segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Boca do Sertão

A cidade de General Salgado está encravada no centro da região conhecida como Boca do Sertão de Rio Preto. Um canto situado a noroeste do Estado de São Paulo encostado no Mato Grosso do Sul, circundado pelos limites dos grandes municípios de Andradina, Araçatuba, São José do Rio Preto e Santa Fé do Sul.

No início do século passado era região de muito mato e pouca gente, tida como perigosa e infestada de feras. Animais e homens ferozes.

As primeiras fazendas estavam sendo desmatadas, as estradas se resumiam a picadas abertas à foice na mataria, os viventes transitavam a cavalo ou em carros de bois, os primeiros automóveis empoeirados – jipes ou pequenos caminhões - enfrentavam muitos buracos e bacadas. Era verdadeira terra de ninguém, longe de tudo e de todos. Muito natural que bandidos, arruaceiros, matadores e valentões passassem a integrar a pequena população local.

Havia ainda outro fator importante para a existência desse tipo de gente por aqui: a Justiça praticamente não existia, os poderes regionais estavam muito distantes e eram incapazes de manter a ordem, os poderes de polícia eram delegados a pessoas comuns, inspetores de quarteirão. Não havia como obrigar todos os cidadãos ao cumprimento das ordens necessárias ao bem comum e à tranqüilidade do povo. Os valentões, matadores e pistoleiros foram ganhando fama, atemorizando cidades, cultivando veneração e espalhando o terror de modo desenfreado.

Tio Odilon Rodrigues dizia ter conhecido pessoalmente vários personagens daquele tempo, colecionando, ao longo dos anos, histórias dos principais criminosos que passaram pela região como Aníbal Vieira, Zico Boiadeiro, Zezão das Casinhas, Zé Negrão, Lino Catarino, Zé Dico, Camisa de Couro e outros.

Camisa de Couro era um pistoleiro afamado no sertão de Mato Grosso, matava por dinheiro. Um dia foi contratado para eliminar conhecido fazendeiro da região de Andradina. Não gostava de matar à traição, preferia fazer o serviço às claras para que o vitimado conhecesse a identidade de seu algoz. Assim que avisou ao fazendeiro sobre a missão encomendada o homem raciocinou rápido:

- Quanto você quer para matar quem mandou você aqui? Eu te pago o dobro do que ele está te pagando!

O facínora desistiu da empreitada, aceitou a oferta e voltou para eliminar aquele que lhe havia encomendado o serviço.

Depois de intensa perseguição, Aníbal Vieira foi preso e mandado para um presídio em Araçatuba. Era fugitivo dos mais procurados, trazia consigo o peso de muitas mortes. Tempos depois conseguiu fugir da cadeia, roubou um cavalo e tomou o rumo do Rio Tietê. Naquele tempo não existia ponte, a travessia era feita sobre uma balsa e depois das 18:00 horas ninguém mais podia atravessar. Aníbal chegou à beira do rio depois do horário e temendo a perseguição da polícia tentou convencer o balseiro a levá-lo até a outra margem. O homem quis recusar e o bandido sacou de uma peixeira, resmungando:

- Bem que o povo me fala “não mata, Aníbal, não mata!”. Mas não tem jeito, tem gente que prefere morrer!

Zezão das Casinhas vivia no Bairro das Casinhas nas proximidades de Nova Palmira. Nos finais de semana aparecia na cidade, tomava umas pingas e saía pelas ruas desafiando os populares, jogando o cavalo por sobre mulheres e crianças. Atiçava os policiais chamando-os de “bate-paus” e lançava desafios. Era muito forte: três policiais não conseguiam dominá-lo. A polícia teve que formar um batalhão para persegui-lo a cavalo e só conseguiu detê-lo depois de balear e colocar por terra a montaria do fugitivo.

Zico Boiadeiro era danado para roubar mulher dos outros. Um dia resolveu se vingar do delegado de polícia de Auriflama, de quem havia tomado uma surra. Matou o policial e deixou um bilhete por cima do corpo: “quem matou foi Zico Boiadeiro”. Fugiu para o Mato Grosso e foi parar em Campo Grande. Lá conheceu um velho fazendeiro e se apaixonou pela mulher dele, bem mais moça que o marido. Não resistiu à tentação e avisou o homem: “vou lá na sua fazenda roubar a sua mulher, pode me esperar!”.

No dia marcado, acompanhado de um comparsa, Zico chegou à fazenda do velho para buscar a moça. Os vizinhos escutaram tiros e chamaram a polícia. No local encontraram o fazendeiro morto, caído por sobre o revólver, a mulher e um filho do finado escondidos num quarto, amedrontados. Depois de analisar a situação o moço avisou ao delegado:

- Meu pai estava esperando os bandidos e atirava muito bem. O senhor pode procurar nas redondezas porque no revólver dele faltam duas balas.

A polícia varreu as cercanias e atrás de um curral encontrou o capanga do Zico vivo, mas com uma perna quebrada, varada de bala. Vasculhou mais um pouco e avistou Zico encostado numa cerca com a carabina na mão, fazendo pontaria. Cercaram o local e o delegado percebeu que Zico Boiadeiro estava morto, fora atingido na troca de tiros com o fazendeiro que, com apenas dois disparos tirou os bandidos de combate, ainda que mortalmente ferido.

No mês de maio de 1982, durante as comemorações do Cinqüentenário da Revolução Constitucionalista de 1932 o Colégio Tonico Barão resolveu homenagear um ex-combatente com a entrega de uma medalha de Honra ao Mérito. Fui o aluno escolhido para entrevistar, durante o evento comemorativo, o 2º Sargento Reformado Francisco Machado, residente em Auriflama. Eu já o conhecia porque era sogro de meu tio Agostinho de Almeida.

Para os que compareceram ao evento o Sr. Machado narrou suas aventuras como soldado constitucionalista. O que ninguém ficou sabendo, no entanto, é que foi ele um dos maiores caçadores de bandidos que existiu na região.

Depois da revolução o Sargento Machado foi nomeado Delegado de Polícia e veio morar em General Salgado. Anos depois se mudou para Auriflama. Passou a ser respeitado e reconhecido como o mais valente e destemido perseguidor de pistoleiros.

Zé Negrão era um bandido famoso que todos temiam e estava há muito tempo foragido. O Delegado Machado saiu na sua captura e depois de dias de investigação batendo no rastro do bandoleiro localizou-o dormindo no meio de uma mata nas proximidades de Nova Castilho. Sequer deixou que o bandido acordasse...

O valentão mais temido de toda a região de Monte Aprazível, então sede da comarca, era conhecido como Zé Dico. Costumava fechar cidades, dar tiros pelas ruas; de vez em quando invadia igrejas montado a cavalo, ofendendo e ameaçando os freqüentadores.
Um dia a polícia tomou conhecimento que o arruaceiro havia dias estava acampado na praça da pequena cidade de Ubarana, espalhando terror pelas arruelas do vilarejo. Quando o comandante da polícia da região chamou o Delegado Machado perguntando se ele seria capaz de enfrentar o bandoleiro, e se queria ajuda de outros colegas, ele bateu no peito:

- Eu vou sozinho! Só quero saber se posso trazer ele dentro de um saco!

Seu Machado chegou a Ubarana e o bandido ainda atemorizava o povo, montado a cavalo no meio da praça, gritando bravatas. O delegado avisou:

- Se entregue que eu vim te buscar e aproveita a oportunidade, porque eu tenho que te levar vivo.

O valentão desdenhou da coragem do desconhecido:

- Você tá sozinho? Você acha que eu sou homem de ser preso por um homem só?

O delegado pulou para os lados do bandido e puxou-o de cima da montaria pela aba da capa de chuva. Em dois tempos o arruaceiro estava amarrado. Quando foi entregue às autoridades em Monte Aprazível, Zé Dico avisou que a partir daquele dia abandonaria o banditismo:

- Passei vergonha doutor! Um homem sozinho foi capaz de me dominar!

O velho delegado Machado que eu conheci, aposentado e beirando os setenta anos, costumava sair da cama às quatro horas da madrugada para uma corrida matinal do centro da cidade até o trevo de Auriflama. Numa dessas madrugadas foi atropelado por um ônibus, cujo motorista não pôde perceber o pedestre correndo na beira da pista. Quando a polícia chegou ao local para registrar a ocorrência localizou nas proximidades do corpo um velho revólver calibre 38 do qual o finado não se apartava.

O salgadense João Marques, emérito contador de histórias, contava que numa das vezes em que um desses bandidos foi preso, formou-se na ante-sala da Delegacia um grupo de cidadãos para conferir sua identidade. Um deles – querendo gargantear perante os demais - bravateou: “até que enfim esse safado foi preso! Tomara que apodreça na cadeia!”.

O que ninguém sabia era que o pistoleiro estava na sala ao lado e ouviu a conversa, botou a cabeça para fora da porta e avisou:

- Quando eu sair daqui você vai ser o primeiro que eu vou matar!

Dias depois o mesmo grupo tomava café da manhã no balcão de um bar em frente à Praça da Matriz e de repente apareceu alguém meio assustado:

- Aquele bandido que foi preso outro dia fugiu da cadeia!

Imediatamente o cidadão que havia sido ameaçado na delegacia olhou boquiaberto para os demais, abandonou a xícara de café no balcão, botou o chapéu na cabeça meio que escondendo os olhos, e foi saindo de fininho:

- Gente, vocês vão me desculpar, mas eu tenho um compromisso urgente!

3 comentários:

Gil-Existo disse...

Conheci de vista o camisa de couro,eu tinha 6 anos na época e ele ficava de tocaia em frente a minha casa em um terreno baldio,atrás de uma árvore em Andradina SP.O fazendeiro que pagou o dobro para ele matar o contratante foi João Tucano que morava na rua 15 de novembro em Andradina.Morei em Tres Lagoas em frente da casa onde estava o jipe do Camisa de couro,no qual ele morreu,o jipe todo cravejado de bala.

Oliveira Neto disse...

Sou afilhado de um membro da familia Vieira(Benedito Vieira,Natural de Passos/MG e morador das cidades de Barretos e Batatais/SP,onde faleceu em 02/03/1971) que esteve com Aníbal na frente Constitucionalista em 1932,na divisa de Minas com SP; Ganhei dele uma faca com cabo de chifre e madrepérola,que tem gravado no ricasso, em ouro,as iniciais do famoso matador da região da alta Araraquarense(hoje Noroeste Paulista)AV,sublinhada por dois traços.(tb em ouro)Embora seja colecionador de cutelaria,nunca pude deixar de me surpreender com a qualidade do aço da lâmina,que, embora não tenha nenhuma marca do fabricante,certamente é de origem estrangeira!

Unknown disse...

Sou filha de Chico Negrão, meu pai tinha tatuagens feita por Lino Catarino, e tambem alistou-se e serviu o exercito em 32. Eram outros tempos, era olho por olho e dente por dente, tempo em que a justiça muitas vezes era feita com as próprias mãos. Vale ressaltar também que havia muita injustiça também, muitos grileiros invadindo propriedades e aterrorizando famílias. Muitos sobrenomes famosos de hoje são oriundos de terras roubadas.