sexta-feira, 20 de junho de 2008

Na Era do Rádio

Sempre tive fascinação por rádio. Quando criança adorava os programas de música caipira das Rádios Record e Globo. Cada dupla tinha um dia da semana para se apresentar. Era tudo ao vivo.

Na rádio Record tinha o programa Sertanejo Classe A, apresentado pelos locutores Zé Russo e Zé Béttio. As duplas de sucesso se revezavam diariamente: Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Liu e Léu, Pedro Bento e Zé da Estrada, Zé Fortuna e Pitangueira.

O sanfoneiro Zé Béttio apresentava um programa de madrugada onde fazia de tudo para manter acordados os ouvintes gritando: olha a hora!. Isso pra não falar na barulheira de panelas que aprontava, mandando que a mulher desse um jeito no sono do marido: joga água nele!.

Vovó Arandira Marques tinha um grande rádio de pilha tipo capelinha, que ficava em cima do guarda-roupas. Um pequeno fio de cobre amarrado no telhado fazia vez de antena. Não havia luz elétrica, depois do jantar a gente se reunia na beira do rádio para ouvir música caipira. Bons tempos aqueles, principalmente porque ainda se podia ouvir boa música caipira no rádio. Hoje em dia a coisa se perdeu...

Assim que comecei a trabalhar, com doze, treze anos, juntei dinheiro para comprar o meu primeiro rádio portátil. Carregava o bichinho o dia inteiro para todo canto. De manhã ia para o trabalho ouvindo os programas matinais de notícias e música.

Na hora do almoço ouvia todos os programas esportivos possíveis, com predileção pelo Balancê da extinta Rádio Excelsior, apresentado pelo então jornalista esportivo Fausto Silva. Depois da escola, não dormia antes dos programas noturnos das Rádios Capital, Nacional, Globo, Bandeirantes.

Foi assim que aprendi a ouvir e gostar de Música Popular Brasileira, já que ainda não existia FM na região e as emissoras não estavam afundadas nesse esquema bandido de só tocar o que manda o dinheiro das grandes gravadoras.

Através de um radinho de pilha de ondas curtas, médias e longas ligado na cabeceira da minha cama descobri a música maravilhosa de Chico Buarque, Fagner, Zé Ramalho, Paulinho da Viola, Belchior, Beto Guedes, Milton Nascimento, Nara Leão, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Elis Regina, Alceu Valença; toda essa gente que sempre teimou em fazer, ainda que contra o estúpido sistema, música de boa qualidade neste país.

Nos finais de semana a gente grudava no radinho de pilha para ouvir jogos de futebol. Não havia transmissão televisiva e tínhamos que recorrer às narrativas dos locutores Osmar Santos, Fiori Gigliotti, Oscar Ulisses, Waldir Amaral e Jorge Cury, dentre outros. Mesmo quando os jogos eram transmitidos pela TV era mais emocionante assisti-los ouvindo a narração pelo rádio.

A nossa turma assistiu a todos os jogos da Copa do Mundo de 1982 na casa do Chiquinho Cervantes. Na estréia do Brasil, contra a Rússia, quando o atacante Éder fez o gol da vitória aos 44 minutos do segundo tempo, a comemoração foi tanta que eu joguei o rádio para cima e ele caiu no chão, espatifou-se. Tive que comprar outro para ouvir o resto da Copa.

Somente agora no início do século vinte e um foi que General Salgado recebeu sua primeira emissora de rádio, pelo esforço de salgadenses que admiro: Carlinhos Rodrigues e família. Poucos sabem, mas nas décadas de 70 e 80 tinha um serviço de alto-falantes instalado defronte a Igreja da Matriz.

Durante a semana funcionava tocando música e era comandado pelo Walter, antigo funcionário e depois dono da primeira loja de discos da cidade. Os populares encomendavam músicas, o serviço funcionava ao lado do Salão de Barbeiro do seu Kalú. Era comum durante o passeio noturno pela praça se ouvir de repente pelos alto-falantes:

- Esta música o moço de camisa verde e calça bege oferece para a garota de vestido vermelho, como prova de amor e carinho...

E seguia a música, invariavelmente cantada por Roberto Carlos...

O serviço também dava algumas notícias e divulgava utilidades públicas. Começava diariamente às seis da tarde e a abertura era um tema instrumental do conjunto Os Incríveis, chamado O Milionário. Norival Cabrera também foi um dos primeiros locutores.

O sistema de notícias se chamava Serpuba: Serviço de Publicidade Bandeirantes. Mas era popularmente tratado de Perturba. Nas tardes de domingo era ocupado pelos esportistas. Zé Frota, Raé de Moraes e alguns outros, apresentavam um programa com as notícias do futebol salgadense.

No início dos anos 80 a aparelhagem foi comprada por Petronil Martins e nas suas folgas o locutor Walter era substituído pelo Mauro Lúcio, filho do dono.

Possuidor de uma dicção ligeira e confusa e uma leitura precária, ninguém entendia o que ele dizia, pois as palavras saíam num jorro, amontoadas e distorcidas. Um dos programas era patrocinado pela Auto Elétrica Camarotto, de propriedade de Carlinhos Camarotto. E o Maurão sapecava:

- E agora as notiça do dia, num ofecimento da Auto Elétrica Gafanhoto...

Mas voltando ao sistema radiofônico, registra a história que a primeira transmissão radiofônica oficial no Brasil aconteceu no dia 7 de Setembro de 1922. Os primeiros aparelhos que surgiram no Brasil eram alimentados por bateria, ou seja, uma pilha de grande capacidade e que também era enorme. Nos anos 40 surgiu o chamado rabo quente. Era um rádio alimentado por tensão sem transformador. Após algumas horas de funcionamento o cordão de alimentação aquecia e daí o apelido.

Ouvi dizer que um antigo sitiante das bandas de São João do Iracema em visita à cidade, ao passar diante de uma loja e ouvir pela primeira vez a estranha caixinha falante animou-se em possuí-la.

Buscou uns cobres guardados no fundo do baú e voltou para casa muito animado, chamando a gurizada para ver de perto a novidade. Na loja fora orientado pelo vendedor de que se tratava de um aparelho movido à bateria, a cada trinta, quarenta dias, necessitava nova carga.

Pediu que o lojista deixasse o aparelho sintonizado numa emissora que só tocasse música caipira, pela qual tinha predileção. Chegava da roça com o sol amoitando no poente e, depois do banho, sentava-se diante da caixeta mágica para aguardar a janta e ouvir Tonico e Tinoco, um duplão que só cantava moda boa demais da conta!

Findo o programa dos artistas prediletos ele não se importava mais com o resto da programação, desligava o aparelho e se espichava no catre, onde a patroa já o aguardava. O rádio passou a ser parte de sua rotina diária, não conseguia mais viver sem ele. Não colocava a cabeça na paina do travesseiro sem antes ouvir Tonico e Tinoco.

Depois de um mês mais ou menos, as vozes que emanavam do aparelho começaram a falhar e sumir. De nada adiantava bulir naquele botãozinho de regulagem de altura. Girava o danado até o último furo e as vozes continuavam bruxuleantes, lá longe. Sem entender direito o que acontecia procurou socorro na loja onde comprara o aparelho.

- Deve ser a bateria - disse o vendedor - traga aqui o aparelho que a gente recarrega.

Atendendo a determinação do lojista, dias depois voltou ele trazendo a caixa falante e pedindo para que promovessem imediatamente a recarga do aparelho. Antes, porém, advertiu muito sério:

- Mas o senhor carrega só com moda do Tonico e Tinoco, não ponha moda dos outros que eu não gosto!

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