segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Maluko x Tô-Que-Tô

O tempo mostrou que o argumento que sustentei para defender o ingresso de outros amigos no Bloco Maluko para o carnaval de 1983, e que não foi aceito pela maioria dos companheiros, teria sido a melhor decisão. A maioria vencedora se formou sob a tese de que a adesão dos demais tornaria o bloco muito grande e a intenção era manter um pequeno grupo.

Mas esta concepção foi para o espaço quando o Tô-Que-Tô arregimentou um grande número de pessoas e tivemos que convidar mais gente para o nosso lado, tentando equilibrar a disputa. Quer dizer, de cara provocamos o indesejado inchaço no bloco - e pior ainda, em minha opinião - um racha no enorme grupo de amigos que formávamos durante o resto do ano.

Merece registro o nome de alguns dos amigos que formaram as bases do Tô-Que-Tô: Leandro dos Santos (Kaluzinho), Tia Neide, os irmãos Filó, Vera e Zé Roberto Iannela, Mané e Roberta Bernabé, Chiquinho, Gustão e Regina Cervantes, Vânia Mendonça, Uta Garcia, Marli e Batata Bernabé, Potô Chaves, Pedrinho Arruda, Dinoel Marques, Birolinho (Edson Alves), Nêra (Laurico de Almeida), Cecília Pretti, Guilhermina Iannela, Pililica Cruzeiro, Ademir Fantini e muitos outros que a memória não alcança.

O cordão se achava em formação e meses antes do carnaval, Leandro, Filó e alguns outros fundadores participaram de uma excursão salgadense ao Rio de Janeiro, onde assistiram na Casa de Espetáculos Canecão ao Show da cantora Simone. Era o lançamento do disco Corpo e Alma e fazia estrondoso sucesso uma música chamada Tô-Que-Tô, de autoria dos compositores Kleiton e Kledir Ramil.

Embasbacados com o show e o talento da cantora baiana, os salgadenses voltaram à terrinha com tudo aquilo borbulhando na cabeça, especialmente o refrão da música: “eu tô-que-tô, eu tô-que-tô”. Assim surgiu o nome do bloco que logo no primeiro ano venceu a disputa com o Maluko e sagrou-se campeão do carnaval salgadense.

Não me lembro de quantas vezes cada bloco venceu o campeonato de animação nos salões do clube, só sei dizer que a cada ano a disputa mais se acirrava. Começava nas ruas, nos barzinhos e pegava fogo no clube, onde cada um buscava uma entrada mais triunfal e depois mantinha os foliões pulando mesmo durante os intervalos.

O aumento descontrolado do número de componentes dos dois blocos causou alguns problemas sérios. Em 1986, por exemplo, uma briga de rua (que partiu de pessoas estranhas aos grupos) envolveu e colocou em lados opostos membros dos blocos e esse desentendimento isolado, sem qualquer vínculo com os núcleos centrais, acabou contaminando a todos.

Sem o mínimo interesse em apoiar ou sustentar qualquer tipo de contenda física durante os festejos, as diretorias envidaram esforços e conseguiram evitar outras brigas até o último dia. Mas, infelizmente, por volta das 2:00 horas da manhã da quarta-feira o pau quebrou dentro do salão e muita gente se feriu.

No ano seguinte tivemos outro problema. Na última noite entrei na secretaria do clube para pegar um cartaz de divulgação dos bailes, eu precisava de dados para escrever um artigo sobre o carnaval que seria publicado no jornal Folha Salgadense, de propriedade do advogado Dr. Ayres Pereira dos Santos. Ao abrir a porta, surpreendi uma reunião entre a comissão julgadora e alguns representantes do Tô-Que-Tô.

Imediatamente reuni nossa diretoria e relatei o episódio, procuramos o Presidente do Clube, Dr. Eduardo Gomes, que não estava na reunião, não tinha conhecimento dela. Avisamos que diante do acontecido não aceitaríamos um resultado que não fosse nossa vitória, pois a reunião havia colocado sob suspeita a comissão julgadora.

É lógico que o Tô-Que-Tô tinha todas as condições para vencer, mas seria mais justo e transparente se um representante do nosso bloco também tivesse participado do encontro..

O Presidente do Clube anunciou o resultado: “pelas notas dos jurados deu empate entre Maluko e Tô-Que-Tô, mas como Presidente e com direito ao ‘voto de Minerva’, o vencedor é o Maluko”. Aí a coisa ferveu de novo, o Tô-Que-Tô e os diretores do clube que estavam na reunião secreta estrilaram, querendo que o Dr. Eduardo voltasse atrás e virou uma confusão só.

Para evitar que a briga do ano anterior se repetisse tiramos todo o bloco do salão, umas trezentas pessoas. Às 3:00 horas da manhã bloqueamos um quarteirão da Avenida Diogo Garcia, entre as Ruas Dr. Bruno e José Desidério, instalamos o som na calçada, ao lado de dois freezers cheios de cerveja gelada e festejamos até o dia clarear.

Até hoje acredito que se não tivéssemos tomado conhecimento daquele encontro furtivo e suspeito, teríamos aceitado inocentemente a derrota. Depois, o fato de a comissão ter declarado um empate após a pressão exercida por nossa diretoria e pelo próprio presidente, nos deu a sensação de que tentaram ajeitar as coisas depois do flagrante.

A meu ver, a culpa exclusiva pelo acontecido foi de alguns membros da Diretoria do Clube. Talvez os amigos do Tô-Que-Tô tenham uma outra visão do fato, mas a realidade é que aquela reunião pegou muito mal, estragou a festa de todos.

Foi a última vez que participamos da disputa. Para evitar que esse tipo de desentendimento atingisse outras vezes a festa do carnaval, nos anos seguintes comunicamos por escrito à Diretoria do Clube que apesar de freqüentarmos os bailes, não estaríamos mais concorrendo aos prêmios, com exceção dos foliões individuais, categoria na qual o nosso Vande Mendonça era imbatível: venceu por três anos consecutivos e eu, nestes mesmos anos, fiquei com o vice-campeonato.

Deixamos de nos preocupar com a competição, mas jamais de contribuir para a festa, a animação, a alegria e, principalmente, o grande congraçamento de amigos que sempre aconteceu nos carnavais salgadenses.

Rivalidade à parte, era uma satisfação enorme encontrar os amigos dos outros blocos nos salões, abraçá-los com força e consideração. Sentir que o mais importante de tudo era a graça de viver e de saber que ali ao lado havia alguém que queria partilhar a sua felicidade, que fazia questão de dividir a fração, a parte inteira, o iceberg e a fogueira, como disse um poeta.

Tudo caminhava assim até que outros fatos se desencadearam, como o arrefecimento dos bailes de salão, o precoce desfazimento do Maluko (praticamente anunciado quando eu e Júnior Seraphim tivemos divergências internas e deixamos o grupo em 1990), o gigantismo de alguns blocos em detrimento das reuniões de amigos, tudo conduzindo ao bruxuleio que acometeu nosso carnaval por alguns anos.

Ainda bem que tempos depois as coisas tomaram outro rumo, o carnaval renasceu, o Tô-Que-Tô sobreviveu e se tornou o mais sólido dos blocos do carnaval salgadense, e seus foliões devem continuar comemorando e celebrando a vida.

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