sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Poema do Uberaba

Mudei-me de General Salgado para Araçatuba em 1983 e de lá saí em 1998 com destino ao Mato Grosso do Sul. Durante todo esse tempo, porém, fiz questão de não me afastar da cidade, dos familiares e também dos inúmeros amigos salgadenses.

Por incrível que possa parecer, grande parte dos universitários de Araçatuba não costuma se entrosar bem com o pessoal da cidade. É que em faculdades como a Unesp, os estudantes vêm de todos os cantos do país e acabam formando seus grupinhos. Também porque até certo ponto, o pessoal de Araçatuba é segregador. Nunca tive problemas desse tipo, pois quando lá fui morar já conhecia muita gente e de lá saí muito mais conhecido, graças a Deus.

Durante certo tempo fiz parte de um grupo de amigos que foi exceção à regra universitária, talvez porque dele fazia parte a amiga Magali Melo, dona de uma pensão para estudantes. A gente armava umas festas por lá e, cedo ou tarde, o pessoal das faculdades ia aparecendo, se enturmando. Foi numa destas festas que conheci Jefferson Nomelini, conhecido como Uberaba, um mineiro ajeitado por demais, estudante de Veterinária.

Avistei-o pela primeira vez no meio de um grupo, declamando uns poemas caipiras. Achei estranho, incomum. Um sujeito magrelo, pálido e sorridente. No meio do poema ele se ajoelhava, segurava o chapéu contra o peito e se benzia. Pensei comigo: esse cara é doido ou é discípulo do salgadense Pedro Maron, que também vive dia e noite recitando seus poemas prediletos.

Depois me dei conta que era um tipo muito engraçado, amistoso e simpático. Além desses versos que os locutores de rodeio vivem gritando nos nossos ouvidos, também declamava poemas caipiras, nos quais incluía todos os gestos possíveis.

Acabamos até nos entrosando freqüentando diversas festas pela cidade. Nos intervalos das cantorias a gente soltava o Uberaba e suas poesias. Fiquei gostando muito daquela do chapéu no peito e das bendições, falava em beijo gostoso, em cheiro cheiroso, e assim por diante. Era tão boa que uma vez conseguimos fazê-lo declamar no microfone da Boate Calypso.

Um dia ele me cerca na rua, com aquele jeitão de mineiro:

- Ô CJ, conheci a tal de General Salgado. Mas que cidade boa demais da conta sô! Já me convidaram pra Festa do Peão e eu vou pra lá.

Acho que foi por intermédio de Sidney Zanatta Junior e Aline Neves que ele apareceu na cidade e adorou. Cumpriu a promessa e apareceu na Festa do Peão, onde, além de outros, eu o fiz recitar várias vezes o poema do Beijo Gostoso. Pra variar ele se enturmou e pelo que sei, voltou muitas vezes à terrinha.

Depois que saí de Araçatuba fiquei muito tempo sem notícias dele, até que o reencontrei pela internet e depois no site Orkut.

Logo nos meus primeiros dias de Chapadão do Sul, num fim de tarde, eu estava numa lanchonete tomando umas e remoendo as saudades de casa quando alguém ligou o som numa camionete estacionada em frente ao boteco. Levei um susto, alguém estava declamando o poema caipira do Uberaba.

Aí descobri que uma Banda de Campo Grande, o Grupo Tradição havia gravado o tal do Beijo Gostoso, cujo autor é Zé Capeta, um peão de comitivas de boiada que participou da novela Ana Raio e Zé Trovão, na extinta Rede Manchete. É lógico que eu pedi pra repetir umas duas vezes e depois comprei o CD para ouvir sempre.

Pois ainda hoje quando ouço, me lembro do Uberaba segurando o chapéu contra o peito, às quatro da matina, ajoelhado no meio da barraca Caipirama, na Festa do Peão de Salgado:

"Adespois de tanto amor, de tanto beijo gostoso,
De tanto cheiro cheiroso, nóis briguemo.
E briguemo como quem deve de brigá:

Cada um prum lado, prepara as mala,
Na despidida inté se xinguemo: te odeio, te desprezo,
Baba de cururu, mandinga de sapo seco.
Vancê vá pro Norte que eu vou pro Sul.
Nunca mais quero te ver.

Nunca mais quero te ver, nem pintada de carvão
Lá no fundinho do meu quintar.
E se contigo eu chegar a sonhá, acordo e faço trêis cruiz:
É cruiz, é cruiz, é cruiz!
O Brasí é muito grande, dá bem pra nóis separá.

Ela engoliu um saluço eu engoli bem uns quatro
E carquemo o pé no mato.
Passou-se um tanto de tempo que nem é bão recordá.

Ontem nós se cruzemo, nem tentemo se disfarçá.
Eu parti pra riba dela com o fogo aceso no oiá,
Ela me deu um arrocho, ah! se eu fosse um cabra froxo
Tava aqui em dois pedaço.

E foi tanto beijo gostoso, e foi tanto cheiro cheiroso
Que nóis inté se lembremo que o Brasí é pequeno,
Num dá pra nóis separá.”


Amigo Uberaba, apareça lá na terrinha pra gente colocar a prosa em dia!

3 comentários:

Unknown disse...

há anos procuro essa prosa "beijo gostoso". É linda! em que disco do tradiçao vc conseguiu???

Anônimo disse...

A autora desta poesia é Marilita Pozziol o nome dela é: "Final de ato" e ñ é dificil achar na internet

gilson leao disse...

independente de autoria, Zé Capeta ou Marilita Pozziol, é muito bom, merece verificação.....