota, ao lado da estufa de salgadinhos tomando suas querosenes. À noite ainda estava no mesmo local convidando os amigos. No dia seguinte estacionava no Bar do Delicio e assim por diante, até chegar ao Bar do Zé do Péto. Em uma semana na cidade gastava o salário dos quarenta dias de trabalho pagando cachaça para os amigos.

Certa vez o Marinaldo “Preto” Cornélio quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça do Ovídio, que ficara o dia inteiro assistindo e dando palpite no jogo de bilhar, num bar de Nova Castilho. Perdeu a paciência de tanto que ele insistia em oferecer suas ‘querosenes’ e depois disparava "hein!" contra o silêncio dos jogadores.

No dia seguinte, com curativo na cabeça e tudo, o bêbado voltou ao bar e insistiu o dia inteiro: "Hein!".

Mariona Preta era outra componente do grupo, também muito engraçada, dona de uma risada solta, rouca e retumbante. Vivia de boteco em boteco filando umas branquinhas, de vez em quando entoava em altos brados a versão de uma moda-de-viola do Tião Carreiro, "O Mineiro e o Italiano". O original dizia: "Um mineiro e um italiano viviam às barras dos tribunais / numa demanda de terra que não deixava os dois em paz / só em pensar na derrota o pobre caboclo não dormia mais / o italiano roncava, nem que eu gaste alguns capitais / vou fazer esse mineiro voltar a pé pra Minas Gerais". Na versão da Mariona a briga era entre genitália feminina e masculina e a última frase era gritada: "vou fazer esse c... virar de cara pra trás". O resto, infelizmente, é praticamente impublicável.

Havia uma turma de zombeteiros que, como antecedente justificativa ao "patrocínio" das branquinhas exigia que ela se apresentasse aos mais jovens que lhe eram apontados. Pois ela não titubeava, se aproximava do garoto, segurava-o pela braguilha e disparava:

- Maria Olímpia Borges, sua criada!

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