quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Burrada

Havia longo tempo que o menino vinha atentando o pai e pedindo o presente dos seus sonhos: uma bicicleta. Meeiro de roça num pequeno sítio nas proximidades de São João de Iracema, o pai não dispunha de recursos para tanto, mas prometeu que tentaria satisfazer o desejo do filho se da próxima safra resultasse o lucro esperado.

Passou-se o tempo planejado e dos ganhos do roçado o pai conseguiu apartar uns cobres para "apanhar" uma bicicleta de segunda mão. O menino ficou satisfeito, não cabia em si de tanto contentamento. Tanto que não mais se apartava do presente. O pequeno sítio acabou inteiramente cortado pelos sulcos dos pneus do novo brinquedo, que na hora de dormir era guardado no quarto do dono, ao lado de sua cama.

Numa tarde o pai chamou o menino: "vá lá no pasto de cima buscar o burro". O piquete era perto da casa e nele o burro ficava recolhido para facilitar o serviço quando fosse necessário atá-lo à carroça. Porém, andava escasso de grama e por isso o animal havia sido solto no pasto de cima, onde o capim era mais abundante e vistoso. O menino não se animou a caminhar até onde animal pastava, montou na magrela e saiu pedalando.

Ao ser cabresteado o burro não ofereceu resistência, talvez tenha estranhado um pouco quando a ponta da corda foi amarrada na garupa da bicicleta, mas mesmo assim seguiu adiante, puxado pelo ciclista que seguia em marcha lenta e internamente comemorava o feito, pois havia encontrado uma forma de facilitar os  pequenos serviços que o pai lhe destinava.

Na passagem do pasto para o piquete havia uma chave de arame, um tipo de cancela muito comum na zona rural, e que obriga o transeunte a enroscar o balancim ao qual o aramado é preso em duas alças fixadas num palanque. O ciclista abriu a chave, esperou o burro passar pela cancela, parou a bicicleta e armou seu descanso, acreditando que - preso pelo cabresto à garupa - o asno o aguardaria fechar a passagem. O animal até que entendeu a situação e ficou esperando. O menino encaixou a base do balancim na alça de baixo, e quando se preparava para enroscar a ponta do guatambu na alça de cima ouviu um barulho estranho e virou-se para assistir a uma cena estarrecedora.

Sem perceber, o ciclista havia escorado o descanso em solo arenoso, a bicicleta derrapou vagarosamente e ao atingir o chão produziu na rédea um golpe suficiente para espantar o burro, que estirou e saiu em desabalada carreira no rumo da casa.

A magrela foi sendo arrastada em meio aos murundus, buracos de trilhos e coices do burro, que quanto mais percebia estar sendo por ela perseguido, mais se assustava e acelerava a toada. O animal só mitigou a marcha quando chegou ao portão da morada, também pelo fato de que, no trajeto, algumas partes da magrela foram ficando pelo caminho. Quando o desesperado menino conseguiu alcançar o local onde o burro, ainda espantado, bufava e zunia, levou às mãos à cabeça: do tão sonhado presente só restava a carcaça retorcida da qual nada mais se aproveitava.

Foi preciso esperar outra boa safra para conseguir convencer o pai a comprar-lhe outra bicicleta. Autor da façanha: nosso amigo Luiz Antonio de Souza, o famoso Sapo.

Nenhum comentário: