segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Bugrinho

Bugrinho era um peão de fazenda que quando vinha à cidade promovia um verdadeiro desfile. Era um tipo meio enjoado, só andava bem trajado: bota do cano comprido até no joelho com umas fivelinhas laterais no alto do cano; guaiaca de couro também cheia de fivelas e abotoamentos; camisa aberta no peito; lenço de boiadeiro atado no pescoço; chapéu preto atolado na cabeça; cigarro de palha espremido no canto da boca; invariavelmente, uma faca na cintura.

Montava uma mula preta toda enfeitada: peiteira de doze argolas, arreio mexicano com um baita pelego tingido de vermelho e mais alguns penduricalhos. Era metido a domador de burro bravo e sempre alardeava em rompantes os seus dotes de peão. Tinha jeito de briguento, arreliento, mas era boa gente.

Ouviu dizer que a melhor maneira de guardar dinheiro era ter uma conta no banco. Juntou uns trocados e foi até o Banco Real. O gerente autorizou, recolheu o depósito e entregou o talão de cheques na mão do novo cliente. Semanas depois o bancário avistou o peão desfilando pela rua, montado no mulão e fez sinal para ele se aproximar.

- O senhor precisa ir ao banco fazer um depósito, sua conta está descoberta. O dinheiro que o senhor depositou já acabou!

E o Bugrinho, surpreso:

- Acabou nada, o senhor tá muito enganado, ainda tem uma meia dúzia de folhas no talão!

Naquele tempo não existia vida noturna com bares abertos até a madrugada, todos fechavam por volta da meia-noite. Havia uma turma de amigos que usava Bugrinho para impedir o fechamento. Ficavam aproveitando o bar mais movimentado e mandavam o domador para o outro, com menos gente. Diziam: "Vá tomando cerveja lá e não deixe o homem fechar o boteco, depois nós pagamos a sua conta".

Nestas ocasiões se dava ar de importância quando o botequeiro queria mandá-lo embora:

- Não vou e você não vai fechar enquanto eu estiver bebendo e pagando!

E segurava a peteca até a chegada da turma.

Anos depois se mudou para São José do Rio Preto, abandonou a vida de peão, arrumou um emprego público. Depois de muito tempo na cidade grande a saudade bateu forte, ele tirou a tralha do baú, calçou as botas de cano comprido, enterrou o chapéu na cabeça, lenço no pescoço, montou num Opala preto e se mandou para a Festa do Peão de General Salgado.

Reencontrou os amigos, festejou todos os dias, tomou umas cachaças e no domingo à noite pegou a rodovia de volta para casa. No meio do caminho foi parado por uma blitz da Polícia Rodoviária. Entregou os documentos, o policial pediu para ele descer e analisou a situação: um negrão trajado de peão, dirigindo um Opala incrementado, e pior, com documentos duvidosos. O Bugre ainda tentou argumentar:

- Olha seu guarda eu sou o Bugre, sou trabalhador, o carro é meu mesmo, tá aqui o documento!

Não teve jeito, acabou na Delegacia às duas da manhã. Também tentou argumentar com o Delegado:

- Seu dotô, eu sou o Bugre, não sou qualquer um não, sou funcionário da Prefeitura de Rio Preto, o senhor pode ligar pro meu chefe que ele vai confirmar pro sinhô que eu sou gente boa.

O Delegado deu uma analisada:

- Mas e essa roupa de peão?

- É que eu já fui domador lá em Salgado, fui ao Rodeio encontrar uns amigos e tô voltando pra casa.

O Delegado ficou muito desconfiado, entrou em outra sala e telefonou para Rio Preto, localizando o chefe do Bugrinho. Soube que era boa pessoa. "Ele é meio nervoso, mas é inofensivo doutor, pode liberar que tá tudo bem com o rapaz", disse o patrão.

O Delegado voltou à sua sala, onde o Bugre aguardava impaciente. Devolveu-lhe o documento e disse:

- Seu Bugrinho, eu falei com o seu chefe e o senhor está liberado!

O ex-peão olhou bem sério para o Delegado, meteu a mão em tudo o que se achava em cima da mesa e jogou no chão:

- Então o senhor duvida da minha palavra, me faz passar essa vergonha e agora vem me dizendo que tô liberado? Eu sou o Bugre, agora o senhor vai saber quem é o Bugre! Pode me prender, já que o senhor tá pensando que eu sou bandido! Agora o senhor vai saber quem é o Bugre!

Quase três horas da manhã, depois de um final de semana de cansativo plantão, o Delegado não sabia se ria ou se chorava diante daquela figura plantada na sua frente. Precisou usar de muita paciência para convencer o Bugrinho a ir embora para casa e deixar de confusão.

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