sexta-feira, 11 de julho de 2008

Major

No dia 26 de maio de 1996 a Câmara Municipal de General Salgado concedeu uma das mais justas homenagens de toda a sua história. Outorgou o título de Cidadão Salgadense ao Dr. Kleber de Santana Sales.

Para minha surpresa, Osvaldo Marques Junior (Mineirinho), então Presidente da Câmara, me convidou para proferir o discurso de saudação ao homenageado.

A minha satisfação decorreu principalmente, do fato de que o agraciado manteve com meu avô Braz Firmino Marques uma amizade fraterna que nasceu nos seus primeiros dias em solo salgadense, e que se estendeu aos demais familiares ao longo de todos esses anos.

Muitas foram as vezes em que, nas minhas passagens pela cidade, ele me recebeu no seu consultório da Santa Casa para uma boa prosa. Outras vezes, franqueou-me a sua casa como só os bons amigos sabem fazer.

Quando Rita e Sibeli vinham passar as férias na cidade trazendo um bando de amigos paulistanos, ele fazia questão que eu organizasse os churrascos na Fazenda Ritabeli ou os deslocamentos pelas festas da região, confiando-me a direção da camionete. Por conta desta relação próxima, acostumei-me a chamá-lo carinhosamente de Major, dado o seu indefectível tino de comando.

Após saudar as autoridades, dirigi aos presentes e ao homenageado o seguinte discurso:

“A poucos homens é dado o momento em que seu destino individual confunde-se com o da terra aonde vive; em que é difícil distinguir entre seus próprios passos e a história de seu povo.

Convocados como testemunha dessa união e participante deste ritual, permita-nos, nobre cidadão salgadense, adentrar a solidão que o antecede; rever no menino de São Luis do Maranhão, no jovem estudante, no acadêmico desterrado, no médico conceituado, no homem empreendedor e incansável, a síntese de vossa vocação.

No limiar do ano de 1960, a tímida população salgadense não se deu conta de que além do conselho do amigo Plínio Barbosa e do charmoso caminhão Studbacker que o conduzia, algo mais fazia chegar à cidade um médico recém saído da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Aos trinta e quatro anos - completados um dia após instalar-se na cidade - o nosso cidadão trazia consigo marcas indeléveis de um temperamento forte, margeado de imensa disposição em lutar e vencer na vida. Nestes trinta e seis anos decorridos, jamais se privou de suas convicções e nunca se afastou do nosso povo.

Foram dias difíceis os primeiros vividos em nossa cidade. Praticando o ofício medicinal com esmero, dedicando-se igualmente aos que dele necessitavam, ganhou confiança e amealhou amigos. Combativo, indômito, desassombrado, nosso homenageado não se limitou em ser médico estrênuo e porfiado.

Amigo e conselheiro, tornou-se com a sabedoria dos abençoados um dos principais responsáveis pelo avanço político e administrativo do município, sem jamais ter exercido função pública. Deixando de lado interesses pessoais, sempre pleiteou e obteve, em favor da população salgadense, melhores condições de vida e de desenvolvimento.

E os exemplos de sua atuação estão perpetuados em todos os cantos da cidade, ao alcance de todos. São marcas indestrutíveis gravadas na memória de General Salgado pela mão diligente e corajosa do nosso agraciado Doutor Kleber.

Não foram suficientes para demovê-lo os ataques e as ofensas daqueles que se sentiram ofuscados por sua reluzente tenacidade. Ao invés de obstáculos, serviram de impulso, de incentivo à sua obstinação. Jamais se deixou vergar, inspirado - por certo - nas palavras clássicas de VOLTAIRE: “pregar a verdade e propor alguma coisa útil para a humanidade é uma receita infalível para ser perseguido”.

Completa-se hoje o trigésimo sexto ano de sua presença nesta cidade. Para nosso júbilo, podemos vê-lo, não no ocaso de uma bruxuleante carreira, mas sim, no zênite de uma existência que sempre se manteve ascendente.

Amanhã nosso homenageado completará setenta anos e, como se observa em todos os presentes, os cumprimentos por esta consagração lhe são estendidos desde hoje por seu povo, cuja maioria se compõe de seres que vieram ao mundo pelo labor de suas mãos abençoadas, e na qual, com muito orgulho, estou incluído.

Hoje todos somos testemunhas de um agradecimento há muito existente no coração de todos que conhecem este cidadão. Ao conferir ao Doutor Kleber de Santana Sales o título de cidadão salgadense, a Câmara Municipal resgata, com extrema justiça, uma dívida cujo título fora lavrado com a honra e a coragem de um guerreiro. Um vencedor que sempre amou sua terra adotiva com fervor de oração, nutrido de um sentimento imperecível, próprio dos filhos mais amorosos.

E este amor sempre se revelou aos olhos de nossa gente. Na ânsia de perpetuar no coração de seus descendentes a chama que sempre avivou seu coração salgadense, nosso laureado Doutor Kleber fez nascerem salgadenses os netos, filhos homens de Rita e de Sibeli, que, queira Deus, tenham recebido dos céus estes atributos avoengos.

Caro Doutor Kleber. A tradição desta casa entregou-nos, nesta cerimônia, uma peculiar representação. A consciência de tão relevante encargo nos deu forças e, mais do que isso, ousadia para aceitá-lo. Se por um lado nos sentimos limitados na pretensão de saudá-lo à altura de vosso merecimento, esperamos nos seja deferida a atenuante de tê-lo feito movidos pelo relevante valor moral, o da sincera amizade, profunda admiração e arraigado respeito. Esteja certo que são estes os sentimentos propulsores de nossa empreitada.

Doutor Kleber de Santana Sales. É chegada a hora de colher generosamente o que generosamente se plantou. Sua modéstia, mesmo contra sua vontade, não pode esconder sua grandeza que não consiste, apenas, em haver desempenhado uma profissão em favor de seu povo - a de médico - mas sim, de haver dedicado uma vida inteira na busca de melhores dias para os seus semelhantes.

Que Deus o Abençoe!”


Durante o discurso de agradecimento que fez naquele dia, o Major surpreendeu a todos com uma emocionante revelação. Contou que logo nos primeiros dias após se instalar na cidade foi chamado para atender uma mulher em trabalho de parto.

Passaram-se horas sem que a mãe conseguisse expelir o bebê. O médico e as enfermeiras, extenuados, tentavam de todas as formas possíveis fazer com que o parto acontecesse. O atendimento avançou noite adentro, e chegou um instante em que sentiu que eram poucas as chances do bebê nascer com vida. Temia até mesmo pela vida da mãe, exaurida.

Aquela situação dificultosa e angustiante parecia interminável, até que, num último esforço, buscando forças inexplicáveis e colocando em prática todo o seu recente aprendizado médico, conseguiu fazer com que o parto chegasse a bom termo.

Apesar das dificuldades, o bebê nasceu forte e saudável, seu choro transmitiu intensa alegria, renovando as energias de toda a equipe, que passara a noite em claro para salvar mãe e filha.

- Dali em diante – disse o doutor - em todas as ocasiões em que enfrento dificuldades na vida, por maior que sejam os obstáculos e por mais impotente que eu me ache diante deles, eu me recordo daquela noite, e me sinto forte novamente!

O nome do bebê: Marilei Fernandes Belini.

Nenhum comentário: