segunda-feira, 28 de março de 2011

Nossa Chácara Encantada

  • Manoel Afonso (especial para o Proseando)

Na década de 50 a cidade terminava na esquina do terreno da atual creche. No prédio que hoje abriga uma padaria funcionava a "Máquina de Arroz” e a serraria do João Borges, vendidas ao Luiz Zocal. Um vapor comandado pelo João Barulho produzia energia para o consumo próprio. Dalí até o cemitério era pasto dos dois lados. Do lado esquerdo as chácaras do Geraldo Rodrigues, do Juvenal Coelho, Otávio Fantini e do João Gica, vendida ao João Pimenta. Do lado direito havia um pequeno piquete do Toninho Giamatei, a chácara do Nelo Afonso e depois aquela do Turíbio Castilho. A rua era uma estrada de “areião” ,onde os carros pequenos ficavam constantemente encalhados.

Boiadeiro, meu pai tinha arrendado invernada na Fazenda do Leôncio Viana, do Ricardo Geraldo, perto de Nova Castilho e do Álvaro Rodrigues de Almeida, no “Lambari”. Dinâmico e exagerado transformou a chácara num local aprazível para se viver e adequado as suas lides rurais.

Além de reformar a casa, aquela mesmo onde hoje mora o Antônio de Castro, introduziu alguns melhoramentos: cercou o quintal com lascas de aroeira (hoje seria crime), plantou 10 mudas de jabuticabeiras “Sabará”, 10 pés de côco da Bahia, laranjas, tangerinas, mangueiras (ainda estão lá) e muitas outras árvores frutíferas. Ao lado da varanda coberta, meu pai plantou uma parreira de uvas deliciosas que encantavam os visitantes. Minha mãe, dona Santina – hoje com 97 anos - tratou logo de cultivar uma bela horta ao lado da casa.

Para manter a tradição de cafeicultor, iniciada na Colônia Ponte Torta – entre Rio Preto e José Bonifácio – meu pai plantou 1.600 pés de café naquele local que hoje é pasto, ao lado direito da rua, no sentido cidade-cemitério. Ainda menino, ajudando no plantio, ouvia a conversa dele com os cavaleiros que passavam na estrada. Todos elogiavam admirados sua iniciativa. Meu pai ficava orgulhoso ao mostrar o cafezal aos amigos! O café produzia bem e nas ruas internas plantávamos milho para o consumo interno, inclusive as deliciosas pamonhas da dona Santina e da minha irmã Nair. O Expedito – que hoje mora em Araçatuba – morou conosco muitos anos e era o responsável pelo cafezal.

Mas a fartura não acabava aí. Perto do cafezal plantamos mudas de banana, batata doce, quiabo e um canavial de cana de qualidade. Perto do curral meu pai instalou uma moenda que a gente usava todo santo dia na hora da apartação dos bezerros. Ele caprichou no paiol, no chiqueiro de engorda – e no curral com barracão ( ainda pode ser vista parte do que sobrou). Minha mãe é quem tirava o leite das vacas mansas que resultava em queijos, requeijões e manteiga, cujo excedente eu vendia na cidade, junto com laranjas, verduras, frangos e ovos.

Em 1958 – quando o caminhão boiadeiro virou febre na região, seu Nelo Afonso construiu um embarcadouro, o único da cidade. Era eu quem cobrava por embarque, sob alegação de que o gado estragava as tábuas. Meus irmãos José e Toninho eram boiadeiros de verdade. Viajavam dias e dias à cavalo para buscar o gado que meu pai comprava. Ir à Nova Castilho era “café pequeno”.

Nossa chácara era muito freqüentada pelos jovens da época como mostra nosso algum de fotografias. Nelas aparecem, entre outros, o Zé Frota, o Lílácio da Exatoria, o Toninho Fernandez, o Pedrinho Giamatei, o Nino, professor Yano, Cri, Maria Rosa Fernandez e a Inocência Carvalho (residente em Paris).

A descaracterização da chácara começou com a perfuração do poço arteziano perto da nascente do córrego, da qual nosso gado se servia. Cortou o coração ver os caminhões entrando no pasto e violentando aquele recanto sagrado aos nossos olhos ingênuos de criança.

Foi um período feliz, gratificante dentro do contexto social que vivíamos na época. Mas minha mãe, com sua memória incrível, lembra sempre que trabalhava muito para dar conta do recado ao lado da Nair.

Pouco sobrou da chácara, mas ela permanece intocável em minha memória. Até o cheiro do cafezal em flor ficou impregnado apesar dos anos. Como não há volta, e não devemos nos prender ao passado, apenas registro aqui essa fase importante para todos nós da Família Afonso. Fica o aperto no coração, a saudade, mas e minha energia otimista de tocar em frente fala mais alto.

E continuo feliz na estrada... feito “menino passarinho com vontade de voar.”

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