segunda-feira, 28 de abril de 2008

Futebolísticas

Seu Domingos de Almeida foi zagueiro de respeito defendendo alguns times da região do Córrego do Lajeado. Ao seu lado jogavam outros de seus irmãos: os laterais Agostinho e Azenclever e o meio-campista Ademázio.

Os “filhos do seu Álvaro” como eram conhecidos, vestiram os uniformes de vários times das cercanias: Major Prado, Nova Palmira, Fazenda Almeida Prado, e outros. Fui capaz de vê-lo jogando – já quase veterano – pelo time de Nova Castilho, ao lado de outros craques do local em fase final de carreira: Gumercindo Pereira, Miro Carapina, Caracu e outros.

À medida que foi encerrando a carreira de boleiro papai foi passando a ajudar na administração dos times e organização dos jogos. Era comum aos times dos distritos convidarem jogadores da cidade para reforçar seus elencos.

Foi assim que, ainda vivendo em Nova Castilho fiquei conhecendo de perto os craques salgadenses da época, que de vez em quando vestiam o uniforme do esquadrão castilhense.

Por uma incrível coincidência, os principais atletas formavam grupos familiares de irmãos: os Mendonça (Banana, Mick e Vande), os Prado (Edmar e Gilmar), e os Gasques (Camisada e Tiquinho). Estes eram os que mais comumente reforçavam a equipe castilhense.

Cresci ouvindo os mais velhos tecendo loas sobre os antigos craques da cidade. Nos anos 50 o time tinha uma defesa muito sólida, formada pelo goleiro Tanabi, o jovem lateral Zé Afonso, Cido Prado, Rolinha, Joaquim Fernandes.

No meio de campo Arnaldo Regula (cunhado dos irmãos Bernabé) era o craque da época, tinha um estilo elegante e apurado. Ao seu lado brilharam os meio-campistas Ieron Ribeiro, Fiúla, Paschoal Pompílio e os atacantes Ramonzinho, Paraguai e Caxambu.

Mais adiante, nos anos 60, começou a aparecer para a torcida o futebol vistoso de Piau Rodrigues, que formava a meia-cancha do time com Zé Frota e Tica. A defesa tinha Dega, Orlando Prestes e Zé Afonso. No ataque, Amilton e o jovem Caruaru ao lado do infernal Caxambu.

Nos anos 70 surgiu a geração que eu vi jogar, com os goleiros Italianinho e Val (irmão do Tião Pelé), e os meio-campistas Banana, Edmar e Gilmar Prado, Amauri Cruzeiro e Poloni.

Os mais antigos dizem que Caxambu e Piau foram os melhores dentre todos os atletas que envergaram a camisa salgadense. Não os vi jogar, mas imagino que se eles foram melhores que Poloni é porque jogavam muito.

Chamava-se Laurício, era um policial militar que veio da vizinha cidade de Poloni e, por isso ficou assim conhecido. Camisa 10 típico, clássico, de passadas largas, ótimo domínio de bola e dribles desconcertantes. Seu futebol enchia os olhos da torcida.

Nessas três décadas a direção da equipe passou por vários treinadores, dentre eles: Perez, Cri, João Longhini, Durval Saxoni, Zé Afonso, Tião Pelé, Márcio Teixeira da Rocha, este último dando preferência à garotada.

Os dirigentes eram dedicados torcedores que colocavam seus veículos à disposição para o transporte dos atletas pela região. Um dos mais abnegados, que fornecia transporte e chegava a pagar as despesas da equipe do próprio bolso era Luiz Zoccal.

Os times salgadenses sempre foram respeitados na região talvez porque os treinadores aproveitassem jogadores dos diversos bairros rurais. O Dr. Orides Boiati, membro do Ministério Público paulista, moleque crescido no Córrego do Gabriel, conta que o time do bairro era praticamente imbatível nos duelos que travava com os vizinhos: Colônia Braga, Água Vermelha, Ouro Branco, Macaúba Velha (como era conhecido o distrito de Vicentinópolis), Olaria da Paula, Generoso, Nova Palmira, Nova Castilho. Vários jogadores que brilharam no escrete principal do Salgadense saíram dos times de bairros.

Outro atento leitor desta nossa prosa pela Internet, o salgadense e hoje paulistano Aparecido Rubens da Silva (o famoso boleiro Chapa, muito conhecido lá pelas bandas da Vila Minhoca como Cidinho do Saad), conta que por volta de 1966, um dos grandes clássicos interbairros era o embate entre Nova Palmira (a famosa Vila Minhoca) e a Fazenda Zocal.

Um dos jogos mais marcantes foi o que festejou a inauguração do campo da fazenda. No sábado a turma se reuniu para preparar o campo, aparar o gramado, deixar tudo nos trinques. De repente surgiu um problema: no meio do campo havia um enorme cupinzeiro, daqueles que só se arranca com trator, e a única máquina existente na fazenda estava no conserto. A solução foi realizar a partida com o imenso tacuru na meia-cancha.

Parece que o jogo terminou sem abertura de contagem, mas a grande sensação do dia foi o show que os craques (Quica, Zé Afonso e o goleiro Marião entre eles) tiveram que dar driblando os adversários e também o murundu.

Quando mudamos para a cidade, no início de 1976, seu Domingos passou a acompanhar de perto o time que representava a sede do município, então chamado de Flamengo e comandado por Durval Saxoni com o auxílio do veterano lateral direito Zé Afonso, que ainda corria atrás da pelota.

O time não tinha meio de transporte e se locomovia até as cidades vizinhas em diversos carros colocados à disposição pelos torcedores mais fanáticos (Domingos de Almeida, Anésio Arruda, Zezinho Fernandes, entre outros).

Era comum no domingo logo depois do almoço encontrar os automóveis estacionados defronte a Prefeitura Municipal aguardando os jogadores. Era uma das minhas diversões de criança acompanhar os jogos nas cidades vizinhas.

Ainda guardo na lembrança um domingo chuvoso em que o time se reuniu para ir enfrentar o escrete da vizinha Poloni, um dos adversários mais temíveis. Nosso carro foi o último a chegar lá, quando o time já estava nos vestiários. Havia um problema grave, por conta da chuva alguns jogadores acharam que o jogo não aconteceria e não apareceram. O técnico Zé Afonso contou os presentes: nove incluindo dois goleiros, Italianinho e Márcio Aurélio Cruzeiro.

O jeito era improvisar e por incrível que pareça deu-se um jeito: o treinador Zé Afonso se escalou numa lateral, botou o goleiro reserva Márcio Aurélio noutra ala e arrumou chuteiras para o torcedor Domingos de Almeida, improvisado na ponta-esquerda.

Nunca esqueci a escalação do timaço: Italianinho, Zé Afonso, Grilão, Gilmar Prado e Márcio Aurélio; Banana, Edmar Prado e Amauri Cruzeiro; Vande Mendonça, Caruaru e Domingos de Almeida. Vencemos por 2x0, gols de Edmar e Vande.

A re-inauguração do Estádio Paulo Posseti aconteceu no mesmo ano de 1976 e íamos assistir aos treinos na maior expectativa para o grande jogo da estréia. O time era muito bom, não sei como alguns craques daquela época não deram certo em times profissionais, apesar de alguns terem tentado.

O time-base: Italianinho, Saponga, Ilsinho Pissioli, Banana e Cabo Onório; Gilmar Prado, Edmar Prado e Poloni; Chocolate, Caruaru e Tiquinho. Na reserva: Val, Grilão, Zé Afonso, Oscar Garbatti, Amauri Cruzeiro, Mick e Vande Mendonça, Camisada, Cela, Márcio. Apesar da festa o time perdeu para um grande time da região, se não me falha a memória o Fernandópolis (o famoso Fefecê) que disputava uma das divisões de base do campeonato paulista.

Nos anos 80 surgiu a minha geração, outra leva de craques salgadenses. Muitas outras surgiram depois e assim continuará acontecendo. Do nosso grupo, formado ainda na faixa dos 12 a 14 anos pelo incansável Márcio Teixeira da Rocha, auxiliado por Zezinho Soldado e pelo dentista Josafá Barcelos, também despontaram bons valores. Dentre eles um baixinho enfezado e atrevido com a bola nos pés que acabou se tornando o mais conhecido salgadense no futebol profissional: meu xará Carlos José de Oliveira, o Negão, que fez sucesso no América rio-pretense.

Finalizo com uma historinha futebolística daqueles bons tempos. Os irmãos Edmar e Gilmar Prado desde cedo mostraram grandes dotes para o futebol. Ainda moleques eram requisitados pelos times dos bairros rurais.

Certa feita Edmar foi convidado para jogar pelo time dos Tamborlin, no Bairro da Água Vermelha, nas proximidades de Nova Castilho, outro conhecido reduto de famílias italianas: Tamborlin, Bonetto, Marchiafave, Colombo e Borghetti dentre outras.

Edmar apresentou ao dono do time, o Sr. Tranqüilo Tamborlin, o irmão mais novo como sendo um craque. O italiano olhou para o menino Gilmar – que já era baixinho – e não acreditou que aquele frangote poderia jogar futebol entre os mais velhos. Mas, acreditando na palavra do irmão mais velho, deu-lhe a camisa 10, para que formassem a dupla de ataque do time da casa.

O juiz comandou a saída do jogo, os dois irmãos saíram tocando a bola e engatilharam uma tabelinha, aproveitando o grande entrosamento que possuíam.

Em meia dúzia de toques chegaram à cara do gol e sem que o adversário sequer tocasse na bola Gilmar inaugurou o placar. A torcida delirou e durante a comemoração do gol os jogadores perceberam que o dono do time saíra correndo para os lados da casa, pois o campo dos Tamborlin era praticamente no quintal.

O jogo foi adiante com a dupla infernizando a defesa adversária, protagonizando uma sonora goleada. Na margem do gramado o velho Tamborlin exultava e pulava a cada jogada dos dois jovens. Ao término do embate o italiano procurou os irmãos para agradecer e elogiar o pequenino Gilmar que havia arrebentado com o jogo.

Não se conteve ao narrar a cena que viveu com o primeiro gol do time, explicando com seu forte sotaque:

- Rapazinho, quando você saiu tabelando e fez o primeiro golo eu não me agüentei. Me caguei tudo nas carça...

Nenhum comentário: