quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Zé da Canga

Zé da Canga - o mais famoso construtor de carros-de-bois e domador de animais de tração da região.

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Contando mais de 70 anos de idade, Zé da Canga é mais um dos personagens folclóricos da cidade. Desde jovem notabilizou-se em toda a região como construtor de carros de bois, especialista não só na carpintaria das peças como também na doma e no treinamento dos animais de tração.

Morador ilustre de Nova Palmira é comum vê-lo andando a pé pelas beiras de estradas do município, sempre trajado com esmero, roupas de brim de cor clara, calças por dentro das botas, chapéu largo na cabeça. Muitos também o chamam de Zé Gago ou Zé Cateto.

Depois que o mercado de carros de bois desapareceu ele passou a construir miniaturas, pequenos carros ou peças como cangas, fueiros e canzis, monjolos e outros objetos rústicos de decoração. Tenho em casa algumas destas peças, algumas feitas há mais de 30 anos.

No final dos anos 1970 tínhamos um sítio nas proximidades de Nova Palmira. Zé sempre aparecia por lá de manhãzinha, quando as vacas ainda se achavam no curral, levando consigo uma enorme caneca de alumínio para tomar leite. Papai brincava com ele:

- Enche até no meio ou pra baixo do meio?

- Pode encher padrinho.

Padrinho é o tratamento que ele destina a todos aqueles de quem fila alguns trocados de vez em quando.

De certa vez ele abordou papai dizendo que precisava de uns trocos para ir a Santo Antonio do Aracanguá visitar uma noiva. Seu Domingos não perdeu a oportunidade de brincar com a timidez do matuto:

- O Zé, mas essa moça sabe que você é noivo dela?

- Acho que sabe sim! – respondeu meio sem jeito, arriscando um sorriso no canto da boca.

Há mais de 30 anos o carpinteiro repete a todos uma história sobre ter tomado calote de um cidadão salgadense que há muitos anos mudou-se da cidade. Seu inconformismo é tanto que de vez em quando ele aparece em velórios de pessoas conhecidas chorando e lamentando a partida do finado em altos brados:

- Gente boa não podia morrer. Tinha que morrer é aquele fiadaputa do Fulano, que pegou meu dinheiro e não pagou!

Essa ladainha é repetida por ele há muitos anos. Não se sabe se a história do calote é verdadeira, mas há uma parte da história que conheço bem.

Zé Cateto era um dos melhores domadores de bois de tração de toda a região. Tinha o dom de selecionar e preparar os animais. De certa feita, amansou e vendeu ao meu avô Álvaro Rodrigues de Almeida quatro bois de primeira.

No dia marcado para o pagamento apareceu na fazenda acompanhado, dizendo ao fazendeiro que havia emprestado o dinheiro dos bois a juros. Pediu que o pagamento fosse feito diretamente ao beneficiado pelo empréstimo.

O dinheiro saiu dos alforjes do comprador direto para as mãos do financiado. Os dois deixaram a fazenda juntos e somente algum tempo depois é que o Cateto passou a reclamar de que nunca mais vira a cor do dinheiro.

Essa é a parte da história que eu conheço, do resto nada posso dizer.

Mas o fato mais marcante na história do carpinteiro Zé Cateto é que, lá pelos anos 1970, alguém lhe encomendou um carro de bois de tamanho médio, para duas juntas no máximo.

Ele passou dois ou três meses construindo o carro. Como era temporada das águas, carregava as peças de madeira para a pequena sala de sua casa, em Nova Palmira, e ali ia montando tudo.

Depois de tudo pronto descobriu um problema: não havia como tirar o carro de dentro da casa.

O jeito foi pedir socorro na Prefeitura Municipal, pois sequer tinha condições financeiras para a emergência. O então prefeito Norival Cabrera encontrou a solução, destacando um grupo de funcionários para socorrer o carreiro.

Derrubaram uma parede da casa para de lá retirar o carro de bois e, em seguida, reconstruíram tudo.

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