quinta-feira, 26 de julho de 2007

Paulinho Futebol Clube

Por volta de 1976/1977, nossa turma (todos adolescentes de onze, doze anos de idade) vivia correndo atrás de bola em todos os cantos da cidade: no antigo Campo de Aviação (que ficava no Jardim Celeste, no início da Rua Antonio Mendonça), na Creche Municipal; defronte a Delegacia de Polícia (onde depois foi construída a Escola "Ângelo Scarin"); e no clube, que então se chamava Salgadense Esporte Clube.

Certo dia eu soube que "seu" Roberto Japonês (Tomio Otsuki, que já subiu ao andar superior) estava formando um time da cidade para jogar em Floreal. Como os filhos dele, Leandro, Carlos e Fabiano Otsuki eram meus companheiros de peladas, também fui convidado.

Nelson Seraphim Junior era dono do único jogo de camisas para garotos que existia na cidade. Era do Palmeiras, apesar do dono ser corintiano. Seu Roberto encheu de moleques a caçamba da camioneta do Dr. Kleber Sales e se mandou para Floreal. Até então, ninguém tinha participado de um time completo, ninguém tinha noção de esporte coletivo.

A gente vivia disputando "cudeboi" pelas esquinas ou em campinhos de reduzida dimensão. Para quem não sabe, "cudeboi" era um tipo de disputa que a molecada adorava: um ficava no gol e os outros todos disputavam a bola. Todos chutavam contra o mesmo gol. Depois de certo tempo, vencia a disputa aquele que fizesse mais gols. Para que o goleiro não fosse muito sacrificado havia um revezamento.

Roberto Japonês chamou a turma e foi perguntando:

- Quem joga no gol? Quem joga de zagueiro? Quem joga de atacante?

E foi distribuindo as camisas. Não me lembro de todo o time, mas acho que o goleiro foi Leandro Japonês, o meio de campo tinha Pio Bernabé e Paulinho Giamatei, no ataque Junior Seraphim, Zé Carlos Rodrigues e Mané Bernabé. Fui escalado na zaga.

Estávamos perdendo o jogo e, no intervalo, alguns reservas reclamaram que queriam jogar. O técnico colocou uns e manteve outros ‘na cerca’. Lá pelas tantas, jogo correndo e muito disputado o técnico adversário grita para o Juiz:

- Pare o jogo porque o time deles tem doze!

Então nos demos conta que o Leta Pereira da Cunha (irmão do Nei Gordo), um dos reservas emburrados que queriam entrar no intervalo, aproveitou um descuido de todo mundo e entrou no time sem que ninguém tivesse saído.

Algum tempo depois resolvemos formar um time de verdade. Paulinho Giamattei se tornou dono, técnico, dirigente e jogador do time. Começamos a enfrentar os distritos: Nova Castilho, Iracema, Prudêncio e Morais, São Luiz e Nova Palmira. Quase todos os domingos a turma se reunia no Bar do Nino Giamattei e fazia uma vaquinha para pagar a perua do Sr. Orlando Prestes, que também atuava de massagista do time.

Quem não pagasse dez cruzeiros (era uma nota marrom, com o retrato do Santos Dumont, se não me falha a memória) não ia. Kaluzinho (meu amigo Leandro dos Santos) se aproveitava do fato de ser o único goleiro disponível e só pagava cinco. Todo domingo era uma guerra para tentar fazer o danado pagar dez, mas não tinha jeito:

- Eu só dou cincão, senão não vou!

Era melhor dividir a diferença entre os demais do que jogar sem goleiro.

Vamos ver se me lembro daquele esquadrão: Kaluzinho, Carlos José, Zé Antonio Fernandes, Dertinho Garcia, Vilmar Prado, Junior Seraphim, Carlos Garbattinho, Paulinho Giamatei, Mineirinho, Zé Carlos Rodrigues, Mané Bernabé, Cartolina, Baianão, Zé Roberto Lopes, Paulo Pateta, João Gato, Paulo César Veschi, Renato Fantini, João Chorão, Serginho Preto...

Paulinho era jogador e técnico e escalava o time da seguinte maneira: segurava a camisa 10 para ele e jogava o resto para cima. Saía jogando quem conseguisse pegar a camisa. De vez em quando Israel de Moraes (Raé) aparecia nos treinos e nos acompanhava nos jogos para dar uns palpites, incentivar a molecada.

Cartolina era um mulato que morava pelos lados do Estádio Municipal. Canhoto, driblador, jogava demais, tinha o hábito de pegar a bola no meio de campo e ir entortando toda a defesa. Era uma das armas do time. Algum tempo depois sumiu, nunca mais tivemos notícias.

Baianão era filho da Mariona Preta. Era craque, mas não tinha chuteiras, jogava descalço. Um dia fizemos uma vaquinha e lhe doamos um par de chuteiras. Porém, calçado ele se inibia. Começava o jogo e não acertava nada, a bola escorregava, o passe não saía certo, o chute era torto. Quinze minutos de jogo ele se enfezava, arrancava a bicanca e jogava para o lado. Aí parecia que estava jogando no meio da rua: fintas, chutes, firulas e gols de placa.

Cartolina e Baianão não tinham dinheiro para ajudar no pagamento da Kombi do seu Orlando, então só participavam quando o jogo era na cidade. Nossas mesadas não davam, já era muito ter que rachar a metade do Leandro. Uma ou outra vez, quando queríamos ter certeza da vitória ou descontar uma derrota, a gente fazia um esforço e rachava a passagem de um deles para reforçar o time no campo do adversário.

Dois times nos davam muito trabalho: Nova Castilho e São João do Iracema. Em Nova Castilho brilhavam Zezé Toledo, Luizão Pereira, Nardo Aleixo, Carlos Serrano, Tigre, Serginho e Genival. O time de São João de Iracema, comandado por Vagner Longhini, tinha como destaques o goleiro Bombril, João Roberto, Osmarino, Joãozinho e Gasolina. Esse time, aliás, quando surgiu em 1976, contava com Cartolina e Baianão. Todos os jogos eram difíceis e muito disputados.

Um dia apareceu na cidade o Piau Rodrigues, tio do nosso ponta-direita Zé Carlos Rodrigues. Piau jogou muita bola nos anos 60, foi considerado um dos grandes craques da região. Ele pediu para orientar o time. Estávamos querendo ganhar de todo jeito de São João do Iracema na casa deles, havíamos sofrido uma derrota inesperada, e aceitamos a proposta. Escalou o time e sumiu. Apareceu no intervalo, deu uns palpites, a partida recomeçou e ele desapareceu de novo.

O jogo estava empatado e faltando poucos minutos para o encerramento, nossos reservas descobriram que o técnico tinha tomado umas cachaças num boteco da esquina e estava dormindo na grama atrás de um dos gols. Como a grama era alta os jogadores não podiam avistá-lo. De repente ele acordou, olhou para o campo e gritou com o time:

- Passa a bola pro Cartolina!

Não sei se ouviram o grito, mas era um contra-ataque e deram a bola para o crioulo Cartolina. Ele enfileirou uns quatro ou cinco zagueiros e da entrada da área disparou um petardo: golaço!

Piau invadiu o campo para abraçar o time, fez a maior festa e se lembrou de perguntar:

- Quanto tá o jogo?

Dois minutos depois, jogo encerrado, vitória com aquele gol no finalzinho, alguns jogadores reclamaram com o técnico dizendo que ele havia desaparecido, tinha dormido atrás do gol. Ele retrucou:

- Mas se eu não mando dar a bola para o Cartolina a gente não ganhava!

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