segunda-feira, 5 de maio de 2008

Carta Aberta a Um Amigo Salgadense

Chapadão do Sul (MS), maio de 2002.

Estimado amigo,

Tenho revolvido com afinco um velho baú de guardados a fim de contar neste canto aqui na grande rede, um pouco de tudo o que vi, vivi e conheci da nossa querida General Salgado.

Lembrei-me de algumas coisas que se passaram na minha infância em Nova Castilho, dos amigos que fiz quando me mudei para a sede do município, do nosso grupo de adolescentes, das peladas pelos campinhos esburacados, escolas e professores, serenatas e noites de cantoria.

Em todas as vezes que remexia o interior do baú de recordações para buscar um fato, uma história, um personagem, por entre os guardados eu te via, sentia tua presença e tua importância em minha vida, sabendo que um dia eu teria que falar de ti. Em cada uma destas oportunidades em que vislumbrei tua presença ali em meio às minhas melhores lembranças, me certifiquei – com vívida satisfação - que ainda guardo por ti o mesmo respeito, o mesmo carinho e uma admiração perene.

Sei que tudo o que devo, quero e tenho que te dizer, poderia ter sido dito há muito tempo atrás. Mas o tempo - Ah! o tempo - vive nos espremendo, nos compelindo, adiando, postergando encontros, visitas, abraços, conversas, confissões, ao mesmo tempo em que nos vai mitigando o entusiasmo daqueles tempos em que a juventude a tudo comandava, incentivava, incitava.

Hoje eu te compreendo, velho amigo, e sei que você nos contou uma história fantasiosa, fazendo com que acreditássemos que ia nos fazer jogadores de futebol. Mas os teus planos, o teu intento e a tua missão estavam muito distantes disso. Você não queria que jogássemos futebol, apenas nos fez acreditar nisso.

E nós acreditamos em ti com a fé da adolescência, com a certeza de quem tem toda uma vida pela frente, a confiança de quem não teme os erros, as vicissitudes, as incertezas, e até mesmo, as inconseqüências.

Pulávamos das camas às 5 da matina para ir treinar lá no velho estádio Paulo Possetti. Alguns, como eu, depois de correr duas horas inteiras – parte delas dedicadas à educação física – mesmo nas manhãs de inverno, às 8 em ponto pegavam no batente. Havia dias em que retornávamos às 5 da tarde para repetir toda a faina.

Tanto acreditamos em ti que entrávamos em campo e lutávamos com denodo para defender o grupo e nome da cidade. E não foram poucas as vitórias, não eram insignificantes os adversários e muitas foram as vezes em que voltamos para casa mostrando nossa felicidade pelas ruas da cidade, gritando a plenos pulmões o placar do jogo para aqueles que nos aguardavam. Na nossa crença juvenil não fomos capazes de perceber que os teus planos a nosso respeito eram outros.

Há uma cena entre nós que precisa ser revivida. Voltávamos de um jogo nas cercanias, o velho Tartarugão balançava pela rodovia e alguns amigos começaram a tocar a campainha do ônibus, puxando o fio que os passageiros normalmente usam para pedir parada. Você, como sempre, deu as primeiras broncas sem identificar o autor da travessura.

Não sei por que motivo, já que eu nunca fui de quebrar a disciplina do grupo, resolvi entrar na brincadeira e puxar o cordão, aproveitando um momento de tua distração. Você insistiu na repreensão e me perguntou sério: “Quem foi?”. Naquele instante, sem resistir ao teu olhar inquisitivo eu me acusei. Não fui capaz de ocultar de ti a traquinice e esperei o merecido castigo.

Mas por detrás do teu olhar de repreensão você deixou aparecer um sorriso denunciando nossa proximidade, nossa cumplicidade. O teu sorriso foi capaz de premiar a minha sinceridade e ao mesmo tempo punir a minha impertinência.

Sinto dizer, meu amigo, que os teus planos futebolísticos redundaram em fracasso. Ninguém daquele time alcançou o estrelato com a bola nos pés, ninguém envergou outra camisa senão aquela azul e branca do nosso Grêmio Desportivo Salgadense. E nós, num arroubo de egoísmo, acabamos creditando a você o nosso insucesso. Num repente passamos a crer que teus métodos não estavam aptos a conduzir nossos planos de profissionalização e estrelato.

E por conta da nossa crença estúpida e insensata, própria dos açodados, dos despreparados, dos que acreditam que tudo sabem, que tudo podem, acabamos te magoando. A minha larga parcela de responsabilidade, sabe você, assumi na tua presença, do mesmo modo como me denunciei no dia em que toquei aquela campainha. Era o mínimo que eu poderia fazer naquele tempo, apesar de não ter bastado para me eximir, para expiar minha equivocada e culposa posição.

Hoje venho te pedir perdão. Desculpe-me o atraso de “apenas” vinte anos, mas ainda que fossem quarenta eu teria que fazê-lo. Nesses vinte anos nos encontramos algumas vezes, conversamos um pouco e posso acreditar que o tempo – que tudo supera e cicatriza – tenha sedimentado o turbilhão de sentimentos que te atingiu. Muitas foram as vezes em que busquei com os velhos amigos notícias tuas, e creias, saber-te bem sempre me serviu de acalento ao coração.

Como fomos inocentes meu amigo! Como nos deixamos iludir! Confiamos cegamente que você nos queria craques de bola, e não fomos capazes de perceber que o que você realmente pretendia era nos transformar em homens!

E você não se poupou de oportunidades, não economizou entusiasmo, seja nas vezes em que deixou o convívio dos teus para nos acompanhar; nas vezes em que tirou dinheiro do bolso para socorrer aqueles mais necessitados; nas vezes em que sacrificou o horário do teu trabalho diário em nosso benefício; nas vezes em que, para reunir o grupo, fortalecer amizades e companheirismo, varamos noites em longas conversas de esclarecimento e orientação, você sempre nos oferecendo teu ombro amigo, tua experiência de vida, teus ouvidos plenos de compreensão. Com muitos, você ainda dividia o aconchego da tua casa, a comida da tua mesa, a compreensão de tua família, a alegria do teu violão.

Em todas essas oportunidades você jamais demonstrou cansaço, incompreensão, jamais deixou de dar socorro às nossas inquietações. Em contrapartida nos cobrava apenas comportamento, atitude, disciplina, personalidade, tentando harmonizar nossa convivência em grupo e ao mesmo tempo fortalecer nossas vidas em família.

Nossos pais sempre foram e sempre serão para nós referências básicas, jamais esqueceremos, jamais desprezaremos tudo o que deles recebemos, tudo o que com eles aprendemos. Mas houve vezes em que eles não estavam por perto, houve vezes em que eles eram os motivos das nossas inquietações, houve vezes em que não tivemos coragem, oportunidade ou liberdade suficiente para nos abrirmos com eles. Nessas horas, amigo, você estava conosco e nunca negou uma palavra amiga, um conselho, um conforto, uma orientação. Nunca deixou de nos ouvir e de dar sua contribuição para o nosso crescimento, para o nosso amadurecimento.

Cá comigo creio que carregas íntima convicção do quanto foi grande e importante o resultado do teu intento. Ouso acreditar piamente que tens consciência de que tua missão se preencheu de êxito, de sucesso e de concretização. Ainda assim vou te dar alguns exemplos:

- aquele goleiro metido a elegante, que fazia questão de comprar – a duras penas – seu próprio uniforme, mas que negaceava quando era necessário contribuir para o time, mais por dificuldades financeiras do que por sovinice, hoje é um homem assentado na vida. Superou obstáculos, constituiu família, alcançou o respeito de seus pares;

- aquele centroavante cabeçudo que às vezes treinava com os pés descalços porque não tinha dinheiro para comprar chuteiras, hoje é próspero empresário, cresceu na vida honestamente, com trabalho árduo e honrado; é motivo de orgulho para todos nós que conhecemos das dificuldades que enfrentou, que partilhamos com ele alegrias, tristezas e esperanças;

- um outro atacante polivalente que de vez em quando vestia a camisa de titular, aquele, que sempre dava show jogando pelos aspirantes, hoje é homem feito, tem família, filhos, e quando deixa o Estado onde vive para vir visitar os amigos e familiares salgadenses, e por aqui desfila ao volante de um carrão reluzente, nós que sabemos o quanto foi dura a sua caminhada sentimos que a vida sabe premiar os que lutam, os que buscam trilhar o caminho dos justos.

Eu poderia falar de todos os demais companheiros e em todos eles há um motivo de orgulho, uma vitória a ser anunciada, um caminho trilhado com dedicação e premiado de êxito. Alguns talvez não tenham alcançado plena independência financeira, mas te garanto que todos se tornaram homens de bem.

Tenha certeza, meu amigo, que em todos eles influenciou positivamente a tua palavra sincera e cordata, teu apoio, tua orientação mesmo que em forma de censura, e ainda que você nos tenha vendido a ilusão de que estavas mais preocupado com o nosso futebol. Não há um de nós que não te guarde carinho e consideração, que não se sinta agradecido. Ninguém jamais esquecerá o que fizestes.

Por tudo isso é preciso te dizer muito obrigado, amigo Márcio Teixeira da Rocha, e o faço aqui com redobrada saudade e renovada esperança de que tenhamos ainda um dia oportunidade de reviver e revolver aqueles dias de aprendizado, de amizade e crescimento, em que você nos doou grande parte do seu coração imenso, justo, caloroso e fraterno.

Tenha certeza que você colherá os merecidos frutos do que plantou, se é que isso ainda não aconteceu. Eu ficaria muito feliz se soubesse que as gerações que nos sucederam tiveram (ou terão) as mesmas oportunidades que tivemos, de pelo menos, conviver e aprender sobre a vida com uma pessoa como você.

Jamais deixarás de ocupar um lugar especial no meu baú de guardados, esse baú que trago seguro e preservado aqui dentro do peito.

Dê lembranças minhas à Sueli e às crianças (que já não devem ser tão crianças assim!).

Que Deus te abençoe.

Um forte abraço do eternamente agradecido amigo Carlos José.

Um comentário:

Anônimo disse...

CARLOS JOSÉ, MEUS PARABENS POR ESTA CARTA, SAIBA Q TBEM FUI ALUNO DESTE GDE MESTRE DO ESPORTE SALGADENSE. POREM POR FORÇAS DO DESTINO O MEU DOM COM A BOLA NOS PÉS NUNCA TIVE, RSRSRSRS, MAS GRAÇAS A DEUS SEMPRE ME ESPELHEI NO MÁRCIO TEIXEIRA COMO UM GDE TÉCNICO DO FUTEBOL E DA VIDA, FOI UMA GDE AMIGO DE MEU PAI (IN MEMORIAN), HOJE ESTOU MORANDO NA CIDADE DE PEDREIRA (REGIÃO DE CAMPINAS E CIDADE VIZINHA A JAGUARIUNA), TENHO AQUI UMA ESCOLINHA DE FUTSAL EM UM CLUBE CONCEITUADISSIMO NA REGIÃO (E.C. SANTA SOFIA), A 05 ANOS SOU O TÉCNICO DA EQUIPE DE FUTSAL PRINCIPAL DO ESPORTE CLUBE SANTA SOFIA, SEMPRE CARREGO COMIGO OS ENSINAMENTOS Q TIVE COM O PROFESSOR MARCIO TEIXEIRA, POIS ESPERO Q OS ESPORTITAS SALGADENSE SAIBAM DAR O VALOR MERECIDO AO MÁRCIO TEIXEIRA. É COMO VOCÊ DISSE NA CARTA, HOJE MUITOS DAQUELES ATLETAS SÃO HOMENS JA FORMADOS NA VIDA, SEJA ELA FAMILIAR, DE AMIGOS E DE PROFISSÕES!!!!!
UM GRANDE ABRAÇO AO PROFESSOR MÁRCIO TEIXEIRA E PARABENS MAIS UMA VEZ CARLOS JOSÉ POR ESTA BELA HOMENAGEM AO ESPORTE SALGADENSE!!